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Sistemas Polinizadores: Heterogeneidade e Dinâmica espacial

No documento Mata Atlântica e Biodiversidade (páginas 124-145)

Em áreas recém desmatadas na Floresta Tropical, o vento pode ser responsável pela polinização de mais de 30% da flora, mas em poucos anos, na etapa inicial de regeneração da floresta, a importância desde agente cai dramaticamente e cede lugar à zoofilia (OPLER et al. 1980;

Tabela 8). Mesmo que a zoofilia se mantenha dominante na vegetação aberta, como provavelmente é o caso da maioria das grandes formações vegetais nos trópicos brasileiros, espera-se variações na composição e importância relativa da fauna de polinizadores e fortes pressões ecológi- cas de fora para dentro da floresta. Por exemplo, abelhas médias e gran- des, borboletas e mariposas grandes, beija-flores e morcegos tornam-se cada vez mais importantes à medida que a sucessão progride da vegeta- ção aberta, em áreas desmatadas, para a floresta tropical pluvial desen- volvida (Ibidem).

Um estudo interessante em áreas naturais de vegetação aberta de inselbergs, em meio ao domínio da Mata Atlântica (POREMBSKI et al. 1998), indica variação importante na freqüência dos sistemas de polinização em relação à floresta. A freqüência de flores anemófilas e polinizadas por beija-flores (ornitofilia) e morcegos (quiropterofilia) é mais elevada nos inselbergs, em contraste com a predominância da polinização por insetos (entomofilia) na Mata Atlântica circunvizinha. Uma explicação razoável está na própria diferenciação espacial da flora: Bromeliaceae (bromélias), Orchidaceae (orquídeas), Velloziaceae (velozia, canela-de-ema, etc.), Cyperaceae, etc., são formas de vida herbácea mui- to comuns ou dominantes nos inselbergs, cuja vegetação é relativamente pobre em número de espécies, comparada a enorme diversidade de espé- cies e formas de vida na flora da Mata Atlântica.

Na Mata Atlântica, pequenos remanescentes florestados tendem a se comportar como hábitats de borda (TABARELLI et al. 1999), ou seja, hábitats regulados pelas condições físicas e interações biológicos típicas das interfaces entre a floresta e a vegetação aberta. Polinizadores com alta fidelidade à floresta podem se tornar pouco eficientes na borda (p.ex., RAMOS & SANTOS, 2003). Nos pequenos fragmentos, a floresta per- siste, mas há alterações significativas na estrutura do dossel (MARIANO- NETO & MANTOVANI, 2003) e na composição e abundância das es- pécies, mesmo considerando-se apenas as plantas lenhosas. A fisionomia pode ser relativamente similar, mas os componentes e suas interações estão modificados. No estudo de Tabarelli et al (op. cit.) constatou-se que- da significativa de espécies que produzem frutos carnosos, sugerindo, comprometimento da sobrevivência de animais frugívoros dispersores

de sementes nos pequenos fragmentos. Silva & Tabarelli (2001) sugerem que cerca de 34% das 427 espécies arbóreas estudadas em fragmentos de Mata Atlântica do nordeste estão ameaçadas de extinção em decorrência da falha no processo de dispersão de sementes, devido à perda de hábitats e da pressão de caça sobre aves e mamíferos frugívoros. De fato, os pe- quenos fragmentos também tendem a abrigar menor número de espécies de frugívoros (FRANCESCHINELLI et al., 2003).

Assim como há árvores melhor adaptadas para ocupar grandes cla- reiras ou avançar a partir da borda da floresta sobre áreas com vegetação aberta, há uma maioria de plantas que desenvolvem estratégias de cres- cimento à sombra do dossel (CONNELL, 1989). De modo análogo, a estratificação da atividade de diferentes polinizadores bem como dos sistemas de polinização (Tabela 1; Figura 3) tem como umas das causas as variações na habilidade de termorregulação e capacidade de forrageio à sombra ou sob a forte insolação direta no dossel (ROUBIK, 1993b). Certamente, vários polinizadores da floresta sofrem restrições físicas, têm limitações comportamentais ou ecológicas para o forrageio em áreas aber- tas. A estratificação observada tanto em alguns insetos como beija-flores na Mata Atlântica deve ser, em parte, reflexo dessas restrições (p.ex., RAMALHO, 2004; VARASSIN & SAZIMA, 2000).

Na Mata Atlântica, os diferentes grupos de abelhas apresentam estratificação vertical marcante (RAMALHO,1998, 2004), com efeitos potenciais em cascata sobre as estratégias reprodutivas das diferentes formas de vida vegetal: ervas, arbustos, árvores, epífitas, trepadeiras. Merece especial destaque a concentração dos meliponíneos, dominantes na Mata Atlântica, no dossel, como detalhado acima. Muitas dessas pe- quenas abelhas provavelmente estão adaptadas a forragear expostas ao sol, já que apresentam uma superfície de perda de calor relativamente grande em relação ao seu volume corporal, entretanto, por razões ainda desconhecidas, algumas espécies parecerem apresentar maior fidelidade ao interior da floresta (Figura 3). Este é o caso de Melipona scutellaris e Trigona fulviventris, ambas com alta fidelidade à mata (Tabela 7). Por exem- plo, a queda de abundância desta última espécie na borda de fragmentos parece ser o responsável direto pela redução na frutificação da Rubiacea Psycothria tenuinervis (RAMOS & SANTOS, 2003).

Os estudos de Batista (BATISTA, 2003a, b; BATISTA & RAMALHO, 2002; BATISTA et al. 2002, 2003) demonstram que as co- munidades de abelhas meliponíneos na Mata Atlântica estão expostas a grandes variações na diversidade, mesmo em escala espacial local, asso- ciadas a alterações na estrutura da vegetação e à qualidade dos hábitats, especialmente na oferta de substratos de nidificação e, provavelmente, ao grau de insolação (Tabela 7). Estes estudos indicam aumento signifi- cativo da diversidade e abundância de meliponíneos na floresta pouco perturbada e que a variedade de sítios de nidificação pode passar por um colapso nos estágios intermediários de sucessão da floresta, localmente com o domínio da árvore pioneira conhecida como pau-pombo (Tapirira guianensis), limitando o estabelecimento de espécies mais exigentes.

Com o desmatamento na Mata Atlântica e as mudanças que se se- guem no ambiente físico (p.ex., ARCHIBOLD, 1995), na estrutura da vegetação e na dominância relativa das formas de vida também tendem Tabela 7. Variação na abundância e diversidade de meliponíneos (Meliponina) de acordo com o nível de perturbação do hábitat na Mata Atlântica. Disponibilidade e qualidade dos sítios de nidificação (principalmente ocos em árvores) e insolação são fatores que afetam a distribuição e abundância das espécies em escala local. Extraído de Batista (2003a) & Batista et al. (2003). A abundância foi transformada em escala relativa, a partir dos dados originais: ••••• presente; •• comum ; •••• dominante; ∅ ausente

Espécies de Abelhas Nível de Perturbação de Hábitats na Mata Atlântica

Meliponina Alto Moderado Baixo

Tetragonisca angustula •••• •••• •••• Nannotrigona punctata •••• ∅ •• Partamona helleri •• • •• Frieseomelitta francoi •••• ∅ • Scaptotrigoa tubiba • ∅ •••• Scaptotrigona xanthotricha • ∅ •••• Oxytrigona tataíra ∅ ∅ •• Plebeia poecilochroa • ∅ •• Trigona fulviventris ∅ ∅ •• Trigona spinipes • ∅ •• Melipona scutellaris ∅ ∅ • Frieseomelitta doederleini ∅ • ∅ Frieseomelitta varia • ∅ ∅

a se estabelecer grandes diferenças espaciais (ou temporais) nos regimes seletivos e ecológicos e, como conseqüência, na estrutura dos sistemas de polinização na paisagem em mosaico, como observaram OPLER et al (1980) na Costa Rica (Tabela 8).

À medida que são ampliados os contatos físicos da vegetação aberta com a floresta (efeito secundário de borda, p.ex.), são potencializadas as influências entre comunidades de plantas e polinizadores sob diferentes regimes seletivos ou ecológicos: quanto menor, mais entrecortado e/ou mais estreito for o fragmento de floresta, maiores as pressões potenciais de fora para dentro.

Tabela 8. Variação na freqüência dos sistemas de polinização em comunidades vegetais, em diferentes estágios de regeneração (sucessão) da floresta tropical úmida na Costa Rica. Valores são porcentagens. Na floresta não-perturbada está indicado se a freqüência do sistema de polinização é inferior (I), similar (S) ou maior (M) do que nos estágios de regene- ração. (Dados modificados de OPLER et al.1980).

Figura 5. Fragmentação na Floresta Atlântica e formação de paisagens em mosaico: rela- ções de polinização são potencialmente mais frágeis nas comunidades mais complexas da floresta, que também passam a sofrer maior pressão ecológica dos ambientes abertos.

Com a expansão das áreas abertas, espera-se o aumento das pressões de fora para dentro sobre o sistema mais complexo e frágil do interior da floresta (Figuras 4 - encarte colorido: Capítulo 2 e 5). As relações ecologicamente oportunistas e plásticas entre flores e polinizadores tendem a ser mais comuns na vegetação em regeneração (pioneira) das áreas abertas, exercendo efeitos indiretos sobre o sucesso reprodutivo também das plantas restritas e ilhadas nos fragmentos de floresta.

A dinâmica espacial natural e as trocas regionais de espécies são com- ponentes importantes na determinação da biodiversidade na paisagem (p.ex., HANSKI, 1999; HUBBELL, 2001). A heterogeneidade espacial não é um problema em si, ao contrário. Entretanto, o desmatamento cria rupturas porque amplia dramaticamente um tipo de hábitat em detrimen- to dos demais e promove trocas de maneira unidirecional, que levam ao aumento das pressões no sentido horário, no esquema da Figura 5.

Assim, trocas de espécies de polinizadores estão potencializadas entre porções de hábitat naturais em mosaico na planície costeira Atlântica (vá- rias formações vegetais na restinga, dunas e floresta) e exercem efeitos sobre diversidade local e sobre a paisagem regional. Ramalho & Silva (2002) trabalharam com a hipótese de que na restinga há grandes varia- ções espaciais na qualidade dos hábitats para as abelhas Centridini, especializadas na coleta de óleos florais: na restinga arbustiva arbórea há porções de hábitat com alta qualidade (grande oferta de óleos florais) e altíssima diversidade de Centridini (Figura 6); enquanto que ambientes vizinhos de dunas ou de floresta tendem a apresentar menor qualidade relativa. No modelo, exploram a idéia de dinâmicas de trocas locais entre os tipos de hábitats e prevêem quedas na diversidade nas dunas e na floresta quando isoladas das áreas de crescimento populacional e fontes de migrantes na restinga arbustivo-arbórea. As abelhas Centridini são particularmente importantes na polinização de uma vasta flora regional que produz óleos florais (ver revisão em MACHADO, 2004), especial- mente a família Mapighiaceae na planície costeira, e atuam como polinizadores chaves de enorme variedade de flores grandes e com morfologia especializada (como as flores de quilha de Fabaceae; p.ex., Figura 1- encarte colorido: Capítulo 2).

SILVA & RAMALHO também relacionaram a variação na diversidade de abelhas Centridini nesta paisagem (Figura 6) com alterações nos sistemas polinizadores (SILVA et al., 2000; RAMALHO et al. n.p.). Dois sistemas detalhados envolveram as flores especializadas de quilha de Centrosema. As duas espécies simpátricas têm flores muito similares, mas apresentam pecu- liaridades nos sistemas polinizadores e, principalmente, apresentam diferen- tes susceptibilidades à dinâmica espacial: com a redução na diversidade de Centridini em área restrita e isolada de duna, as flores C.brasilianum foram dominadas por visitantes roubadores de néctar. Este estudo sugere que ge- neralizações baseadas em síndromes florais, provavelmente, não oferecem instrumentação adequada para a gestão da paisagem. As relações precisam ser entendidas na sua funcionalidade e não apenas na sua estrutura.

Conclusão

A fragmentação tem dois componentes: redução em área e isolamento (HANSKI, 1999). No nível atual de desmatamento na Mata Atlântica, em que restam fragmentos extremamente dispersos de floresta na matriz antropizada, o isolamento tornou-se a principal variável. O isolamento coloca em cheque a gestão integrada da paisagem e, principalmente, as Figura 6. Modelo de dinâmica espacial na diversidade de polinizadores - abelhas Centridini - em hábitats heterogêneos na planície da Costa Atlântica. A qualidade dos hábitats varia com a oferta de flores de óleo para essas abelhas especializadas. R = riqueza em espécies; A = abundância (extraído de RAMALHO & SILVA, 2002). Nos três quadros, as duas colunas da esquerda representam a flora oleífera e as duas da direita as abelhas Centridini.

iniciativas concretas de restabelecimento da conectividade, para manter ou recuperar a integridade ecológica da paisagem em mosaico.

Os estudos da dinâmica natural de clareiras é uma das fontes de co- nhecimento ecológico para gestão da paisagem fragmentada pelo desmatamento extensivo, especialmente no restabelecimento da conectividade física e funcional das complexas comunidades das florestas tropicais. Até a década passada, muitos aspectos da dinâmica de clareiras já haviam sido estudados, mas nenhuma pesquisa de longo prazo havia sido realizada sobre o conjunto de processos que atuam na auto-regenera- ção da floresta em uma área (CONNELL, 1989). Na Mata Atlântica a velocidade de regeneração das comunidades de plantas lenhosas do dossel e sub-bosque depende muito do tipo de perturbação a que foram expostos os fragmentos (MARIANO-NETO & MANTOVANI, 2003). Sem diretri- zes ecológicas fundamentadas nas relações de interdependência nos siste- mas mutualistas (p.ex. Tabela 2), envolvendo plantas e animais (polinizadores e dispersores de sementes) é muito provável que mesmo grandes investimentos visando acelerar a conectividade física entre os frag- mentos de floresta na Mata Atlântica não produzam resultados melhores do que a regeneração natural e gratuita (p.ex., BRANDÃO et al., 2003).

Praticamente desconhecemos como a fragmentação afetou ou afeta a dinâmica das interações locais entre flores e polinizadores na Mata Atlânti- ca e, principalmente, a conectividade funcional. Também não há generali- zações com forte suporte empírico sobre os efeitos da compartimentagem espacial, isto é, das variações espaciais na organização dos sistemas polinizadores (p.ex., Tabela 8) sobre a dinâmica de trocas regionais de espé- cies e/ou propágulos. Nesses sistemas mutualistas, os efeitos das variações na distribuição e abundância de uma espécie ou grupo de espécies depen- dem dos tipos de interações locais (mais ou menos especializadas ou gene- ralizadas), que tendem a variar com o tipo e qualidade dos hábitats, de maneira circular. Nos hábitats em mosaico, fragmentados ou expostos a diferentes níveis de perturbação, houve alterações não apenas na composi- ção em espécies de plantas e polinizadores, mas, principalmente, de grupos funcionais (BATISTA et al., 2003; POREMBSKI et al., 1998; RAMALHO & SILVA, 2002; SAZIMA et al., 1999; TABARELLI et al., 1999; TONHASCA et al., 2003). Isto aponta para a necessidade de pesquisas

sobre a dinâmica espacial entre sistemas (Figura 5), isto é, que avaliem as influências entre comunidades ecológicas no mosaico de hábitats e sobre a dinâmica espacial de populações e metapopulações. Esse tipo de conheci- mento será fundamental para agregar valor às iniciativas públicas ou priva- das, visando restabelecer ou acelerar os processos auto-regenerativos e pro- mover a conectividade física e, principalmente, funcional na Mata Atlântica. Há vários pontos ecológicos de rupturas nos fragmentos ilhados de floresta, se considerarmos que vários polinizadores têm pouca habilida- de para permanecerem ativos nas bordas ou em áreas abertas, mantendo a conectividade funcional na paisagem. Em casos conhecidos de alta fidelidade à floresta, a conexão funcional deve ser efetiva apenas a pou- cas centenas de metros, mesmo se considerarmos os grandes polinizadores, como algumas abelhas Centridini e Euglossina (p.ex., BATISTA, 1999; BATISTA & OLIVEIRA,2004; MELO et al., 2003; RAMALHO & SILVA, 2002; TONHASCA et al., 2003). A habilidade de alguns beija-flores ou outros animais fazerem longas rotas de vôo (trapline; Tabela 2), não é uma garantia de fluxo de pólen (fluxo gênico) através da vegetação aberta entre fragmentos de floresta.

Em termos práticos, a perspectiva de manutenção da integridade funcional dos sistemas polinizadores na Mata Atlântica depende do grau de integração do manejo ao monitoramento ecológico. O monitoramento ecológico é um instrumento de alto valor agregado, integrando pesquisas de curta e longa duração às medidas imediatas (manejo), reparadoras da perda de conectividade funcional entre fragmentos e/ou mitigadoras da queda na qualidade local dos serviços prestados pelos polinizadores.

Segundo a teoria de biogeografia de ilhas, a redução em área tem como conseqüência inevitável a perda dramática de espécies pela redução na dis- ponibilidade ou desaparecimento completo de hábitats. Na Mata Atlântica, a expectativa está justamente em ampliar a área efetiva de distribuição das espécies através do restabelecimento da conectividade populacional, princi- palmente. Em muitos casos será necessário criar, fisicamente, corredores ecológicos ou investir no manejo para aumentar a sua permeabilidade ao fluxo gênico nas populações de plantas, polinizadores e dispersores.

A alta diversidade de espécies vegetais e animais da Mata Atlântica e de abelhas em particular, ao mesmo tempo em que representa uma excepcional

riqueza de patrimônio genético, constitui sistemas de interações complexas e, teoricamente, mais frágeis (Figura 5). A perda de espécies mutualistas tende a desencadear efeitos em cascata, desestabilizando mecanismos de retro-alimentação que regulam a biodiversidade. De modo análogo, o desa- parecimento de pequenas áreas isoladas (fragmentos) em amplos setores dos corredores ecológicos, mesmo com pequenas dimensões, tende a levar inú- meras populações isoladas para níveis abaixo da viabilidade. Quando na pai- sagem em mosaico, as populações se comportam como “metapopulações”, isto é, a migração passa a ser uma variável chave (p.ex., HANSKI, 1999), a preservação ou perda de pequenos fragmentos de hábitat pode significar a diferença entre sobrevivência ou extinção.

Neste cenário, a gestão de corredores ecológicos representa um enor- me desafio de gerenciamento da paisagem e ao mesmo tempo um teste decisivo sobre a capacidade de articulação e ação coordenada da socieda- de. Quando se trata da Mata Atlântica o lugar comum é inevitável: sere- mos capazes de conciliar o desenvolvimento sustentável com a sustentabilidade ecológica? Ou vamos continuar tratando a natureza e suas relações ecológicas como meras engrenagens numa obra de engenharia?

O Projeto “Corredores Ecológicos” no âmbito do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras é uma das iniciativas de conservação em escala geográfica sem precedentes (MMA, 2000). Numa ampla faixa entre o Espírito Santo e baixo sul da Bahia, vem sendo implementado o Corredor Central da Mata Atlântica. Além deste, está prevista a implantação de outro corredor entre Paraná e norte do Rio de Janeiro (Corredor da Serra do Mar). Corredores envolvem grandes e pe- quenos fragmentos de floresta, vários tipos de Unidades de Conservação (Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Reservas Biológicas, etc.), gran- des cidades, e extensas áreas privadas. A proposta fundamental é criar mecanismos para a gestão integrada da paisagem, contemplando os seus múltiplos interesses e vocações, centrados em políticas públicas que asse- gurem a preservação da Mata Atlântica e de sua biodiversidade. Em últi- ma instância, o que se pretende é a preservação de um dos maiores patri- mônios naturais e, principalmente, que a floresta continue sendo capaz de prestar serviços fundamentais para as atividades humanas: regulação do ciclo hidrológico e manutenção de reservas de água potável, estabilização

do solo e contenção da erosão, fixação do carbono e refreamento do efei- to estufa em potencial, armazenamento de recursos genéticos ainda inco- mensuráveis. A floresta também é essencial para preservação de polinizadores das culturas agrícolas (KEVAN & IMPERATRIZ-FON- SECA, 2002), de modo que o manejo de polinizadores nativos terá forte impacto sobre a economia agrícola do século XXI.

No momento, ações para promover a conectividade nos corredores ecológicos da Mata Atlântica encontram apoio em premissas e modelos teóricos (p.x., HANSKI, 1999; HUBBELL, 2001), em padrões de diver- sidade e endemismos (MMA, 2000) e em raros modelos empíricos gene- ralizados (por exemplo, LANDAU et al., 2003), mais do que em conheci- mentos extensivos sobre as interações ecológicas e, mais especificamente, sobre tendências de mudanças temporais e espaciais nos sistemas de polinização e no sucesso reprodutivo da flora associada.

O estado de conhecimento sobre a polinização na Mata Atlântica (p.ex., Tabela 2) revela, por um lado, a existência de poucos grupos de pesquisa consolidados e ativos na região, com trabalhos teóricos de alto- nível. Isto indica que ainda se faz necessário maior apoio à integração de grupos de pesquisa consolidados e em consolidação, principalmente atra- vés da descentralização dos investimentos em pesquisa.

Nas florestas tropicais, a dinâmica de processos auto-regenerativos depende, particularmente, de relações mutualistas entre plantas e ani- mais (p.ex, OPLER et al., 1980). Estudos integrados geram informações valiosas sobre os sistemas polinizadores e sistemas reprodutivos das es- pécies vegetais nas comunidades ecológicas (KRESS & BEACH, 1994), mas são exceções porque exigem décadas de pesquisa, dependem da integração de grupos de pesquisadores com competências complemen- tares e do apoio financeiro prolongado e contínuo.

A expectativa é que os órgãos nacionais e internacionais de apoio à pes- quisa, extensão e conservação multipliquem esforços no sentido de viabilizar estudos ecológicos integrados e de longa duração sobre as comunidades e ecossistemas regionais, que contemplem a problemática da conectividade físi- ca e funcional entre os fragmentos remanescentes de floresta Atlântica.

Notas

1 espécies que coexistem e florescem ao mesmo tempo.

Referências

ARCHIBOLD, O.W. (1995). Ecology of world vegetation. Londres. Chapman & Hall.

ASHMAN, T.L.; SCHOEN, D.J. (1996). Floral longevity: fitness consequences and resource costs. In: Floral Biology. Studies on Floral Evolution in Animal-Pollinated Plants. LLOYD, D.G. & BARRETT, S.C.H. (eds.). Chapman & Hall, New York. Pp. 112-139.

BARRETT, S.C.H.; HARDER, L.D.; WORLEY, A.C. (1997). The comparative biology of pollination and mating in flowering plants. In: Plant life histories. Ecology, phylogeny and evolution. SILVERTOWN, J.; FRANCO, M. & HARPER, J.L. (eds.) Cambridge, Cambridge Univesity Press. p 57-76. BATISTA, M. A. (1999). Efeitos de borda sobre populações naturais de Euglossini nas florestas de terra firme da Amazônia Central. In: Ecologia da Floresta Amazônica - Curso de Campo. E. VENTICINQUE & M. HOPKINS (eds,). PDBFF - INPA e Smithsonian Institution. p.171-175. BATISTA, M.A. (2002). Abelhas na Mata Atlântica: um patrimônio ameaçado! INFOAPAS Bahia. Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia. Centro de Recursos Ambientais- CRA Centro de Recursos Ambientais, 1(3):7. Salvador, Bahia.

BATISTA, M.A. (2003a). Distribuição e dinâmica espacial de abelhas sociais Meliponini em um remanescente de Mata Atlântica (Salva- dor, Bahia, Brasil). Dissertação (Mestrado em Ciências). FFCLRP-USP. São Paulo. 159p.

BATISTA, M.A. (2003b). Abelhas sociais na Mata Atlântica e a popu-

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