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Endemismo e riscos de extinção da fauna

No documento Mata Atlântica e Biodiversidade (páginas 68-74)

Um dos bolsões mais importantes de endemismos de toda a Mata Atlân- tica fica na região sul da Bahia, onde predomina a cultura do cacau (Theobroma

cacao). BATISTA (2003a) apresenta uma breve revisão histórica desta cul- tura implantada com sucesso num enclave de Mata Atlântica no sul da Bahia, entre o rio de Contas (norte) e o rio Jequitinhonha (sul), numa faixa litorânea de 300 quilômetros de extensão por 100 km de largura. Tradicio- nalmente conhecido como “agro-ecossistema de cacau-cabruca” (planta- ções de cacau, com sombreamento de árvores nativas), esse cultivo aca- bou sendo um dos responsáveis pela manutenção de grandes remanescentes de floresta na região. Estes remanescentes ainda oferecem hábitats a primatas ameaçados de extinção, como o mico-leão-de-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas), macaco-prego-de-peito-amarelo (Cebus apella xantosthernos), macaco-prego (Cebus apella robustus), sagüi (Callithrix kuhli), sagüi-de-cara-branca (Callithrix geoffreyi) e mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), além de muitas outras espécies de animais e plantas. A partir de 1990, com o alastramento da vassoura-de-bruxa, praga devastadora provocada pelo fungo Crinipellis perniciosa, e com a queda do preço do ca- cau no mercado internacional, quase um terço dos 600.000 hectares culti- vados com cacau foram desmatados (ALGER & CALDAS, 1996, CI, 2000, CIB, 2000, FONSECA et al., 1984 apud BATISTA, 2003a).

Apesar da acentuada devastação, a Mata Atlântica está entre as cin- co regiões que apresentam os maiores índices de endemismo de plantas vasculares e vertebrados (excluindo Peixes) (MYERS et al., 2000; MMA, 2000) (Tabelas 3 e 4). Como conseqüência a proporção de espécies ameaçadas de extinção também é muito elevada.

Tabela 4- Diversidade, Endemismos e Espécies Ameaçadas por grupos de seres vivos, na Mata Atlântica (reproduzido com modificações de MMA, 2000).

Muitas espécies serão ou já foram extintas antes mesmo de serem conhecidas. Isto fica bem ilustrado pelos mamíferos, um dos grupos mais bem conhecidos pela ciência. Apesar desse status, novas espécies ainda são registradas em inventários muito recentes na Mata Atlântica, como é o caso do Leontopithecus caissara (mico-leão-de-cara-preta) no Paraná.

Em algumas áreas de floresta estacional semidecídua como o Parque Estadual do Morro do Diabo, em São Paulo, estão registradas espécies endêmicas e ameaçadas como a onça-pintada (Panthera onca), anta (Tapirus terrestris), mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), queixada (Tayassu pecari) e cateto (Pecari tajacu) (MMA, 2000).

Em levantamentos extensivos no sul da Bahia, Moura (2003) amostrou 22 espécies de pequenos mamíferos destas 8 espécies endêmicas da Mata Atlântica, e 44 espécies de mamíferos de médio e grande porte. Dentre estes, os primatas destacam-se com 9 espécies, entre as quais Leontopithecus chrysomelas, Cebus xanthosternos e Callithrix kuhli são espécies endêmicas do sul da Bahia (FONSECA et al., 1994, OLIVER & SANTOS, 1991, PIN- TO, 1994 apud MOURA, 2003). As espécies Callicebus melanochir (guigó), Leontopithecus chrysomelas (mico-leão-da-cara-dourada), Cebus xanthosternos (macaco-prego-dopeito-amarelo) e Alouatta guariba (barbado) estão ameaçadas de extinção. Brachyteles hypoxanthus é uma espécie altamente ameaçada e endêmica de Mata Atlântica, praticamente extinta no sul da Bahia, onde outrora teria sido abundante. Com registros bem antigos na região, sua área de distribuição original estendia-se da Bahia até São Paulo, incluindo os estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e algumas populações ao norte do Paraná (FONSECA et al., 1994 apud MOURA, 2003). Possivelmente esta extinção seja decorrência da somatória de fatores, como caça e desmatamento (MOURA, op. cit.).

De acordo com Vivo (1997 apud MOURA 2003), a Mata Atlântica apresenta quatro regiões mastofaunísticas distintas com relação à com- posição e nível de endemismo. Dentre elas estão a região correspondente ao “sudeste da Bahia” (incluindo o norte do ES) e “Rio de Janeiro” (que se inicia no norte do Espírito Santo). Nesta ampla região, o autor reco- nhece elementos endêmicos comuns como Bradypus torquatus, Brachyteles hypoxanthus, Blarinomys breviceps, dentre outros. Por outro lado, admite que dadas as relações de parentesco na fauna de mamíferos, uma parte da

floresta do nordeste parece mais similar à Amazônia do que ao restante da própria Floresta Atlântica. Este fenômeno tem sido investigado e cor- roborado também para a comunidade de pequenos mamíferos (COSTA, 2003 apud MOURA 2003).

Os morcegos são os mamíferos tropicais mais diversos, mas devido a seus hábitos noturnos, ou crepusculares, são animais pouco conhecidos (EMMONS & FEER, 1990). Na Mata Atlântica foram registradas 76 es- pécies no Sudeste e Sul do Brasil, distribuídas em 42 gêneros e 8 famílias. Destas, quatro espécies são endêmicas deste bioma: dois filostomídios, Chiroderma doriae, Lonchophylla bokermann; e dois vespertilionídeos, Lasiurus ebenus e Lasiurus egregius (MARINHO-FILHO, 1996).

A Mata Atlântica apresenta uma das mais elevadas riquezas e nível de endemismo de aves do planeta (Tabela 4). Pesquisas realizadas por Lima e colaboradores na APA do Pratigi no Baixo Sul da Bahia destacam a presença de cerca de 250 espécies de aves, entre as quais, diversas espécies endêmicas, raras e ou ameaçadas de extinção a exemplo do bei- ja-flor-do-rabo-branco (Phaethornis margarettae), beija-flor-de-fronte-vio- leta (Thalurania glaucopis), limpa-folha-coroado (Philydor atricapillus) e mutum-do-nordeste (Crax blumenbachii) (LIMA, 2004; LIMA et al., 2001). No PARNA do Descobrimento, um dos últimos grandes remanescentes florestais de tabuleiros do extremo-sul da Bahia, Cordeiro (2003a) regis- trou 253 espécies de aves das quais 47 endêmicas. Segundo o autor, 13 constam da lista oficial de espécies em extinção do IBAMA e 18 em alguma categoria de ameaça definida pela IUCN. Sete estão na categoria “vulnerável” e duas espécies estão “Criticamente Ameaçadas”: Crax blumenbachii (mutum-do-nordeste) e Glaucis dohrniii (balança-rabo-cane- la). Merecem ainda destaque no sul da Bahia, Acrobatornis fonsecai, espé- cie recém-descrita de um novo gênero e os endemismos de Ramphocelus bresilius (tiê-sangue), Xipholena atropupurea (anambé-de-asa-branca ou escarradeira), Cotinga maculata (crejoá), todas ameaçadas de extinção.

Numa análise da distribuição espacial da riqueza de aves no sul da Bahia, Cordeiro (2003b) indica a existência de uma área de alta riqueza envolvendo os remanescentes associados à Reserva Biológica de Una. A segunda área de alta riqueza se concentra no extremo sul da Bahia. Os fragmentos associados aos grandes blocos já legalmente protegidos, no

Parque Nacional do Descobrimento, Parque Nacional do Pau Brasil, Par- que Nacional do Monte Pascoal (nas proximidades de Porto Seguro) abri- gam quase todas as espécies registradas para a região, incluindo as espé- cies endêmicas e ameaçadas. Ainda segundo este autor, o mapeamento das espécies endêmicas indica um padrão de distribuição relacionado à riqueza total. A alta importância de áreas ao sul do Rio Jequitinhonha, com florestas de tabuleiros costeiros (no extremo sul da Bahia), é refor- çada por esse estudo. Percebe-se ainda um gradiente no nível de endemismo do sul para o norte. Isso pode ser reflexo da influência de elementos associados à Mata Atlântica do sudeste que apresentam limi- tes de distribuição na porção sul da região estudada. Entre as novas es- pécies de aves recentemente descritas pode-se destacar: Philydor novaesi (limpa-folha-do-nordeste) e Myrmotherula snouvi (choquinha-de-alagoas), registradas em remanescentes florestados em Alagoas (MMA, 2000).

Com relação aos répteis, a Mata Atlântica contém várias espécies endêmicas, como Hydromedusa maximiliani (cágado) e Caiman latirostris (jacaré-do-papo-amarelo), além daquelas ameaçadas pela ocupação antrópica, como a Liolaemus lutzae (lagartixa-da-areia) e a subespécie da serpente surucucu (Lachesis muta rhombeata) (MMA, 2000).

A Mata Atlântica concentra 370 espécies de anfíbios, destas 90 são endêmicas. Com relação aos anuros (sapos, rãs e pererecas), um dos micro- hábitats bastante utilizados por este grupo são as bromélias, especial- mente espécies epífitas, algumas das quais acumulam quantidades ex- pressivas de água em seu interior formando um reservatório (Figura 3, encarte colorido: Capítulo 1). Estes reservatórios servem de moradia, reprodução e alimentação para inúmeras espécies (MMA, 2000; SILVANO & PIMENTA, 2003).

Segundo Menezes (1996), os ecossistemas aquáticos da Mata Atlân- tica possuem fauna de peixes variada, associada de forma íntima à flo- resta que lhe proporciona alimentação e proteção. A fauna de peixes da Mata Atlântica, estrutura-se primariamente em função dos limites físi- cos das bacias hidrográficas. As características geo-climáticas assumem um papel secundário na composição da ictiofauna, mas a conservação da floresta é essencial para a sua preservação (BUCKUP, 1996). O traço mais marcante desta ictiofauna é seu grau de endemismo, resultante do

processo de evolução histórica das espécies em uma região que se man- teve geomorfologicamente isolada das demais bacias hidrográficas brasi- leiras (MENEZES, 1996). Segundo Buckup (1996), a partir da reinterpretarão dos dados de Bizerril (1994), a ictiofauna da Mata Atlân- tica apresenta cerca de 70% de espécies endêmicas. Atribui essa condi- ção à grande concentração de bacias hidrográficas independentes, devi- do ao efeito isolador das cadeias montanhosas que separam os diversos vales. As características topográficas e fisionômicas proporcionam uma ampla gama de ambientes, que favorecem a ocorrência de um grande número de espécies adaptadas a subconjuntos particulares de condições ecológicas, o que também eleva o nível de endemismo. Além disto, a dominância de cursos d’água relativamente pequenos favorece a ocor- rência de espécies de pequeno porte, com limitado potencial de disper- são espacial. Tais espécies são mais susceptíveis à especiação, visto que suas populações localizadas podem divergir geneticamente das demais com maior rapidez. Esta fauna também abriga espécies relativamente raras, tais como aquelas do gênero Rachoviscus (Characidae), restritas às águas ácidas e escuras de riachos da Floresta Atlântica e espécies de Cynolebias (Rivulidae) encontradas apenas em lagoas temporárias das re- giões litorâneas do sudeste brasileiro (COSTA et al., 1988 e MENEZES et al., 1990 apud SABINO, 1996). Vale destacar ainda que para maioria dos rios e riachos, sobretudo nas áreas de cabeceiras, onde tende a ocor- rer elevado grau de endemismo, o conhecimento é ainda incipiente (BUCKUP, 1996; MENEZES, 1996; MMA, 2000 SABINO, 1996).

Além de ainda pouco conhecida, a ictiofauna está seriamente ameaçada de extinção a curto e médio prazos em decorrência da perda de hábitats, devido à remoção das matas ciliares que afetam os micro- hábitats e micro climas e também a oferta de alimentos. A introdução e criação de espécies exóticas a exemplo da piscicultura com tilápias (Tilapia rendalli, Oreochromis niloticus), tucunaré (Cichla), e tambaquis (Collossoma macropomus), o represamento de rios e riachos e a coleta indiscriminada para criação em aquários (a exemplo dos pequenos e coloridos Rivulidae), em conjunto exerce forte pressão sobre incontáveis espécies endêmicas de peixes da Mata Atlântica (BUCKUP, 1996; MENEZES, 1996; MMA, 2000; MOYER et al., 2002; SABINO, 1996; VERA & PETRERE, 1996).

No documento Mata Atlântica e Biodiversidade (páginas 68-74)