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6 “O Interdicto é uma das tres censuras Ecclesiasticas: por ellas se prohibe activa, e passivamente alguns Sacramentos, e de todos os Offícios Divinos e da Ecclesiastica sepultura. Por esta censura significa a Igreja Catholica grande sentimento, quando seus filhos, em materias graves, e de escandalo se lhe mostrão desobedientes, rebeldes, e contumazes.” Título LVIX – artigo 1235 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, p.407.

Conhecida como a mais importante dentre as cidades do ciclo do ouro, devido ao patrimônio cultural de que dispõe, Ouro Preto resultou das grandes penetrações dos paulistas (BANDEIRA, 1989, p. 20) e do agrupamento de diversos arraiais surgidos a partir das notícias que correram em São Paulo e no Império Português sobre a presença de ouro em Minas Gerais, levando “um enorme contingente de pessoas a partir para as regiões desabitadas e de difícil acesso” (MARTONI, 2008, p. 5). Sobre o processo de povoamento da cidade, Manuel Bandeira (1989), em sua obra intitulada Guia de Ouro Preto, apresenta a seguinte passagem:

Quando em 1704, Pascoal Guimarães, mascate português enriquecido no Rio das Velhas, meteu-se de posse das catas abandonadas pelos Camargos, iniciou a mineração pelo processo de desbancar o terreno por levadas de água. Sucedeu que no flanco da serra por onde hoje passa o caminho das Lages, deu com um veio riquíssimo. Ali o metal era como terra... Ouro Podre! Esse ouro excelente e tão fácil de colher foi que verdadeiramente fundou a futura Vila Rica, povoando-a de forasteiros ávidos. O movimento foi tão rápido e tão intenso que, sete anos depois, em 1711, os primitivos arraiais de catadores eram erigidos em vila – a Vila Rica de Albuquerque, do nome do mestre de campo General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, capitão-general da nova capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Logo depois esse nome era encurtado para Vila Rica, por haver D. João V desaprovado a denominação dada à sua revelia. (BANDEIRA, 1989, p. 22).

O povoamento começou a ser realizado por Antônio Dias, um bandeirante paulista, e pelo Padre João de Faria Fialho, que o acompanhava em 1698. “Seu primeiro cuidado foi construir capelas que marcavam o centro de nascentes arraiais” (MENEZES, 1975, p. 13). Segundo Lange (1981), por observarem “os descobridores que o antigo Rio Passa-Dez, hoje Funil, trazia sedimentos auríferos, iam subindo pelas encostas em direção ao lugar onde se estabeleceu o Bairro de Ouro Preto” (LANGE, 1981, p. 17). O arraial se demarcou “desde os altos de São João do Ouro Fino e Sant’Ana, entre São Sebastião, a Piedade, e o Pilar do Ouro Podre, hoje Taquaral, para escorrer pela abrupta e extensa encosta da Encardideira” (SANTOS, 2009, p. 1). Dali, descia até a praia do córrego do Sobreira, ao pé de uma pequena ondulação, onde se instalaria a capela de Nossa Senhora da Conceição, mais tarde a Matriz do Antônio Dias.

Existe notícia de envio de clérigos a Ouro Preto nos primeiros anos do Setecentos, assim como da realização de batizados. Em “1705, o Bispo do Rio de Janeiro D. Francisco de S. Jerônimo enviou como vigários para Ouro Preto os Padres João de Faria Fialho e Manoel de Castro” (MENEZES, 1975, p. 13). Ainda de acordo com o mesmo autor, o Vigário Marcelo Pinto Ribeiro registrou no livro de Batizados: “em seis de julho de 1709, batizou de licença minha nesta Matriz de N.Sa. da Conceição de Antônio Dias o R. Pe. Antônio de Souza Pereira

ao inocente João, filho de João Fereira Vivas, e de Joana Tereza” (MENEZES, 1975, p. 14). O autor acrescenta que, embora o primeiro registro considerado seja de 1712, provavelmente a freguesia já existia em 1709, já que os batismos eram realizados somente nas matrizes.

Um dos primeiros portugueses a se instalarem na região e a se enriquecerem por intermédio da extração aurífera foi Pascoal da Silva Guimarães, que batizara o local situado entre a Encardideira e o cume da Serra de Ouro Preto com o seu nome: Morro do Pascoal (SANTOS, 2009, p.1). Sobre o sítio, relata esse autor que “formigava de gente”, entre vendas, contrabando, arruaças, disputas e crimes. E foi na Encardideira que o governo de Antonio de Albuquerque, que durou de 1710 a 1713, transformou uma das casas no seu paço de governo, de que resta na atualidade apenas um conjunto de ruínas próximas à Matriz de Antônio Dias, chamado Palácio Velho.

Quando se criaram oficialmente as freguesias, a Matriz de Antônio Dias ficou sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, e a Matriz de Ouro Preto tomou por orago Nossa Senhora do Pilar.

O termo freguesia é de origem latina, derivando-se de filii ecclesiae, significando, portanto, “filhos da igreja” (AZZI, 2004, p. 78). Para Trindade (1945, p.5), freguesia é sinônimo de paróquia. Ele assinala que a criação das primeiras igrejas paroquiais da cristandade data do século IV. O vocábulo parochia, de acordo com esse autor, deriva “do grego parà, junto da, oichia, casa: conjunto de casas vizinhas” (TRINDADE, 1945, p. 5). Nesse sentido, Bluteau (1728) salienta que, antigamente, havia o costume de,

[...] nas casas em que se hospedava Embayxador, ou Enviado Romano, lhe havião dar de graça quanta lenha podesse queimar, & e quanto sal podesse comer ele,& a sua gente. Então não amassavão o pão com sal, como agora, pelo que salgavão cada bocado de paão, que comião, como as talhadas de carne, especialmente, que o sal não era simples, senão composto como cá sal, &pimenta. O que tinha cuydado de dar aos Ministros Romanos, a lenha, & o sal, se chamava Parochus que, (como já dissemos) vai o mesmo que Repartidor. (BLUTEAU, 1728, p. 281).

E em seguida o autor ressalta o sentido de Parochia incorporado pela Igreja, acrescentando que

[...] à imitação disso chamamos a Igreja de uma colação parochia, & ao que ministra os Sacramentos Parocho,& Parochus, porque não há de levar dinheyro por eles. Pela lenha entenderemos a matéria dos Sacramentos, & pelo sal, a graça, que sempre acompanha aos Sacramentos, dão se eles a homens Romanos, que caminhaõ nesta vida, debayxo da obediencia do Romano Pontifice. (BLUTEAU, 1728, p. 281).

Pela definição de Bluteau, o termo Parocho ou Parochus significava Repartidor. Com esta metáfora, Bluteau apresenta o sentido de freguesia, uma paróquia, dirigida por um pároco, um repartidor que tinha como centro, a igreja matriz, rodeada pelos fiéis e que devia obediência ao Romano Pontífice, representado pelo Pároco, aquele que lhes distribuía as graças espirituais, por meio dos sacramentos. Trindade (1945) aponta que não era fácil para a cristandade crescer sem buscar os socorros espirituais nas sedes episcopais e que, por isso, foi necessária a instituição das freguesias rurais e, mais tarde, a subdivisão das cidades episcopais em paróquias urbanas. Desde então, competiu aos “bispos, únicos juízes das necessidades espirituais de seus diocesanos, o direito da criação, divisão e subdivisão de paróquias” (TRINDADE, 1945, p. 5).

Contudo, a Freguesia de Antônio Dias, de Ouro Preto, foi criada por alvará régio em 16 de fevereiro de 1724, e, de acordo com a divisão eclesiástica7 do território da vila, a freguesia passou a abarcar em sua jurisdição os distritos do Alto da Cruz, Antônio Dias, Morro e Padre Faria-Água Limpa e Taquaral (PRECIOSO, 2014, p.17).

A criação da freguesia de Antônio Dias se deu juntamente com mais outras dezoito apontadas pelo Conde de Assumar e pelo bispo do Rio de Janeiro, Dom Pedro de Almeida. Elas foram alçadas à qualidade de “paróquias coladas” como medida que visava a “regular o clero mineiro e dirimir os problemas causados pelo abuso de poder por parte de muitos sacerdotes” (DIAS, 2010, p. 168). Assim, a criação de paróquias e padres colados era uma estratégia que visava a “aumentar o controle sobre os eclesiásticos, bem como da própria população” (DIAS, 2010, p. 169), configurando, assim uma demarcação simbólica de território.

As duas freguesias de Ouro Preto eram delimitadas pelo Morro de Santa Quitéria. De acordo com Oliveira (2012), a Freguesia de Antônio Dias foi ocupada pelos paulistas, e a Freguesia do Pilar, pelos portugueses. Nesses espaços, as irmandades desempenharam um importante papel quanto à organização do espaço e à coesão entre os segmentos sociais (OLIVEIRA, 2010, p. 24). Seus associados tinham como premissas a ajuda mútua e a participação nos ofícios religiosos, buscando “encontrar um ponto de apoio, um local de conforto diante da insegurança e da instabilidade de sua vida” (BOSCHI, 1986, p. 22). Com isso, as capelas tornavam-se o centro da vida social da freguesia.

7 Precioso (2014) assinala que ao longo do século XVIII, a população de Vila Rica A encontrava-se distribuída em seis distritos: Antônio Dias, Ouro Preto, Alto da Cruz, Cabeças, Morro, Padre Faria-Água Limpa e Taquaral. Essa divisão distrital pode ser também encontrada em MATHIAS, Herculano Gomes Um Recenseamento na Capitania

Ao relatar a sociabilidade confrarial entre negros e mulatos no século XVIII, Aguiar (1999) pontua que havia 15 associações leigas abrigadas na Freguesia de Antônio Dias, elencadas no quadro abaixo:

Quadro 1 – Confrarias da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias no século XVIII

Confraria Composição Criação

Santíssimo Sacramento Brancos 1715

N. Sra. da Conceição Brancos 1717

N. Sra. Do Rosário Pretos 1717

N. Sra da Boa Morte Mulatos 1721

Santa Quitéria Portugueses 1720

São Miguel e Almas Brancos 1725

N. Sra Rosário Brancos 1733

Sta Casa de Misericórdia Brancos 1735

São Gonçalo Garcia Mulatos 1738

São Sebastião ? 1738

N. Sra. Guadalupe Integrada 1740

N. Sra Mercês e Perdões Crioulos 1743

São Francisco de Assis Brancos 1745

N. Sra das Dores Brancos 1768

Santo Antonio ? 1786

Fonte: Aguiar, 1999, p. 22.

Contudo, a Freguesia de Antônio Dias perdia para a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar “no número de igrejas e capelas eretas e nas preferências para que as festividades religiosas se realizassem na Matriz de Nossa Senhora do Pilar” (LANGE, 1981, p. 10).

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