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2.6. ASSOCIAÇÕES LEIGAS DA FREGUESIA DE ANTÔNIO DIAS

2.6.3 IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS PRETOS DO ALTO DA CRUZ

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Alto da Cruz ocupou por anos o altar lateral da Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Não há consenso sobre a data de sua origem. De acordo com Menezes (1975, p. 106-107), supõe-se que a irmandade foi instituída

na década de 1710, pois o seu “compromisso velho”, apodrecido, já estaria destruído desde o final dessa mesma década, conforme o testemunho dos irmãos em 1733. Por outro lado, também é assinalado que a data que marca sua ereção está associada ao documento emitido pelo Bispo do Rio de Janeiro em 28 de novembro de 1733. Lange (1981, p.149) igualmente cita tal provisão que confirma a organização religiosa dos leigos, emitida por Dom Francisco de São Jerônimo, ressaltando que a Irmandade esteve abrigada na Matriz de Nossa Senhora da Conceição até o momento em que a obra de construção da capela de Santa Efigênia do Alto da Cruz desse condições de receber a Irmandade.

Com a capela em construção, quando reivindicaram o novo compromisso em 1733, os dirigentes da Irmandade fizeram constar que a capela estava sendo

feita a expensas da devocao e Fiéis, sem que para sua fatura, ornatos ou guizamento concorresse em tempo algum o Pároco desta Freguesia e estes costumam só desfrutá-las, querendo se lhe pague fábricas sem acompanharem os Irmãos e ainda sepulturas, sendo eles enterrados nesta própria Capela, sem mais zelo e caridade, que o da sua ambição por não ser ela filial em razão de não ter concorrido a mais com coisa alguma, se não pagará nada ao dito Pároco ou fábrica e será só sujeita no temporal aos Doutores carregadores e no Espiritual ao Exmo. e Revmo. Bispo e ao seu Pe.Capelão, etc. (MENEZES, 1975, p. 107).

A justificativa, segundo o autor, é que a experiência mostrava continuadas desordens cometidas pelos vigários, que promoveriam tudo a benefício do seu interesse. O compromisso8 também esclarece que a Irmandade não faz distinção entre pretos e brancos. A esse respeito, Aguiar (1993, p. 83-99) ressalta que as disputas relacionadas à atração do maior número de irmãos9 na busca pela legitimidade de participação no espaço público parecem ter favorecido a admissão

8 Disponível no Museu Casa dos Contos - Microfilme : Rolo 058 Volumes 123 e 124.

9 LUNA & COSTA (1978) estudando a estrutura populacional de Vila Rica segundo profissões e atividades produtivas e a repartição dos habitantes por setores produtivos segundo atividades, sexo e situação social, em 1804, ressaltam que “[n]o Alto da Cruz residiam 11,87% dos habitantes ouro-pretenses. Contava com setor terciário mais desenvolvido do que os dois precedentemente analisados; o secundário apresentava-se mais diversificado embora não se aproximasse da riqueza qualitativa e dos números relativos mais significantes encontrados no Ouro Preto e em Antônio Dias. Os faiscadores e mineradores representavam 29,35% das pessoas vinculadas ao secundário. “O distrito do Padre Faria, com apenas 6,98% da população total, contribuía com a mais significativa parcela de roceiros, hortelãos e lavradores: 53,85% do total. No secundário predominavam faiscadores e mineiros -- mais da metade (53,77%) dos moradores do Padre Faria, enquadrados no secundário, exerciam estas atividades. No distrito do Morro, no qual estava 14,56% da população ouro-pretana, dominavam os faiscadores (em maior número do que nos demais distritos) seguidos pelos mineradores. Este distrito -- vis-à-vis os demais, tomados isoladamente -- apresentava o maior número de pessoas relacionadas às duas atividades aludidas. Com respeito ao total de mineiros e faiscadores, representava a quantidade encontrada no Morro, 36,40%. Com respeito aos indivíduos deste distrito, enquadrados no secundário, o percentual sobe a 79,80%” . (LUNA & COSTA, 1978, p. 12)

de qualquer devoto, independentemente da cor, da procedência, do gênero ou da condição10 (escravo, forro ou livre); contudo, determinadas funções da mesa administrativa eram reservadas aos pretos, como as de juiz ou juíza, de rei ou rainha e de procurador (ANDRADE, 2016, p.423). O livro de entrada dos Irmãos, que se encontra em poder da Paróquia de Santa Efigênia, tem, na primeira parte, os registros de ingresso dos homens e, na segunda parte, os registros das mulheres. Registra também os cargos exercidos pelos irmãos e a joia oferecida ao santo de sua devoção quando assumiam tais cargos.

Ao refletir sobre a formação das irmandades do Rosário em Vila Rica, Andrade (2016, p. 419) pontua que tudo indica que a Irmandade do Rosário de Antônio Dias foi a maior confraria do Rosário da capitania das Minas, considerando-se “o número de irmãos e a receita auferida”, e afirma que a sua relação com o pároco e outros agrupamentos se dava de forma conflituosa. Além disso,

[...] consta ter havido um conflito interno, que dera origem a associação do Rosário dos Brancos, abrigada na capela vizinha do arraial do Padre Faria. Na segunda metade do século XVIII, veio à tona a rivalidade entre os pretos do Rosário do Alto da Cruz e os crioulos, pardos ou mulatos das Mercês dos Perdões, vinculada, numa amplitude política, à representação pública negra. (ANDRADE, 2016, p. 419).

A exemplo das outras irmandades do Rosário, formadas por cativos e libertos e pretos de origem africana, a dos pretos do Alto da Cruz integrou outras devoções religiosas à sua administração, como a de São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio de Catalagerona, Santo Antônio do Noto, Santo Elesbão e, no final do século XVIII, Santa Rita(SALLES, 1963, p. 45; ANDRADE, 2016, p. 413). Quem visita atualmente a igreja de Santa Efigênia pode observar a presença dessas devoções em seus altares laterais.

10 Em Salles (1963, p. 118-119) há uma reflexão sobre a importância de participar de uma das confrarias de Vila Rica no século XVIII: “Além dos afazeres profissionais, toda a população tinha nas cerimônias do culto sua ocupação predileta. A religião era divertimento, através das grandes festividades que se multiplicavam o ano todo, graças às irmandades; a religião era também convívio, nas palestras pelos adros das capelas antes e depois da cerimônia; a religião estava ainda ligada à morte, ao nascimento e ao casamento. Os atos religiosos não se resumiam apenas àqueles dos domingos e dias santificados”. Acrescenta que as confrarias, arquiconfrarias e ordens terceiras “a) foram os organismos de classe típicos do século XVIII; b) a contribuição que nos deram foi altamente positiva no sentido social; chegaram mesmo a influir na formação de uma disciplina coletiva, isto é, na observância de regras impostas pelos interesses do grupo ao individual; c) proporcionaram às camadas humildes e pobres do tempo um meio de luta, revelando a esses grupos a possibilidade jurídica dessa luta e a relatividade desse jurídico, isto é, relatividade da justiça e sua feição temporal; d) não havendo um sistema educacional, as irmandades educaram – pelo convívio disciplinado, no próprio organismo, pelos sermões e pelo contato direto com os padres – grande número de trabalhadores e escravos”.

2.6.3.1 Igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz

Quando a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz tratou da decisão de construir a própria capela11, algumas variáveis estavam em jogo, como, por exemplo, buscar os lugares do trânsito das pessoas e dos negócios mercantis, pois

a localização territorial afetava a organização da irmandade, trazendo problemas relacionados ao proselitismo dos irmãos, ao potencial de acúmulo de recursos em esmolas e doações e à capacidade de agregação, que deveria suplantar os riscos de desagregação ruinosa num contexto de dispersão urbana e expansão das fronteiras econômicas (ANDRADE, 2016, 421).

Andrade (2016), estudando o deslocamento das irmandades do Rosário de Vila Rica da matriz para as capelas de fronteira, pontua que a demarcação dos limites paroquiais pretendida pelos párocos dependia dos fiéis, dos confrades livres, libertos ou escravos que, passando a morar ou transitar por aqueles espaços, souberam influenciar as autoridades eclesiásticas, “que disputavam entre si os benefícios e emolumentos advindos da pastoral religiosa” (p. 422). Dessa forma, a expansão das confrarias de cor, com suas respectivas capelas integradas à administração paroquial, “estimulou as rivalidades de jurisdição ou de poder sobre os devotos” (ANDRADE, p. 422). Sobre esse aspecto, Lange (1981) pondera que, “em 1723, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário teve conflitos, de sorte que a vontade de ter Igreja própria veio nascer desde muito cedo”. Diante disso, escolheu-se sítio “alto com bom critério, porque o corpo da Igreja destaca-se desde longe” (p. 149), assim,

luzindo a sua silhueta colocada numa paisagem empolgante, longe do perímetro da antiga capital, soube recolher as aflições e a fé da gente humilde e, ao mesmo tempo, servir de eco nas festividades religiosas, com o estrondo dos tambores, buzinas, trombetas e numerosas charamelas precedendo as procissões, com as suas danças de saudosa evocação africana (LANGE, 1981, p. 149).

Além disso, situando-se a capela adjacente aos lugares de extração aurífera, ela seria frequentada por moradores, viajantes e mercadores. Isso contribuiria ainda mais para aumentar a importância da igreja como referência de espaço social, apoio espiritual mútuo e expressão devocional.

11 De acordo com Andrade (2016, p. 426) “O prejuizo da matriz crescia, quando, à medida que estendiam as fronteiras de colonizacao, os moradores rompiam os laços sociais e econômicos com o arraial sede, autonomizando-se da paróquia quando passavam a manter os ofícios divinos numa outra capela e a invocar novos padroeiros” daí a resistência da Igreja uma vez que retiravam do vigário seu capital econômico e o capital simbólico que constituíam os seus poderes políticos-religiosos.

O livro 1 de Receita e Despesa da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em seu termo de abertura assinado por Félix Simões de Paiva, é datado de 26 de janeiro de 1723 (MENEZES, 1975, p. 108)12. Dos oito primeiros lançamentos assentados à página 6, que ocorreram em 1726, os sete primeiros se referem a recolhimentos pela “passagem da caixinha”; já o último, à venda de uma cova para anjinho no valor de 2 oitavas de ouro. O valor total dos nove créditos no ano de 1726 somou 146 ½ oitavas de ouro. Já o início da construção da capela foi marcado com o lançamento em 1733 para 1734, à folha 8, referente ao pagamento de 500$000 a Antonio Coelho da Fonseca pela conta da obra que arrematou do primeiro pagamento da obra da igreja. Também constam na mesma página, dois pagamentos: 6$000 pelo porteiro da arrematação13; 3$250 pelo custo de uma escritura ao tabelião. A “construção da capela só ficou totalmente concluída em 1785 porque sob a cruz que ostenta no alto da fachada lê-se esta data” (MENEZES, 1975, p. 108).

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