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A função do cárcere e a ideia de ressocialização do apenado

Nos dias atuais, a pena restritiva de liberdade representa o centro do sistema penal. No capítulo inicial do presente trabalho foi objeto de análise, as diversas teorias sobre a legitimidade da pena de prisão, buscando apresentar qual a finalidade da pena privativa de liberdade ou com qual intuito ela foi criada. Dentre essas teorias, apresentamos defensores da

Teoria Retributiva ou Absolutista que pregavam que a finalidade da pena tinha caráter retributivo, onde a prisão deveria ser o castigo pelo mal provocado, concluindo que o apenado estaria apenas pagando pelo seu crime.

Na Teoria Relativa, era pregado que a pena deveria ser um meio de reeducação do apenado, para que consequentemente, o mesmo pudesse ser reintegrado ao convívio social. Finalizando com a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, em seu artigo 59, chamada de Teoria Mista, que defende a ideia de que a pena restritiva de liberdade deveria ser uma retribuição pelo mal praticado, mas sem excluir essa necessidade de reeducação do preso, necessária para sua reintegração ao convívio social.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (BRASIL, 1940).

No livro “Penas Alternativas”, Bitencourt (2013, p. 110) confirma que “os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento ressocializador”. Independente da dificuldade de apresentação de dados confiáveis, que acabam por dificultar a realização de uma verdadeira política criminal, é inquestionável o fato de que a delinquência não diminui e que o sistema penitenciário tradicional não reabilita, “ao contrário, constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores negativos do condenado”.

Analisando os dados ora expostos, constata-se que a prisão, ao invés de conter a violência, tem lhe servindo de estímulo, sendo assim um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade, demonstrando a ineficácia da pena de prisão, uma vez que a sua função reabilitadora não está sendo executada.

O “Mapa do Encarceramento – Os Jovens do Brasil” (2017) informa que, de acordo com os dados atuais do “International Centre for Prison Studies” – organização não

governamental que acompanha os números do encarceramento no mundo todo -, o Brasil está em 4° lugar no ranking mundial de população prisional, ocupando o 1° lugar entre os países da América do Sul. A cada dia que passa a população carcerária brasileira aumenta, sem que com isso ocorra uma melhora na percepção de segurança pública pela população e com isso, se resta claro que o modelo carcerário está equivocado (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

Ainda de acordo com o artigo supracitado, com base em dados cedidos pela InfoPen que evidencia o crescimento da população carcerária analisada do ano de 2005 até 2012, o número de pessoas presas no Brasil nesta época era de 515.482, onde 38% eram presos provisórios, 1% eram presos por medida de segurança e apenas 61% dessas pessoas haviam sido de fato condenadas (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

A publicação informa que as transgressões que mais determinam prisões são patrimoniais e em relação a drogas, que juntos lideram com cerca de 70% das causas de prisões, já em contrapartida, os crimes contra a vida motivam apenas 12% das prisões. As penas atribuídas são na grande maioria inferiores a 8 anos, seguidas das sanções inferiores a 4 anos (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

Também foram analisados os tipos de crime mais frequentes pelos quais os presos respondem no sistema carcerário, em 2012 os crimes contra a pessoa ocuparam 11,9%, enquanto os de entorpecentes 25,3% e patrimoniais 49,1%. Esses dados podem ser considerados como indicadores da seletividade penal, vez que as prisões se concentram em determinados tipos de crime, como o patrimonial, enquanto o crime de homicídio tem baixos índices de esclarecimento e, consequentemente, de punição. Isso indica que a justiça criminal não tem foco nos crimes mais graves, mas atua principalmente nos conflitos contra o patrimônio e nos delitos de drogas, onde há espaço para aplicação de penas alternativas à prisão, sendo racional, desta forma, que apenas sejam submetidos a pena restritiva de liberdade os que cometem crimes contra a vida (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

Em relação aos dados fornecidos sobre a escolaridade da população prisional brasileira, foi possível identificar que a maior parte dos apenados não chegou a completar o

ensino fundamental, sendo estes, no ano de 2012, 45,3% de toda população carcerária. Constatou-se que apenas uma parte muito restrita possuía ensino superior, mais precisamente, 1,2%, e que, nos últimos anos, bem crescendo a parcela da população prisional que atingiu o ensino médio (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

A partir dos dados fornecidos no Mapa, foi possível aferir que entre os anos 2005 e 2012 a maioria da população prisional do país era composta por jovens entre 18 e 24 anos. No ano de 2005, o número de jovens entre 18 e 24 anos preso era de 53.599, entre 25 e 29 anos era de 42.689. Já em 2012, esse número cresceu exorbitantemente, onde 143.501 eram jovens entre 18 e 24 e 266.356 destes tinham entre 25 e 29 anos. Levando em consideração apenas os dados de 2012, podemos afirmar que 54,8% da população encarcerada no Brasil era formada por jovens menores de 29 anos, evidenciando que o encarceramento é focalizado sobre este grupo (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

Diante dos dados referentes a cor/raça, verificou-se que, durante o período analisado, existiram mais presos negros no Brasil do que brancos. Em 2012 havia um total de 292.242 negros presos e 175.536 brancos, assim sendo, um total de 60,8% da população carcerária no pais era negra. A seletividade do sistema penal foi observada tanto no perfil racial quanto no perfil etário da população carcerária (MAPA DO ENCARCERAMENTO – OS JOVENS DO BRASIL, 2017).

Nesse sentido, a análise dos dados supramencionados permite observar que o encarceramento brasileiro incide sobre homens, jovens, negros, autores de crimes patrimoniais e que, em sua maioria, não chegam a completar o ensino médio. Desta forma, não restam dúvidas de que o encarceramento não está cumprindo com a sua função reabilitadora, visto que a cada ano que passa aumenta-se o número de detentos, quando o que realmente deveria ocorrer seria a sua diminuição e até mesmo extinção das penas restritivas de liberdade.

Vale destacar que um dos principais obstáculos do sistema prisional brasileiro é a falta de assistência jurídica para a população encarcerada. Não são incomuns as notícias de que pessoas acabam permanecendo presas por tempo superior ao que foram condenadas; ou ainda aquelas que passam meses ou até anos sem contato com um defensor.

Baratta (2011, p. 184) afirma que:

O cárcere é contrário a todo moderno ideal educativo, pois este promove a individualidade, o auto respeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimonias de degradação no início da detenção, com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da sua própria autonomia (vestuários e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante.

Bitencourt (2011b, p. 166) considera que a prisão não traz nenhum benefício ao apenado e ainda estimula a delinquência ao invés de freá-la, o cárcere acabou tornando-se um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Ele ainda classifica os fatores que apresentam caráter criminógeno na vida carcerária como matérias, psicológicos e sociais:

a) Fatores Materiais: Nas prisões clássicas existem condições que podem exercer efeitos nefastos sobre a saúde dos internos. As deficiências de alojamentos e de alimentação facilitam o desenvolvimento da tuberculose, enfermidade por excelência das prisões. Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos reclusos as más condições de higiene dos locais, originadas na falta de ar, na umidade e nos odores nauseabundos. Mesmo as prisões mais modernas, onde as instalações estão em nível mais aceitável e onde não se produzem graves prejuízos a saúde dos presos, podem, no entanto, produzir algum dano na condição físico-psíquica do interno já que, muitas vezes, não há distribuição adequada do tempo dedicado ao ócio, ao trabalho, ao lazer e ao exercício físico. (BITENCOURT, 2011b, p. 166)

Os fatores materiais a que o autor se refere versam sobre a direitos garantidos a toda a população, os quais são negados aos indivíduos que cumprem pena em estabelecimentos carcerários. A superlotação dos presídios é um dos principais motivos que impossibilitam uma vida digna dentro da mesma, faltam-se camas, materiais de higiene, saneamento básico, acesso precário a saúde, entre outros.

b) Fatores Psicológicos: Um dos problemas mais graves que a reclusão produz é que a prisão, por sua própria natureza, é um lugar onde se dissimula e mente. O costume de mentir cria um automatismo de astúcia e de dissimulação que origina os delitos penitenciários, os quais, em sua maioria, são praticados com artimanhas (furtos, tráfico de drogas, etc.). A prisão, com sua disciplina necessária, mas nem sempre bem empregada, cria uma delinquência capaz de aprofundar no recluso suas tendências criminosas. Sob o ponto de vista social, a vida que se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da prisão, supõe a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso. A aprendizagem do crime e a formação de associações delitivas são tristes consequências do ambiente penitenciário. (BITENCOURT, 2011b, p. 166).

O ditado “mente vazia oficina do diabo” nos ensina que quando se está ocioso, sem ter o que fazer, acaba-se dando espaço para o que não se deve, nos deixando levar pelo momento

da situação. Os encarcerados estão isolados do mundo exterior e seu único contato com ele são os outros detentos que podem influenciar de forma incisiva e negativa no comportamento futuro desde indivíduo.

c) Fatores Sociais: A segregação de uma pessoa do seu meio social ocasiona uma desadaptação tão profunda que resulta difícil conseguir a reinserção social do delinquente, especialmente no caso de pena superior a dois anos. O isolamento sofrido, bem como a chantagem que poderiam fazer os antigos companheiros de cela, podem ser fatores decisivos na definitiva incorporação ao mundo criminal. (BITENCOURT, 2011b, p. 166).

Portanto, é imprescindível a preocupação do Estado quanto aos motivos que levaram o condenado a delinquir, para que desta forma estes sejam sanados e, por consequência, este indivíduo acabe não reincidindo, afim de que seja cumprida a função ressocializadora da pena de prisão.

Recomenda-se ainda, estimular e fortalecer as políticas de segurança pública que visem à desaceleração do confinamento das penas restritivas de liberdade, em especial de jovens, negros e de baixa escolaridade, grupos estes que vêm sendo alvo do crescimento das penas de prisão, conforme observado neste capítulo. Sugere-se a implementação de ações de redução do número de pessoas presas, como fortalecimento da assistência jurídica, revisão de processos de execução penal e, principalmente, aplicação de penas alternativas à prisão, que serão detalhadas no capítulo seguinte.

2.3 A execução penal no Brasil e os direitos do preso: uma busca pela reintegração do

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