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PARTE I – O PROBLEMA SOCIOLÓGICO E O CAMPO EMPÍRICO DAS EMPRESAS

Capítulo 2 – O espaço das empresas na economia mundial: transformações societais e especificidades de um grupo empresarial português

2. As transformações das empresas e da sua conceptualização na Economia e na Sociologia

2.4. A função dos dirigentes no desenvolvimento das empresas

A abordagem do papel desempenhado pelas empresas na sociedade e na economia implica atender, igualmente, às perspectivas e ao desempenho de quem as cria, gere e coordena: os dirigentes.

No estudo desenvolvido por Lisboa (2002, p. 279-334), podemos encontrar uma apresentação bastante completa das perspectivas dos autores que se debruçam sobre a problemática do papel dos dirigentes no crescimento económico. Abarca as áreas científicas da Economia, da Sociologia e da História, passando, ainda, por uma abordagem das análises desenvolvidas em França sobre o patronato, numa perspectiva mais ampla enquadrada nas Ciências Sociais. A partir desta reflexão, destacamos os pontos pertinentes para a nossa análise.

O autor chama a atenção para a imprecisão terminológica subjacente à designação dos dirigentes das empresas, fazendo referência a três vocábulos distintos: empresários, capitalistas e gestores69. Propõe que se mantenha esta diversidade de designações, com um enfoque diferente: elas passam a constituir funções, e não sujeitos, posição que partilhamos. Neste sentido, acrescenta a designação de dirigente, definido como aquele que, no interior das empresas, assume as funções empresarial, capitalista e de gestão. Em breve voltaremos a elas.

Tomando esta opção como ponto de partida, o autor reflecte sobre os principais contributos para a estruturação de um quadro teórico de problematização da figura dos dirigentes. Começa por frisar que, segundo várias perspectivas, Say assume um papel pioneiro, tendo sido o primeiro autor, em finais do século XVIII e princípios do século XIX, a distinguir a função de empresário da de capitalista. O empresário tem um papel activo na produção e o capitalista caracteriza-se, essencialmente, pela detenção e investimento de capital (Lisboa, 2002, p. 282-283). A perspectiva de Say vem, segundo Lisboa, a espelhar-se na de Schumpeter, o que é visível em três importantes contributos: o empresário é encarado como uma função e não como um agente social particular; empresário e capitalista são duas funções distintas; cabe à função empresarial a coordenação (Ibidem, p. 283).

Schumpeter é, segundo Lisboa, “o autor que no último século mais contribui para realçar o papel do empresário no crescimento económico” (2002, p. 285). A sua

69 De entre os três termos acima referidos, o mais comum é o de empresário. É um termo mais de

tradição anglófona do que francófona. Nesta última, são mais recorrentes os termos patrões e patronato (Lisboa, 2002, p. 319).

abordagem é essencial e, ainda que se enquadre, disciplinarmente, na Economia, integra contributos das diversas Ciências Sociais.

Segundo Schumpeter, o empresário é um agente da inovação, ao dar respostas criativas para o desenvolvimento económico. Dinamiza o processo de “destruição criativa” que revitaliza a economia, podendo assumir diversas formas, tais como a criação de um novo produto ou a conquista de um novo segmento de mercado (Lisboa, 2002, p. 287-288). A principal função (e capacidade) do empresário é, deste modo, inovar, ou seja, “fazer novas coisas, ou o fazer coisas novas que já tinham sido feitas de uma nova maneira (inovação)” (Schumpeter, 1996, p. 204)70.

Schumpeter salienta, deste modo, a importância do papel das empresas e da actuação dos empresários, encarando estes como agentes privilegiados de promoção da mudança económica. Chega, mesmo, a falar em Sociologia da Empresa, considerando que cabe a esta abordar, não apenas as condições de produção, modelação, inibição ou favorecimento da actividade empresarial, mas também as condições de nascimento da sociedade capitalista (1996, p. 211).

No âmbito do debate explicitado no ponto anterior, é importante referir, ainda, que Schumpeter contribui, de forma relevante, para o domínio disciplinar da Economia, na medida em que, ao enfatizar a capacidade de “destruição criativa” dos empresários, chama a atenção para a dimensão microeconómica das empresas e dos agentes da mudança, o que escapou a esta disciplina durante muito tempo71. De algum modo, podemos afirmar que Schumpeter lança importantes pistas para uma abordagem institucionalista da empresa no âmbito da Economia, pois enfatiza a função dos empresários a partir das condições de que dispõem, criam e transformam, e não de um ponto de vista abstracto. Por seu turno, é importante salientar que o relevo conferido pelo autor à função empresarial é, frequentemente, secundarizada em prol das determinações estruturais. Estas são, de facto, tão relevantes quanto a actuação dos dirigentes.

Como já referimos a propósito da abordagem de Say, Schumpeter faz uma distinção entre o agente social e a função que desempenha. É sobre esta última que

70 Para Schumpeter a inovação constitui uma resposta criativa aos processos de mudança, incluindo a

introdução de, designadamente, novos produtos, novos processos de produção e novas formas de organização do trabalho (Moniz, 1991, p. 87). A esta opõe-se a resposta adaptativa, numa óptica de adaptação à mudança. Todavia, é à resposta criativa que Schumpeter associa a análise da iniciativa empresarial (Schumpeter, 1996, p. 203).

71 Também Drucker (1985 In Lisboa, 2002, p. 306-307) salienta o papel do empresário enquanto agente

de mudança, constituindo a inovação ”o instrumento específico dos empresários, o meio de utilizar a mudança como uma oportunidade aberta para uma actividade ou serviço diferente” (Lisboa, 2002, p. 307). Neste sentido, para além de agentes de mudança, os empresários são, igualmente, agentes de inovação, mudando a realidade de forma diferente.

deve recair a análise, sem que se negligencie o primeiro, designadamente em termos da sua trajectória escolar e profissional. Estamos, deste modo, a falar em função empresarial e não em empresário. Esta função distingue-se da de gestão. Segundo Schumpeter, se a empresarialidade se traduz na tomada de iniciativa e na criação de condições para implementar um projecto, a gestão corresponde à respectiva administração. Esta não integra a componente inovadora da empresarialidade (1996, p. 204). Afirma, ainda, que, quando se fala em função empresarial (e não em empresário), se está a fazer referência, não a uma pessoa física ou a um só indivíduo, mas sim a uma função assegurada por um conjunto de pessoas. Esta questão é, na nossa perspectiva, fundamental e assume uma relevância acrescida quando falamos em grandes empresas (1996, p. 239-240), ou, ainda, grupos empresariais (como no nosso caso)72.

Relativamente à função de gestão, Lisboa chama a atenção para o trabalho de Chandler (1977 In Lisboa, 2002, p. 301) sobre a economia norte-americana. O autor reflecte sobre o facto de, em finais do século XIX e inícios do século XX, as empresas americanas terem passado a ser administradas por gestores assalariados, crescentemente, especializados, profissionais e independentes dos proprietários das empresas (Chandler, 1994, p. 11). E os gestores (designação que abarca os de topo, os intermédios, os contramestres e os capatazes) têm um papel central na condução deste processo. Cabe-lhes optimizar as inovações tecnológicas de modo a atingir elevadas taxas de produtividade e de rentabilidade económica73. Este processo acompanha o crescimento e diversificação das empresas, as quais se vão tornando multidivisionais74.

Advogamos uma perspectiva de análise centrada nas funções e não nos sujeitos que as corporizam e procuramos atender ao papel dos dirigentes, em particular nos processos de tomada de decisão e de orientação estratégica das empresas. Tal

72 Consideramos que deve ser adoptado um raciocínio similar quando se fala em inovação. Os processos

de inovação no interior das empresas resultam de acções diversas e conjugadas de vários indivíduos e mesmo de dispositivos organizacionais (departamentos ou secções, por exemplo), não devendo ser abordados numa óptica individual.

73 De entre o escasso conjunto de estudos sobre o patronato português elencados por Lisboa (2002, p.

320-327), destaca-se o estudo pioneiro de Makler (1969 In Lisboa, 2002, p. 322), no qual o autor chega a quatro tipos de dirigentes – fundadores, herdeiros, proprietários-gerentes e gerentes –, frisando a importância dos gerentes das grandes empresas e, logo, da função de gestão.

74 Chandler considera ainda que os EUA são pioneiros na emergência do “capitalismo de gestão”, o qual

é concomitante com o crescimento das empresas. Uma das razões que o autor aponta para o facto de este processo ter sido iniciado e ter maior expressão nos EUA reside na acrescida dimensão do mercado interno quando comparado com o europeu (1994, p. 32-33). “Os mercados europeus, mais pequenos e de crescimento mais lento, não constituíram factor de incentivo à utilização das novas técnicas de produção em massa ou à criação de grandes organizações de comercialização e compras” (Ibidem, p. 34). Este desenvolvimento ocorre na Europa mais tarde, a partir da Segunda Guerra Mundial, com a massificação dos produtos e a difusão do seu consumo.

postura conduz-nos, a recusar o enfoque nos dirigentes em si, privilegiado pela corrente do individualismo metodológico75. A abordagem dos contextos empresariais implica atender, necessariamente, ao papel desempenhado pelos respectivos dirigentes, sem que isso signifique ignorar (muito pelo contrário) os condicionalismos estruturais à sua acção.

Entendemos por dirigentes os membros das empresas que assumem funções de definição, direcção e de gestão estratégica e/ ou de direcção e gestão operacional nas esferas de actuação respectivas, sendo dotados de poder de decisão. Trata-se de sujeitos que se posicionam, de forma diferenciada, nas “hierarquias de gestores assalariados de topo e intermédios” (Chandler, 1994, p. 10). Cabe-lhes também o exercício das actividades de planeamento, controlo e coordenação das actividades, bem como a garantia da rentabilidade do capital, isto é, o lucro. Neste sentido, para além das funções empresarial e de gestão, abarcamos, de algum modo, a função capitalista, cuja definição não é redutível à detenção de capital. Em relação a esta função, é de salientar que a propriedade das empresas tende a estar cada vez mais disseminada, sendo frequentes duas situações: por um lado, a possibilidade de qualquer dirigente de topo ser detentor de uma parte (reduzida ou não) do capital da empresa; por outro, a hipótese de as empresas serem propriedade de pessoas ou de entidades que não participam, directamente, na sua gestão, nem mesmo, frequentemente, na definição da estratégia, passando a função capitalista, de forma autónoma e mesmo abstracta, a ser, parcialmente, exercida no âmbito dos mercados financeiros76. Neste sentido, não é, muitas vezes, efectuado um controlo directo sobre a actuação dos dirigentes, exigindo-se-lhes apenas que seja lucrativa.

75 Lisboa (2002) toma como questão de base os diversos factores que contribuíram para a

industrialização do nosso país e opta por analisar o papel dos dirigentes com base numa acepção global e complexa da realidade, pelo que é necessário tomar opções e efectuar delimitações teóricas.

76 Já Schumpeter afirmava, numa obra originalmente editada em 1947, numa nota de pé de página, que a

capacidade empresarial não depende da posse de capital (1996, p. 204). No seio da Economia, a teoria da agência discute a distinção entre a propriedade do capital e a sua gestão, destacando o facto de os agentes serem os que gerem a propriedade em nome dos accionistas, numa óptica de gestão que abarca todos os níveis hierárquicos. No entanto, tal não significa que não haja conflitos de interesses entre gestores e capitalistas, sendo, contudo, o exercício da gestão pelos especialistas a melhor forma de garantir a rentabilidade do capital, o que é concomitante com a respectiva repartição dos riscos. É, deste modo, fundamental, a criação de uma estrutura interna que garanta a função gestionária, o que não inibe os detentores do capital de exercerem alguma forma de controlo sobre os resultados. Para um maior desenvolvimento das diversas perspectivas que se enquadram nesta linha de reflexão, v. Coriat; Weinstein (1995, p. 77-107).

As três funções em questão encontram-se interligadas entre si, podendo cada uma das delas ter um peso maior ou menor em função do cargo ocupado e das respectivas atribuições77.

Consideramos, deste modo, fundamental, para abordar as realidades empresariais no nosso estudo, atender às funções e testemunhos dos respectivos dirigentes. Estes são os nossos interlocutores privilegiados para analisar as dimensões sobre as quais nos debruçamos no presente capítulo e no capítulo 3, em particular. Ainda que, como já referimos, seja necessário atender ao pendor ideológico e normativo que assumem os discursos dos dirigentes, já que veiculam uma determinada imagem da empresa, não podemos descurar o facto de serem estes os sujeitos que, por força das funções que desempenham, nos podem fornecer informações importantes relativas às realidades empresariais do ponto de vista, designadamente, do posicionamento estratégico ou da gestão, nos seus vários domínios.

As funções dos dirigentes, por seu turno, não podem ser consideradas como resultando de uma acção individual e descontextualizada dos constrangimentos que se colocam às empresas, o que remete para a abordagem do conceito de campo

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