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PARTE I – O PROBLEMA SOCIOLÓGICO E O CAMPO EMPÍRICO DAS EMPRESAS

Capítulo 2 – O espaço das empresas na economia mundial: transformações societais e especificidades de um grupo empresarial português

1. As transformações do sistema capitalista mundial e os processos de globalização

1.2. A configuração em rede e os imperativos de flexibilidade

1.2.1. As redes como traço basilar das relações sociais globalizadas

A problematização em torno das redes assenta na nova configuração das relações sociais enquanto relações globalizadas. A economia global não se limita aos processos económicos à escala planetária. Diz também respeito aos efeitos, directos ou indirectos, que estes provocam em toda a humanidade, ainda que, frequentemente, por via da exclusão. As redes de informação, de empresas, de actividades económicas, entre outras, não são, de todo, igualitárias. São hierarquizadas, assimétricas e constituídas por segmentos de empresas, países, economias e pessoas, distintamente posicionados num sector, num território ou na divisão internacional do trabalho.

Ainda que a problemática das redes assuma contornos diversos, que se consubstanciam em realidades multidimensionais, analisá-la-emos ao nível da reconfiguração do tecido empresarial.

Castells propõe uma abordagem das trajectórias organizativas de reestruturação do capitalismo que marcam a transição do industrialismo para o informacionalismo (2001, p. 202)20. Destacamos aqui quatro aspectos.

Em primeiro lugar, retemos a transição da produção em série para a produção flexível, como também referem Piore e Sabel (1990). A produção em massa, assente num sistema técnico mecanizado de fabrico de produtos homogéneos, visando a consecução de economias de escala, atinge os seus limites. Assistimos à passagem para uma lógica de produção flexível de produtos diferenciados, baseada em economias de variedade. Esta constituiu a alternativa encontrada pelas empresas para ultrapassar a crise económica que se foi desenhando e assumindo contornos crescentes de afirmação. Permanece o princípio da produção em grande escala, agora pautada pela diversidade, visando a conquista de mercados crescentemente segmentados. Impõe-se, assim, uma flexibilidade do produto e dos processos, potenciada pelo desenvolvimento de inovações tecnológicas assinaláveis.

Em segundo lugar, temos a crise das grandes unidades empresariais. Estas marcaram a primeira revolução industrial, altura em que os avultados investimentos em maquinaria e mão-de-obra especializadas eram fundamentais para garantir a produção em série e elevadas margens de produtividade. Esta lógica e estes objectivos eram exequíveis na medida em que o mercado conseguia absorver os produtos em enormes quantidades (Piore; Sabel, 1990, p. 75). No entanto, este modelo veio a encontrar os seus limites no âmbito do funcionamento do mercado. A partir dos anos 80, as grandes empresas vêem-se perante a necessidade imperiosa de encetar reformas e mudanças, não apenas do ponto de vista da sua estratégia de actuação face ao mercado, mas também ao nível do seu funcionamento interno. Numa lógica de flexibilizar e dar respostas rápidas às solicitações do mercado, as grandes empresas, com as suas estruturas organizacionais pesadas e burocratizadas, reequacionam os seus modelos de funcionamento, assentes na integração vertical e na gestão funcional hierárquica (Castells, 2001, p. 206-207). Uma das primeiras respostas consubstanciou-se na formação de conglomerados, constituídos por divisões autónomas que asseguram a fabricação de produtos ou a prestação de serviços distintos. A reconfiguração organizacional das empresas é orientada por uma óptica de diversificação dos produtos e dos serviços a oferecer a segmentos de

20 Um conjunto vasto de autores debruça-se sobre esta transição, com as respectivas particularidades. A

título exemplificativo, temos Piore e Sabel, que falam em “segunda revolução industrial” na história do capitalismo (1990), Coriat (1990) e Boyer e Durand (1998) que propõem a designação “pós-fordismo” e Giddens, que discute os contornos da “sociedade pós-industrial” como a primeira “sociedade global” (2000b, p. 93).

mercado crescentemente diferenciados (Piore; Sabel, 1990, p. 279). Na mesma linha estratégica, pautada, desta feita, por objectivos de internacionalização, formam-se multinacionais, como “um substituto microeconómico dos esforços macroeconómicos para resolver a crise da estabilidade macroeconómica reforçando as instituições nacionais da regulação neokeynesiana” (Ibidem, p. 282).

As grandes empresas da primeira metade do século XX continuam a existir, assumindo a forma de grandes grupos empresariais e multinacionais que se concentram e fundem cada vez mais. A transformação a que se assiste é, essencialmente, ao nível organizacional, sendo frequente (como veremos no caso do grupo sobre o qual incide esta investigação) a criação de empresas dotadas de autonomia jurídica, ainda que dependentes do poder de decisão de topo de grupos empresariais com um alcance de intervenção transnacional. Uma empresa burocrática, assente num modelo vertical, torna-se numa empresa (ou num grupo de empresas) horizontal, com um número reduzido de níveis hierárquicos, assumindo, cada uma das suas unidades, configurações organizacionais diferenciadas e adaptadas às suas características nos mais diversos domínios (tecnológico e gestionário, por exemplo).

A esta nova configuração organizacional das empresas associa-se a intensificação assinalável das redes de contratação/ subcontratação, que permite uma flexibilização do funcionamento daquelas, as quais recorrem ao exterior sempre que necessário. Aqui radica o terceiro aspecto das trajectórias organizativas, subjacente ao qual se encontra a emergência de novos métodos de gestão, em que o denominado “toyotismo” é um caso pioneiro. Este modelo, implementado nas empresas da Toyota, vem a constituir uma referência de flexibilidade organizacional e gestionária bem sucedida, porque associada à viabilização da capacidade de resposta às novas solicitações do mercado. Como refere Coriat (1993), a constituição de redes entre empresas, em particular a configuração das relações de subcontratação, é um dos seus importantes suportes21. No entanto, este modelo de sucesso, implementado em empresas japonesas, tem custos sociais associados às condições de trabalho das empresas satélites, o que vem a reflectir-se nas dinâmicas do mercado de trabalho. De facto, alguns dos princípios do modelo implementado na Toyota, em particular o do emprego para toda a vida e o do salário calculado em função da antiguidade, são

21 Em Coriat (1993) podemos encontrar uma caracterização do modelo de organização empresarial

adoptados para os trabalhadores da empresa-mãe, mantendo-se em condições precárias os trabalhadores das empresas subcontratadas.

O quarto e último elemento de caracterização das trajectórias organizativas de reestruturação do capitalismo consubstancia-se nas alianças que as empresas estabelecem entre si. Os empresários rapidamente compreenderam que a conquista de determinados segmentos de mercado ou a pesquisa de soluções inovadoras e de novos produtos não passava, necessariamente, pela detenção da exclusividade de posições, mas antes pela cooperação empresarial, o que implica o estabelecimento de posições diferenciadas no mercado. As formas de cooperação englobam, deste modo, empresas concorrentes, clientes, consultores, fornecedores de matérias-primas, de produtos e de serviços, universidades, centros tecnológicos e outras instituições, em particular as que desenvolvem actividades na área da I&D.

Estes quatro feixes de transformações (entre outros), vêm a culminar no desenvolvimento de redes empresariais e institucionais, potenciadas (e não originadas) pelo recurso às TIC, dada a flexibilidade que estas promovem do ponto de vista da circulação da informação e da comunicação22.

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