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A função satisfativa da reparação pecuniária dos danos morais

3.3 A COMPENSAÇÃO DOS DANOS MORAIS

3.3.1 A função satisfativa da reparação pecuniária dos danos morais

Com essas considerações, é possível delinear a relação existente entre a reparação natural, modalidade preferencial pela qual se persegue a restauração dos bens atingidos pelo evento lesivo, e a reparação pecuniária, com a qual o interesse lesado é recomposto pela entrega à vítima do valor pecuniário correspondente. A partir dessas definições, bem como dos exemplos amealhados, depreende-se que a distinção só pode ser expressa nesses termos quando aplicada à hipótese dos danos patrimoniais. Isso, em primeiro lugar, porque, segundo adverte Sérgio Cavalieri (2012, p. 90-91), o dano moral é rigorosamente insuscetível de avaliação pecuniária - posto que imaterial – e, depois, porque o dinheiro, em razão das naturezas incompatíveis, não é substituto idôneo da honra, da integridade física e de outros bens personalíssimos (MOSSET ITURRASPE, 1997, p. 306).

De fato, retomando os conceitos abordados na parte introdutória deste capítulo e, em especial, a esquematização desenhada por Farias, Rosenvald e Braga Netto (2015, p. 275), há condições de identificar os modelos reparatórios em exame, respectivamente, com as funções de “restituição” e “ressarcimento”, ambas formas de “indenização”, termo que, como visto, se aplica à recomposição dos danos materiais. Por outro lado, na categorização defendida pelos autores, preferiu-se para a reparação do dano moral, como visto, a referência a instrumento diverso, alheio a essa dicotomia, o qual se chamou “compensação”.

Trata-se, no ponto, do que Fernando Noronha, citado por Flávio Tartuce (2014, p. 290), denominou “satisfação compensatória”, i.e., a entrega ao lesado de uma soma em dinheiro que constitui lenitivo dos sofrimentos causados pelo dano. Parte-se do pressuposto de que a quantia recebida poderá ser empregada pelo ofendido em outros interesses patrimoniais e morais de sua escolha, dando-lhe um novo prazer em contrapartida às dores impostas

57 Art. 499. “A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela

(CAVALIERI, 2012, p. 91) e lhe aplacando o sentimento de vingança (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 102-103).

Nesse embalo, conquanto seja possível tratar a forma tradicional de recomposição dos danos morais como uma reparação pecuniária, a expressão deve ser lida com um significado algo distinto do que se lhe atribui quando aplicada aos prejuízos materiais. Lá, segundo a lição de Jorge Mosset Iturraspe (1997, p. 306), a moeda serve como instrumento de medição dos prejuízos – tertius comparationis -, permitindo avaliar a extensão do objeto da indenização, e como instrumento de troca – tertius permutationis –, porque se sub-roga ao bem danificado cuja restauração mostrou-se inviável. Aqui, diversamente, o dinheiro se apresenta em uma terceira função, a satisfatória, assim entendida, em sentido tradicional, justamente como a mitigação do sofrimento pelo caminho indireto descrito alhures (MOSSET ITURRASPE, 1997, p. 306).

Tal entendimento da função cumprida pela reparação pecuniária em face dos danos morais é recorrente na doutrina nacional. Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 546) o defende, sob o ângulo da impossibilidade de equivalência, postura adotada também por Sérgio Cavalieri (2012, p. 90-91), quem ressalta, por isso mesmo, não se falar, a rigor, em indenização na hipótese. Caio Mário da Silva Pereira (2018, p. 376) segue o mesmo raciocínio, pontificando que a indenização do dano material se pauta no prejuízo decorrente da diminuição ou do não incremento do patrimônio, ao passo que, no dano moral, a baliza é a mágoa sofrida pelo lesado. A concepção também prepondera no meio jurisprudencial, onde é largamente manejada e recebe o aval expresso do Superior Tribunal de Justiça58 (BRASIL, 2014).

Nessa ordem de ideias, a reparação pecuniária não atua exatamente sobre o dano moral – que corresponde, como defendido no curso deste trabalho, à violação do interesse jurídico salvaguardado pelos direitos da personalidade -, mas sim sobre a impressão que tal perda produz na esfera anímica do indivíduo lesado. Havendo-se por impossível a restauração do status quo

ante, pela imaterialidade dos bens danificados, tenta-se, em certa medida, amortecer o dano,

para que deixe de ser sentido pelo prejudicado.

Servido dessa ferramenta, também o princípio da reparação integral – aplicável à seara dos danos morais, como visto - passa por certa reinterpretação, posto que nenhuma quantia

58 ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL.

INDENIZAÇÃO POR MORTE DE JOVEM QUE SE ENCONTRAVA SOB CUSTÓDIA DA POLÍCIA MILITAR. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. [...] 3. A indenização por dano moral não é preço matemático, mas compensação parcial, aproximativa, pela dor injustamente provocada. In casu, é mecanismo que visa minorar o sofrimento da família, diante do drama psicológico da perda afetiva e humilhação social à qual foi submetida, na dupla condição de parente e cidadão. Objetiva também dissuadir condutas assemelhadas, seja pelos responsáveis diretos, seja por terceiros que estejam em condição de praticá-las futuramente. [...] 7. Recurso Especial não provido. (in BRASIL, 2014)

ofertada será capaz de propriamente restaurar a situação anterior ao evento danoso (SCHREIBER, 2015, p. 34-35). Assim, de acordo com Clayton Reis, o postulado passa a preconizar uma exigência de compensação integral, tendente a satisfazer no maior grau possível as consequências dolorosas da lesão (DANTAS BISNETO, 2018, p. 124). Raciocínio similar figura também na obra de Iturraspe (1997, p. 305), defensor da incidência do princípio na arena dos danos extrapatrimoniais, onde tem por efeito estabelecer uma correspondência entre a extensão do dano e a satisfação exigida, por mais que a concordância exata seja irrealizável (MOSSET ITURRASPE, 1997, p. 307). O escopo de alcançar a correlação mais precisa possível também aparece em Guido Alpa (2006, p. 628), defensor de que a análise das peculiaridades do dano impeça um simulacro de reparação.