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Modalidades reparatórias no Direito de Família

4. A REPARAÇÃO NATURAL DOS DANOS MORAIS

4.4 MODALIDADES DE REPARAÇÃO NATURAL DOS DANOS MORAIS

4.4.4 Modalidades reparatórias no Direito de Família

Se a atribuição de dinheiro para recompor os atributos humanos lesados pode ser em si problemática, é no campo do Direito de Família que mais se apontam efeitos secundários indesejados. Como aponta Cícero Dantas Bisneto (2018, p. 200-201), a condenação ao pagamento dificilmente põe fim à relação conflituosa, pois as partes permanecem em contato, e, pelo contrário, frequentemente agrava os atritos e, gerando remorso, acaba com as chances de reconciliação. Para Schreiber (2015, p. 40), por sua vez, mais do que tudo, o grande problema reside em reafirmar a superioridade financeira do pagador sobre o lesado, transmitindo, ademais, a mensagem de o pagamento libera o ofensor dos efeitos decorrentes do descumprimento de seus deveres e põe fim à satisfação devida.

Anderson Schreiber (2015, p. 40) adverte que, na atual conformação, o Judiciário perde a oportunidade de desempenhar a função pedagógica que decorreria do desestímulo a condutas lesivas futuras e da especificação dos deveres que se devem cumprir, já que a verdadeira reparação do dano consiste em reconstruir a relação familiar fragilizada. Se os danos daí advindos são produzidos ao longo de toda uma vida de convivência conturbada ou de ausência injustificada, pondera, então a forma de reparação deveria ser igualmente duradora para que fosse integral (SCHREIBER, 2015, p. 40-41). O problema, em sua visão, é que a responsabilidade civil se habitou a uma solução pontual e asséptica, como é a entrega de

107 Art. 53. “No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: (...)

III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido”.

dinheiro, que só pode vingar como meio de pacificação quando as partes não mantêm uma relação continuada (SCHREIBER, 2015, p. 40-41). Essa ao menos aparente inadequação leva parcela da doutrina até mesmo a recusar a incidência da responsabilidade civil nas relações familiares, defendendo a aplicação da doutrina norte-americana da imunidade parental –

parental immunity doctrine – no Direito brasileiro, a pontificar que pais e filhos não podem

reclamar uns dos outros créditos decorrentes da responsabilidade civil (DANTAS BISNETO, 2018, p. 203).

Para Schreiber, de sua vez, o que se necessita para a utilização da responsabilidade civil nessa arena é de adaptações interpretativas, e uma delas seria justamente a busca por alternativas à reparação pecuniária (SCHREIBER, 2015, p. 41-42). O autor defende, a título de ilustração, que, constatada a omissão do pai no cumprimento de seus deveres para com os filhos, a depender do caso concreto, se o possa condenar a frequentar três quartos das reuniões escolares, participar de festas do dia dos pais ou mesmo passar um número maior de dias com o filho (SCHREIBER, 2015, p. 42). Afinal, o que a vítima deveria pretender, idealmente, não é o dinheiro, mas o atendimento das obrigações parentais (SCHREIBER, 2015, p. 42).

Dantas Bisneto (2018, p. 203), no mesmo compasso, considera que o cumprimento dos deveres é o que efetivamente se deseja com a propositura da ação judicial, e analisa que a imposição de obrigações de fazer como essas alcança muito melhor o resultado prático almejado. Cogita outro exemplo de reparação natural no comparecimento dos familiares a sessões conjuntas com psicólogos, e pretende aplicar soluções assemelhadas inclusive aos casos de omissão de cuidado inverso, como pelo estabelecimento de visitas obrigatórias, ainda que acompanhadas as partes por assistência profissional (DANTAS BISNETO, 2018, p. 203-204). Com isso, não se pretenderia resgatar o afeto perdido, mas possibilitar o aprimoramento da relação familiar por sobre uma lógica financeira de ressarcimento (DANTAS BISNETO, 2018, p. 204). O autor adverte, contudo, para que se tenha cautela com relações onde há histórico de violência, caso em que a reaproximação talvez não seja a medida mais adequada (DANTAS BISNETO, 2018, p. 204-205).

O que chama a atenção aqui, por um lado, é que a medidas reparatórias propugnadas correspondam ao cumprimento dos deveres jurídicos cuja violação ensejou o dano, lógica que, em abstrato, pode não parecer a mais correta. Afinal, a proteção que o ordenamento coloca sobre os interesses individuais – que, na concepção aqui defendida, constituem o objeto do dano – impõe deveres aos terceiros, sejam de abstenção ou de prestação, mas com eles não se identificam. Assegurar o cumprimento regular dos deveres parentais e filiais, por esse ângulo, não equivaleria necessariamente à reparar os interesses dos pais e filhos – por mais que

impedisse, por certo, a eclosão de danos futuros –, da mesma forma que garantir que cessem as violações ao direito de propriedade de alguém não representa sanar os danos já infligidos, ou que impedir a propagação de notícia falsa não é o mesmo que recompor a honra já ferida até aquele ponto.

Nada obstante, a se considerar que, nas hipóteses descritas, o interesse vulnerado corresponde justamente a um daqueles que emergem da dimensão social da personalidade – que Mosset Iturraspe (1997, p. 241) descreve sob o signo de “afeições legítimas”, correspondentes aos afetos que têm origem no seio familiar -, então seria possível visualizar como a reaproximação entre as partes poderia curar os prejuízos, reestabelecendo os laços que foram rompidos.

Aqui, porém, lida-se com interesses mais abstratos do que a honra, e as medidas que se propõem a o tutelar são, como se percebe, de maior complexidade e delicadeza do que um desmentido, além de apresentarem resultados mais incertos e um custo operacional, a toda evidência, mais elevado. Não cabe neste trabalho esmiuçar o tema - rico em controvérsias desde a própria possibilidade de responsabilização civil entre familiares -, mas, se, em hipótese, consegue-se contemplar a adoção de medidas in natura neste âmbito, parece também que isso exigiria uma aprofundada análise de proporcionalidade e onerosidade conforme o caso concreto, até para averiguar o que cabe nos limites da responsabilidade civil sem esgarçá-la e lhe retirar a funcionalidade.