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CAPÍTULO 3 A ARTE DE CONVIVER E DE INTERAGIR DO SER HUMANO

3.3 A SOCIABILIDADE HUMANA E OS VALORES QUE A CONSTROEM

3.3.2 A função social na gestão de uma instituição de ensino

Historicamente, a organização social é inerente ao ser humano, mesmo entre os povos mais primitivos, nos primórdios da humanidade; tem sido também fonte inspiradora para as gerações posteriores, entre famílias, igrejas e tribos. Portanto, essas organizações deram origem às formas organizacionais atuais. Martins (1999, p. 21), ao se referir a elas, diz que “desde a mais remota antiguidade, os egípcios já apresentavam princípios de administração que norteavam seus projetos [...]”.

Desse modo, é plausível manter a inter-relação entre os seres humanos como possibilidade de construção de saberes e conhecimentos. Esta visão favorece uma educação à sociabilidade humana, por meio das relações que se estabelecem nas mais diferentes esferas da vida social, aplicadas inclusive, às diversas instituições e movimentos sociais ao longo da história. Neste aspecto, podemos nos remeter aos responsáveis pelas instituições de ensino, ou seja, àqueles que organizam suas ações aliadas aos diversos colaboradores que compõem o contexto escolar ou comunidade educativa.

A gestão escolar constitui uma dimensão importantíssima da educação, uma vez que, por meio dela, é possível observar a escola e os problemas educacionais globalmente. Na abrangência de uma visão estratégica e de conjunto, bem como pelas ações interligadas à semelhança de uma rede, percebemos os problemas que funcionam de modo interdependente. Neste sentido Lück (2006, p. 21) conceitua a gestão como um “processo de mobilização da competência e da energia das pessoas coletivamente organizadas para que, por sua participação ativa e competente, promovam a realização […] dos objetivos de sua unidade de trabalho, no caso, dos objetivos educacionais”.

A sociedade, hoje, espera ter uma escola que busque qualidade e seja amparada numa gestão escolar participativa. A aprendizagem de qualidade resulta do gestor e de professores competentes (PAULA; SCHNECKENBERG, 2008). Ao professor cabe exercer a mediação dessa aprendizagem, na aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, hábitos, atitudes, valores, ideias, entre outras.

Sobre isso Freire afirma que: “É preciso que o educador não se restrinja ao âmbito da sala de aula, da estrutura interna na escola, aos problemas de legislação escolar, mas volte-se para assuntos mais importantes do contexto social e políticos em que vivemos” (FREIRE, 1993, p. 93).

É evidente que ao mencionar sobre o ser do professor/educador, Lück difere da posição de Freire. Este convida o educador a ter um olhar mais abrangente que não só a sala

de aula. O voltar-se para o contexto social é considerado um aspecto importante que abrange também a atividade educativa. No entanto, Lück focaliza a figura do professor e sobre ele pesa a responsabilidade do sucesso ou insucesso de seus alunos e de sua aprendizagem, ao expressar que:

O professor é a figura central na formação dos educandos. É ele quem forma no aluno o gosto ou desgosto pela escola, a motivação ou não pelos estudos; o entendimento da significância e insignificância das áreas e objetos de estudo; a percepção de sua capacidade de aprender, de seu valor como pessoa (LÜCK, 2002, p. 28).

Há que se buscar um equilíbrio entre as possibilidades oferecidas pelas instituições e as que provêm do contexto social, objetivando fazer acontecer o crescimento do ser humano. Um olhar atento por parte dos gestores das escolas contribuirá para efetivar um trabalho articulado com sua equipe de trabalho. Para isso torna-se imprescindível a criação de um ambiente de solidariedade humana e de responsabilidade mútua. Gestor comprometido ajuda a escola a definir os rumos necessários, buscando novas metas onde as pessoas possam trabalhar em conjunto. Ouvir o outro, dividir tarefas, vivenciar conhecimentos, respeitando valores de maneira inteligente e sensível, constituem algumas das características da gestão educacional.

Presume-se que o gestor conheça a dimensão do conjunto organizacional, isto é, a escola como realidade global e seja capaz de adaptá-la às exigências do mundo atual. Todo gestor pode ser um desenvolvedor de pessoas, no sentido de torná-las preparadas para o direcionamento dos processos da sua instituição. Ribeiro (2010) diz que exercer a gestão em uma instituição de ensino, em suas diferentes dimensões, é superar limites e levar a organização a se desenvolver, motivar e agregar pessoas em torno de objetivos comuns. Aliamos a esta afirmação o estar atento em promover a interatividade, ser criativo, respeitando a sensibilidade e manter constante diálogo, enfim, assumir-se como profissional.

A vivência dessas atitudes na gestão escolar nos remete ao educador Anísio Teixeira que, de uma administração escolar baseada na administração de empresa, passa para o aspecto da valorização da pessoa. Como administrador e gestor, junto aos órgãos da educação e pelo seu empreendedorismo em reformas de ensino do Distrito Federal (DF) adquiriu um distinto humanismo. Ainda, como secretário da educação, deixou este legado na atual LDB, nº 9.394 (BRASIL, 1996). Assim, torna-se compreensível que a instituição escolar tem como característica principal a humanização, porque se trata de pessoas. Educação como processo

que se constrói com ações de interação e de sociabilidade humana e se expressam no cotidiano (TEIXEIRA, 2008).

O gestor é também um educador, cujas decisões são inspiradas pela prática da educação. O professor e administrador Anísio Teixeira afirma que “somente o educador ou o professor pode fazer administração escolar” para depois concluir que “se alguma vez fez a função de direção faz-se uma função de serviço e não de mando” (TEIXEIRA, 1968, p. 17).

A já mencionada educadora paranaense Heloísa Lück (2002; 2006), diretora educacional do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap), em Curitiba/PR, e consultora do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), expressa e defende o estímulo a um trabalho de equipe em diferentes âmbitos da organização escolar. Onde isso ocorre, diz ela, nasce um ambiente favorável ao trabalho educacional, que valoriza os diferentes talentos das pessoas e faz com que todos compreendam seu papel na organização e assumam novas responsabilidades em vista da missão. Considerando-se este aspecto, o ser humano se tornou o elemento-chave no desenvolvimento das organizações educacionais, tanto como alvo do trabalho educativo promovido por gestores na condução de processos eficientes e bem-sucedidos, assim como junto aos docentes e discentes.

A reflexão de Arroyo aponta para a identidade social da escola e de seus mestres, afirmando que esta só pode ser construída no exercício de suas práticas. Por isso, continua o autor, é preciso politizar o cotidiano escolar, por meio da consciência de suas práticas e competências. Essa ideia está condizente com a expressão de Freire sobre a politização das pessoas. Elaborar projetos escolares é colocar na mesa dos valores crenças, sentimentos e, acima de tudo, assumir também inseguranças (ARROYO, 2001).

Sob este prisma, surge-nos uma questão: como politizar no contexto da educação confessional católica embasada no conceito de sociabilidade humana que proporciona e defende? Ao olharmos o contexto da educação e da sociedade, sentimos que não são respostas acabadas que irão nortear o trabalho educativo, senão a busca de alternativas e estratégicas no cotidiano escolar.

Os questionamentos prosseguem: como desenvolver uma educação em valores ao nos apercebemos que nas últimas duas décadas, com vistas a alcançar um padrão internacional de qualidade educacional, o Brasil passou a adotar uma série de políticas educacionais de avaliação que pudessem responder aos desejos de aprovação em vestibulares, muito mais acentuados do que uma educação em valores?

Como entender, neste contexto, o desenvolvimento de uma educação em valores, se a aquisição do conhecimento e a participação em cursinhos de vestibulares são mais

significativas e procuradas? Os critérios adotados são contrários ou ignoram as especificidades dos saberes, da cultura local e daquilo que poderíamos chamar de valores que as instituições confessionais católicas professam por meio dos seus projetos político- pedagógicos (PPPs).

Assistimos e acompanhamos a implantação do Sistema de Avaliação de Educação Básica (SAEB), a Prova Brasil, o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) e o Sistema de Integração Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), todos eles criados com a finalidade de apresentar o retrato da situação educacional no país. Com a criação do Program

for International Student Assessment (PISA), pela Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2000, o Brasil passou a sofrer uma pressão externa mais enfática dos países desenvolvidos e das grandes agências multilaterais, para que melhorasse seu desempenho nos índices educacionais (GALVÃO; GUIMARÃES IOSIF; SCÁRDUA; DASSOLER, 2012).

Entendemos que estas questões constituem grandes desafios para a instituição escolar, hoje, época de tantas mudanças, somado ao desencadeamento de uma educação em valores na perspectiva da sociabilidade humana. Outro item desafiador volta-se para uma sociedade globalizada, na qual o dinheiro é mais importante do que o ser humano como sujeito e ser crítico, produtor de conhecimento e construtor de sua história (FERREIRA, 2010). As diferentes mídias e tecnologias absorvem e dificultam as vivências em que valores, até então, considerados importantes se tornam banais ou sem importância.

A escola possui algo muito peculiar, uma vez que o seu foco são as pessoas, a troca de conhecimentos, a interação que aí se estabelece. Por essa razão, a educação visa preparar a pessoa para a cidadania ativa, onde ela seja capaz de ações libertadoras, autônomas e respeitosas entre si e com os demais seres humanos. É o que preceitua a Constituição Brasileira no seu artigo 205, nos termos:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Aliada à Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (LDBEN) nº 9394, (BRASIL, 1996), apresenta os princípios constitucionais, incorporando o respeito à liberdade e o apreço à tolerância. Além disso, a coexistência das instituições públicas e privadas de ensino constitui incentivo à valorização da

experiência extraescolar e a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas de solidariedade. Numa sociedade em constantes mutações, o aspecto da solidariedade entre grupos e povos tende a deteriorar-se, ao invés de as pessoas se darem as mãos e estabelecerem uma corrente solidária em benefício de todos (PASCHOAL, 2009).

A própria educação traça, por meio dos seus objetivos, a necessidade das pessoas cultivarem as relações humanas, a fim de que sintam-se engajadas no meio em que vivem na sociedade (CALIMAN, 2012). Além disso, ela remete a valores que contribuem para a formação do ser humano, na expressão de Caliman (2012), a relação educativa é essencial para que aconteçam os processos educativos na educação social para se construir boas relações baseadas na confiança e na presença mútuas entre as pessoas.

Alguém poderá nos questionar sobre uma série de elementos e expressões que compõem o texto desta pesquisa e estão relacionadas às instituições confessionais católicas. Por exemplo, falamos de filantropia, pedagogia social, cidadania, sociabilidade, gestão, currículo, valores. Como isto tem contribuído para o desenvolvimento da tese? Para nossa compreensão, estes termos são elementos que perfazem toda uma dinâmica da vida e do fazer pedagógicos de uma instituição de ensino. Neste sentido, a menção nos recorda o envolvimento das instituições nos diferentes ambientes que proporcionam o crescimento que abrange a comunidade educativa.

Assim, o texto que segue trata das políticas educacionais e da gestão escolar. Aborda sobre os desafios contemporâneos que envolvem o trabalho realizado nas instituições educativas. Aprofunda também questões relacionadas ao currículo e ao projeto político- pedagógico das instituições. Tem por base as inter-relações que acontecem no recinto da escola, motivadas pela vivência de uma educação em valores na perspectiva da sociabilidade humana.