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A fundição – a cova, o forno, o bronze e o vazamento

Capítulo 1 A Fábrica de Fundição de Sinos de Rio Tinto

1.3. Método contemporâneo de fundição – Fundição de Sinos de Rio Tinto

1.3.3. A fundição – a cova, o forno, o bronze e o vazamento

Concluída a fase final de secagem, a moldação era preparada para ser colocada no interior da cova de fundição de modo a receber em seguida o metal. A abertura no solo podia ser de vários tamanhos sendo que em Rio Tinto constituía um espaço quadrangular, com 2x2m e aproximadamente 2,5m de profundidade.121 Os moldes dos sinos,

normalmente fundidos em quantidade, eram nesta fase dispostos no interior da cova e organizados mediante o seu tamanho e o espaço disponível.

Seguidamente, dispunham-se as badaleiras* no interior do produto da moldação, sendo frequente a sua compactação com terra de modo a conferir resistência e robustez ao molde. A capa era depois elevada, através de cordas ou correntes fixas a tirantes, permitindo a exposição do falso sino, trazido pela primeira vez à luz em estado enegrecido e coberto da fuligem resultante dos processos de secagem e derretimento da cera. Chegado esse momento, o falso sino* era cuidadosamente destruído e o macho* e interior da capa* verificados, de modo a assegurar a correta impressão dos motivos, seguindo-se a sua limpeza através de pincéis.122

As duas partes da moldação eram montadas, reforçando-se com barro fresco as zonas que ofereciam maior perigo de fuga de metal durante o vazamento, como por exemplo a mó* ou a ligação entre a asa* e a capa*, para depois serem aterradas no interior da cova de fundição*. A terra no topo da cova era compactada, com auxílio de pisões*, garantindo desse modo que não se verificariam aluições durante o vazamento.123

120 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 210.

121 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 197; Cf. n.º 7. - 1.1.

Piso 0, Apêndice 1 – Representação Esquemática dos Espaços da Fundição de Sinos de Rio Tinto.

122 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 198. 123 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 199.

O canal ou calha* seria posteriormente construído sobre o fosso, com recurso a tijolos e barro que, em Rio Tinto, eram cozidos por meio de lenha e giesta. Este canal central apresentava um determinado número de ramificações, dependendo da quantidade de moldes que se pretendessem fundir, já que cada uma destas equivaleria à entrada da liga num dos moldes. Durante a cozedura, os gitos* eram cobertos pelos rolhos*, de modo a prevenir a entrada de detritos no interior dos moldes.124 Finalmente, o canal era limpo,

os rolhos* retirados e substituídos por uns paus de ponta afiada e envolta em fio de sisal, designados por antoninhos* na Fundição de Braga, que impediam a passagem da liga para o interior do molde antes do momento certo. Ao serem retirados de forma gradual, principiando pelo molde maior e seguindo para os mais pequenos, estes utensílios permitiriam ao artesão perceber, através do transbordo de material pelo orifício, o momento exato em que o molde ficava completamente preenchido indicando-lhes quando prosseguir para o vazamento do molde seguinte.125

O vazamento propriamente dito corresponde ao momento mais fugaz de toda a moldação e fundição podendo colocar em risco, nos escassos segundos que dura, várias semanas de trabalho. Assim, era importante manter tudo a postos para assegurar que ocorria de forma rápida e individualizada em cada um dos moldes (Fig. 17). O selo da fornalha era então retirado. Em Rio Tinto tal correspondia a uma espécie de rolho maior e mais arredondado e com um gancho que permitia a sua extração à distância, sendo também retirados os antoninhos* paulatinamente, de modo a garantir que cada molde era preenchido ininterruptamente, impedindo a formação de juntas frias que comprometessem a qualidade da fundição. O primeiro molde a vazar era sempre o do sino

124 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 199-200. 125 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 201.

Figura 17 – Representação de um espaço de fundição

durante o momento do vazamento da liga, DIDEROT & D'ALAMBERT: 1772: Pl. VI.

de maiores dimensões, como referimos, impedindo-se assim, caso o material escasseasse, o prejuízo e inutilização dos restantes moldes.

Na Fundição de Sinos de Rio Tinto, o primitivo forno de revérbero*126 deverá ter

sido substituído pelo atual127, a nafta e gasóleo, por volta dos anos 70 do século XX, ao

passo que a Fundição de Braga deverá ter feito essa atualização na década seguinte. Os combustíveis utilizados em ambas as fábricas eram semelhantes, sendo maioritariamente constituídos por lenha de pinho resinoso. Eram necessárias c. de 4 a 6 horas para o metal atingir a temperatura de 1200-1300º C, de modo a ser possível garantir a sua entrada no interior do molde a uma temperatura de c. 1050º C.128 No que concerne à liga utilizada,

registam-se igualmente pequenas variações entre as fundições: Rio Tinto utiliza a percentagem de 77% de cobre para 23% de estanho; Braga utiliza 78% e cobre para 22% de estanho;129 e sabe-se ainda, através das palavras do Padre José António Pinheiro e

Rosa, que a proporção utilizada por Henrique da Silva Jerónimo n’A Nova Lusitânia era de 80% de cobre para 20% de estanho.130 Interessa aqui ressalvar que, seguindo sempre

a mesma relação aproximada de quatro para uma parte, enunciada nos tratados antigos conforme veremos, as três gerações de sineiros fizeram pequenas alterações na liga, o que de algum modo lhes conferiria uma sonoridade característica.

É de notar o facto destas premissas se aplicarem apenas à fundição de sinos novos, uma vez que para a refundição de sinos antigos eram necessários outros cuidados. Como critério basilar era necessário reconhecer a perda do metal por oxidação durante a fundição, pelo que deveria fazer-se o cálculo ao material a fundir assegurando uma margem e colocando sempre uma quantidade superior de matéria, misturando-se o bronze

velho com o bronze novo. Também o ponto de fusão da liga assumia aqui uma posição

fulcral, na medida em que necessitava de estar bem líquida e a uma temperatura desejada

126 Cf. n.º 9. – 1.1. Piso 0, Apêndice 1 – Representação Esquemática dos Espaços da Fundição de Sinos

de Rio Tinto.

127 Cf. n.º 8. – 1.1. Piso 0, Apêndice 1 – Representação Esquemática dos Espaços da Fundição de Sinos

de Rio Tinto.

128 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 202. 129 Cf. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em Portugal. (...), p. 203.

130 Cf. ROSA, José António Pinheiro e (1947) – Vozes de bronze, os sinos das torres do Algarve, Faro, Junta de Província do Algarve, p.30 Apud. SEBASTIAN, Luís (2008) – História da fundição sineira em

para se alcançarem os sucessos da fundição. Embora em Braga existam já aparelhos que permitem o acompanhamento rigoroso da temperatura da liga, Rio Tinto contava apenas com a experiência empírica dos seus operários que, pela observação da cor do metal, das suas chamas, do estado de liquefação e da textura do metal, sabiam qual o momento certo para iniciar o vazamento.131