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2.2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA ECONOMIA BRASILEIRA

2.2.1. A Gênese da Dependência e do Desequilíbrio

Embora se possa criticar qualquer recorte histórico para caracterização de um cenário de dependência, interna ou externa, o fato marcante é a verificação de que o entrave do desenvolvimento e seus impactos regionais são, na verdade, de natureza política, e refletem as conseqüências das opções assumidas em algum momento da formação econômico-social de uma região.

No caso brasileiro, esta afirmação se confirma de forma clara frente aos imperativos de uma formação histórica que, por orientação de mercado ou por comodidade, se caracteriza pela opção da colônia por exploração e pela ocupação territorial esparsa, proveniente da extensividade e do provento diversificado de recursos naturais, tanto de origem mineral como de prática agrícola.

Essa ocupação desordenada permite, atualmente, o entendimento das diferenças regionais, em que ciclos produtivos não-sustentáveis marcaram a importância e a decadência de várias regiões enquanto cenários de relações sócio-econômicas. Os ciclos econômicos, característicos de toda a história brasileira, são exemplos inquestionáveis de tal ponderação.

A empresa açucareira se prende ao Nordeste (séculos XVI e XVII), por questões de geopolítica e, ali, promove um certo crescimento econômico-social, com pequena urbanização do litoral e enriquecimento dos donos de engenho, mas não é suficiente para promover os efeitos de encadeamento produtivo, pois seu vínculo maior é com o abastecimento do mercado externo e com a Coroa Portuguesa, sem orientação destinada a sustentabilidade regional.

Rompido este ciclo, por razões extremamente estudadas pelos teóricos de História Econômica, um outro, com mesma destinação do anterior, se posta como atividade-mor. A exploração aurífera migra a atividade econômica para o interior, e a “riqueza” nordestina é relegada à possível auto-sobrevivência.

O ciclo aurífero, com característica menos concentradora que o açucareiro, promove um pequeno dinamismo de mercado interno16 com crescimento das atividades ligadas a um comércio local de abastecimento, até pela localização geográfica17, porém não é capaz de consolidar um mercado nacional. O alto custo da exploração e a dependência por bens manufaturados importados promoveram lucratividade média bem menor que a atividade açucareira, o que levou, frente a incipiente base técnica e as dificuldades naturais, a sua rápida decadência. (Furtado, 1989: 78-86)

16 Tal referência já denotava a tendência de exploração intensiva de recursos naturais minerais, a importância da atividade de mineração como componente da base econômica brasileira e também com orientação para o mercado externo.

17 Destaca-se que, além do cenário das Minas Gerais, mesmo que cm menor grau, já eram mantidas atividades ligadas à mineração de ouro também no Centro-Ocste brasileiro, onde futuramente se configurou o estado de Goiás.

O enfraquecimento deste ciclo origina uma nova busca por alguma atividade econômica que permitisse a manutenção da “vida” econômica do Brasil. A cultura cafeeira se apresenta como a nova orientação, migra a atividade econômica para São Paulo, e subjuga a “riqueza” mineira à perda de sua importância.

Em resumo, enquanto a Europa vivia os impactos da Ia Revolução Industrial (século XVIII), substanciada na ascensão do capitalismo industrial e fabril, o Brasil confirmava sua tendência de colonização por exploração, sustentada, na sua maior parte, pela extração aurífera no interior das Minas Gerais.

Durante o século XIX, enquanto o mundo assistia à 2a Revolução Industrial, onde o capitalismo industrial se firmava como alavanca do crescimento econômico; enquanto a sociedade moderna passava por intensas transformações, no que se refere às conquistas dos direitos à cidadania; o Brasil se reportava à introdução da cafeicultura, em bases escravistas e senhoriais, como opção produtiva, e ao rompimento passivo com a Coroa Portuguesa, como opção de Estado Nacional.

Essa transição neocolonial reforçou a concentração das atividades econômicas em regiões específicas, especialmente em São Paulo, exclusivamente vinculadas à tendência de oferta de recursos da natureza, destacando-se a fertilidade do solo e sua extensividade.

A política nacional preocupava-se em garantir o menor esforço possível no sentido de arrecadação tributária que provesse recursos ao novo Estado, principalmente recursos relacionados a crescentes montantes de exportação.

O ciclo cafeeiro, em termos históricos, parece ser o mais concentrador tanto de renda como regional, no que se refere a uma proposta nacional. Enquanto produto nobre, de ampla aceitação internacional, dá a seu produtor o “status” de elite econômico-social, de articulador dos rumos do país, de capitalista nacional, de ideologia dominante e hegemônica. Cria a ilusão da modernidade, da riqueza, da formação de uma burguesia nacional, de um ideário “desenvolvimentista”, que permaneceu até as primeiras décadas do século XX.

Porém, há que se destacar que a própria história tende a confirmar este caráter ilusório, permitindo que tal estrutura sócio-econômica seja intensamente questionada.

Segundo Fernandes (1987: 201): “As impossibilidades históricas formam uma cadeia, uma espécie de círculo-vicioso, que tende a repetir-se em quadros estruturais subseqiientes”.

Os quatro primeiros séculos de história do Brasil caracterizam uma economia de natureza extrativista-agrícola, cujo crescimento se deu de forma horizontal, no bojo da dependência da economia mundial, enquanto fornecedora de produtos primários, sustentada na reprodução estrutural, na opção pelo capital agrário-mercantil, na crença de que a inserção passiva ao comércio internacional, via vantagens comparativas, seria o caminho para a consolidação do Estado Nacional brasileiro. (Furtado, 1989)

Assim, de forma analítica, o que se conclui é a natureza hierarquizada em que as atividades se mantiveram. As desigualdades regionais e sociais são fruto dessa hierarquização, da não aceitação de que o caminho do desenvolvimento não se dá pelo capital agrário ou mercantil, sendo estes apenas estágios intermediários para a consolidação capitalista.