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Análise Empírica

VII. A GETES DE A POIO S OCIAL

Resumo: A presente análise segue como fonte as entrevistas conduzidas nas três cidades a agentes de apoio social.

VII.I. Universo de Análise

Esta é uma fase de análise essencial para melhor compreender o fenómeno de sem-abrigo como um problema social partilhado. Uma vez que as intenções estão longe de pretender alcançar “verdades” ao comparar os testemunhos dos agentes de apoio social e sem-abrigo, os dados devem ser lidos como percepções.

Quadro 10. Interlocutores dos Agentes de Apoio Social Entrevistados

Área Profissional omes Instituição Cidade

Direcção/ Coordenação

Georges Elsholtz CASP (CHRS) Paris

Luc Monti Cité André Jacomet (CHU) Paris Moussa Le Cœur des Haltes (Centro e Equipas Rua) Paris Jean Louis Dauteuil Cité Saint Martin (CHRS) Paris José Ferreira CML – NIPSA/ECAN - “Plano Lx” Lisboa

João Silva “O Companheiro” Lisboa

Miguel Lamas CML – “NIPSA/ECAN”/ Equipas Rua Lisboa António Bento Hospital Psiquiátrico Lisboa Lisboa

Gary Lashko Carr-Gom Londres

Gus Scantlebury Cornestone YMCA Londres

Paul Anderson e Linda Briheim-Crookall Homeless Link Londres Virginia Tshibangu Refugee Housing Association Londres Mary Kneafsey Providence Row Housing Association Londres

TOTAL = 13 (Paris = 4; Lisboa = 4; Londres = 5)

Técnicos Intermédios

Helene Touluc EMAUS, Relações Públicas Paris Miloud Aissaoui Cité André Jacomet (CHU) Paris Nidia Leonardo Serviço Emergência Social, SCML Lisboa Inês Soares CML – “NIPSA/ECAN”/ Equipas Rua Lisboa

Joana Frade Centro Graça, AMI Lisboa

Joan Connection St. Martin’s Londres

TOTAL = 6 (Paris = 2; Lisboa = 3; Londres = 1)

Voluntários Maria João Palma Comunidade Vida e Paz/ Equipas Rua Lisboa Adelaide Comunidade Vida e Paz / Aconselhamento Lisboa

TOTAL = 2 (Lisboa)

TOTAL GLOBAL: 6 (Paris) + 9 (Lisboa) + 6 (Londres) = 21 Entrevistas

Nota: A título exploratório foi realizada uma entrevista a um protagonista de destaque da investigação nesta área (Isabel Baptista – CESIS e FEANTSA). Parte desta informação é incluída na análise mas não no que respeita ao trabalho de fornecimento de serviços, ou seja, quanto à delimitação do conceito de sem-abrigo.

Como a tabela o demonstra, os entrevistados ocupam funções desde o nível de coordenação, técnicos intermédios e voluntários. Neste contexto, a natureza e características da instituição de pertença (religiosa, não-governamental, etc.), bem como a posição ocupada (funções, hierarquia), constituem possíveis condicionantes das percepções dos indivíduos. No entanto, as entrevistas não procuraram explorar estes factores, mas antes estabelecer um quadro geral de compreensão e concepção do fenómeno, incluindo o design, implementação e desenvolvimento dos serviços sociais. Trata-se de uma análise de pequena escala em que

apenas se poderá presumir que os vários exemplos singulares são partilhados, independentemente da sua representatividade.

Em suma, não se trabalhando a influência da categoria profissional, optou-se por referir a instituição ao invés do nome do entrevistado. A não menção à instituição significa que o ponto de vista expresso é partilhado pelos vários entrevistados. Os dados referentes a cada cidade são apresentados por ordem alfabética (França - Paris, Portugal - Lisboa e Inglaterra – Londres). Para mais, as instituições incluídas na análise inserem-se num sistema de apoio delineado ao nível nacional pelo que se aconselha a leitura da caracterização genérica realizada, a par da apresentação das instituições contactadas.278

VII.II. Delimitação do Conceito de Sem-Abrigo A) Paris

São várias as denominações utilizadas: “SDF” (sem domicílio fixo), “sans-abri”, “clochard”, “usagers”. O SDF é alguém que dorme nas ruas ou em centros nocturnos. O SDF é também aquele que não tem residência fixa e está em contínua movimentação entre casa de amigos e pensões, sem necessariamente se tornar “clochardisé” (Cite Saint Martin).

Verifica-se haver um hiato entre o campo da investigação e os que quotidianamente apoiam a população no terreno: “não sou um especialista mas é apenas a minha experiência” (André Jacomet). Por outro lado, entre as várias ONG não há necessariamente a preocupação de chegar a uma definição comum: “tenho na minha cabeça o que é um sdf mas não sei se o outro do lado que fala está a pensar na mesma coisa” (Cite Saint Martin). Encontrar uma definição é relevante para o campo da investigação no sentido de reunir dados quantitativos (como o INSEE), mas para os fornecedores de serviços, quando as intenções são não discriminar casos a apoiar, tal não é relevante. (EMAUS). Nas áreas sociais não há qualquer falta de documentos ou estudos. Há dados disponíveis acerca de tudo e cada organização tem também a sua informação interna (CASP).

B) Lisboa

A população, de acordo com o contexto, é denominada de sem-abrigo, beneficiários ou utentes.

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Em Anexo “Caracterização Geral dos Serviços de Apoio dirigidos à População Sem-Abrigo (França, Portugal e Inglaterra)”; e “Apresentação Geral dos Agentes de Apoio Social (Paris, Lisboa, Londres)”.

A definição geral seguida em termos de investigação social toma em especial consideração os indivíduos a dormir nas ruas e centros de acolhimento (CESIS/FEAOTSA – entrevista exploratória).

No que respeita aos prestadores de serviços, regista-se um caso de operacionalização da definição que diferencia os “realmente sem-abrigo” e os em “domicílio instável”. Os primeiros são os sem-abrigo em condição de rua normalmente “institucionalizados”, ou seja, conhecidos pelas instituições ou indicados pelas equipas de rua, a par dos “recém-chegados”. É considerado que para que a pessoa esteja numa situação de sem-abrigo tenha de ter passado por diversas rupturas: emprego, família, saúde, etc. Na segunda categoria operacional, e apesar de não ter uma condição habitacional estável ser essencial, estão os casos que podem “nada ter de sem-abrigo”. São indivíduos que não passaram pela rua e, embora não acumulando todos os níveis de rupturas, a sua autonomia está ameaçada (exemplo, mulher com criança após recente separação) (Serviço de Emergência Social – SCML).

A definição da FEANTSA representa um alargamento do conceito de sem-abrigo. Tal é considerado positivo uma vez que se passam a contemplar outros níveis de privação social, como a solidão e o isolamento. As equipas e rua são levadas a localizar situações em contextos diversificados (exemplo, do percurso de saída dos hospitais) e em função de diferentes condições habitacionais. Neste sentido, é necessário planear a reinserção social dos indivíduos de uma forma integrada – diversas esferas sociais, acompanhamento avaliativo e promoção da cooperação entre instituições. Todavia, é também salientado que este alargamento da definição não deve deixar de ser limitado por indicadores operacionais relativos à habitação pois, caso contrário, todos os indivíduos (já que todos temos carências afectivas) seriam susceptíveis de ser classificados como sem-abrigo279 (CML – Equipas de Rua).

São incluídas categorias de domicílio instável e degradado e violência doméstica, como situações de risco, para efeitos de atribuição de habitação social (CML – Plano Lx).

Foi sublinhado que há uma abordagem segmentada do fenómeno uma vez que cada organização segue a sua própria definição. Os dados não são comparáveis tornando inalcançável uma análise global do panorama nacional. Neste contexto, é também mencionado que para objectivos de investigação social não é fundamental encontrar uma definição comum de sem-abrigo, mesmo considerando os impactos da diversidade de conceitos ao nível da obtenção de dados quantitativos. O essencial é ter presente e

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O entrevistado refere a obra de Stig Dagerman – “A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer” das Edições Fenda

compreender os efeitos da coexistência de diferentes definições e deixá-las explícitas. Para mais, os factores de risco enumeram características sociais e demográficas da população correntemente numa situação de sem-abrigo, sendo um instrumento explicativo construído a posteriori (CESIS/FEAOTSA – entrevista exploratória).

É necessário tomar em consideração o factor “opção” para delimitar a população a incluir na definição, nomeadamente entre o segmento da população imigrante que utiliza os centros de acolhimento como forma de poupança (CML – Equipas de Rua).

Durante os anos 80 não havia sequer uma definição de sem-abrigo e representava um trabalho extremamente solitário. Actualmente, são mais as pessoas a trabalhar nesta área do que os próprios sem-abrigo, e com vários discursos e métodos (Hospital Psiquiátrico de Lisboa). Porém, continua a ser um domínio da investigação social que não parece mobilizar o interesse dos investigadores (CESIS/FEAOTSA – entrevista exploratória). A troca de experiências e participação em redes de investigação ou grupos de trabalho europeus é positivamente apreciada (Hospital Psiquiátrico de Lisboa e CESIS/FEAOTSA – entrevista exploratória). Casos de estudo de outras realidades podem também ser produtivos para construir formas de actuação alternativas. Para se chegar aos casos invisíveis seria útil desenvolver a análise das redes de sociabilidade da população sem-abrigo, bem como poderiam também ser fontes de informação relevantes os Censos populacionais e o serviço nacional de emergência médica (INEM) (CML – Equipas de Rua). A pesquisa tem em falta a análise das famílias em pensões assistidas pelos serviços sociais (CESIS/FEAOTSA – entrevista exploratória).

C) Londres

O Reino Unido tem uma definição legal de sem-abrigo. Existem várias categorias: rough sleepers, statutory, non-statutory, hidden. A melhor forma de compreender a definição é tomar em consideração diferentes subsectores. “Statutory” significa que o governo tem a obrigação de apoiar e que a pessoa obedece aos vários critérios de não intencionalidade, ligação local, vulnerabilidade. Os “non-statutory” são os que dormem nas ruas (“rough sleepers”) e os casos escondidos (hidden), para quem o Estado não assume responsabilidade de fornecer habitação temporária. Outros subsectores são o alojamento temporário statutory e não-statutory: a maioria dos B&B são statutory e as hostels algumas são statutory e outras não-statutory. Um indivíduo é também considerado sem-abrigo se viver em condições de habitação inadequadas (sem água corrente, tectos a ruir, sobrelotados) (Homeless Link). Existem diferenças nacionais na sequência de áreas legais pouco definidas e das variações de avaliações entre autoridades locais. É possível que um caso seja considerado statutory

homeless por uma autoridade local e não por outra (num borough, e não noutro), em consequência de aspectos como ter a representação de um advogado, a disponibilidade de alojamento e habitação, a assistente social com que se fala, etc. Existem também diferenças entre os quatro países pertencentes ao Reino Unido (Homeless Link).

Algumas autoridades locais são extremamente rígidas e é muito difícil ser aceite. A lei define que as autoridades locais têm de ter uma estratégia de actuação, mas não estabelece que os indivíduos que se candidatam sejam automaticamente aceites como sem-abrigo. Tal permite que muitas das autoridades tenham modos subjectivos de aplicar o critério de vulnerabilidade. Há uma maior objectividade quanto à intencionalidade. Os estudos comparativos entre países estão “muito na moda” (Refugee Housing Association).

Seguir uma definição europeia é complexo, especialmente quando é já difícil reunir as diferentes áreas locais de Londres num trabalho conjunto. Por outro lado, os sistemas de segurança social são incompatíveis na medida em que existem serviços sem equivalência em todos os países (exemplo, dos asilos à moda antiga na Europa de leste onde são colocados os doentes mentais). Actualmente, a grande expectativa no Reino Unido recai sobre o parlamento escocês que se encontra a preparar uma revisão da classificação de grupos prioritários (Homeless Link).

VII.III. Quantificação da População Sem-Abrigo A) Paris

É mencionado um total de 20 000 SDF em Paris. As estimativas são muito variáveis. São situações tão precárias que ao dia da entrevista podem ali estar, mas no dia seguinte já não (CASP).

B) Lisboa

É referido um total de 2 000 sem-abrigo em Lisboa: uma metade pode ser considerada constante e a outra sazonal, alterando-se as características sociodemográficas dos indivíduos. Os movimentos sazonais estão associados a festividades locais e incluindo também Espanha (exemplo, 13 Maio em Fátima; em Junho os Santos em Lisboa e Porto; Espanha a 13 de Outubro). Pode ser mesmo afirmado que existem sem-abrigo de Verão e sem-abrigo de Inverno. Dos 1 000 casos constantes, 700 estão institucionalizados, significando que têm algum tipo de contacto com uma instituição social, e os restantes 300 estão adaptados à vida nas ruas. É para estes que as equipas de rua são fundamentais (CML – Plano Lx).

Reunir dados quantitativos implica um grande investimento de tempo para, ao mesmo tempo, obter informação pouco detalhada. O estudo do LNEC (Pereira et al. 2001) conta com dificuldades como a não identificação do sexo de muitos casos, e baseou-se em indicações fornecidas pela polícia sem uma observação directa (Hospital Psiquiátrico de Lisboa).

A denominada “tenda de emergência” da CML é uma fonte de contagem parcial. Em 2003, a população total que utilizou esta infra-estrutura provisória de cinco meses foi de 800. Estes são considerados os casos “hardcore” da população uma vez que não havia muitas exigências ou regras (CML - Equipas de Rua).

C) Londres

É referido um total de 1 500 sem-abrigo nas ruas para o ano de 1997 na Inglaterra. Os restantes números conhecidos dizem respeito: aos statutory e candidaturas a habitação social rejeitadas. São números desconhecidos: os non-statutory que não dormem nas ruas e nem fizeram uma candidatura a uma autoridade local; e, os hidden homeless. Os últimos não estão nas ruas nem têm um alojamento, podendo estar em hostels temporárias, com amigos ou familiares. Este número é praticamente impossível de ser apurar uma vez que não é claro como fazê-lo. A organização Crisis apurou 390 000 pessoas, mas é provavelmente um cálculo incorrecto (Homeless Link).

Os dados acerca dos sem-abrigo que dormem nas ruas podem também não corresponder ao universo real. Com a política de redução do número de sem-abrigo, a metodologia de contagens tornou-se questionável. Não é seguro afirmar com toda a certeza, mas pode haver um incentivo para as autoridades locais manterem os números da melhor forma possível, uma vez que são avaliados pelo governo central (Homeless Link).

Duas questões estão aqui subjacentes: como se conta realmente as pessoas que estão a dormir nas ruas? e quem contar? No que respeita ao modo, as instituições assinalam os locais que sabem que as pessoas tendem a utilizar; numa determinada noite vão para as ruas e contam todos os locais, mas não existe forma de saber se tal cobre, ou não, todo o “borough”. Outro aspecto é se a pessoa está sentada e não a dormir, ou utiliza o interior dos edifícios ou parques de estacionamento, uma vez que não será incluída. A coordenação entre os diferentes boroughs é também questionável. Para o quem incluir nas contagens, a questão proeminente é agora se devem ser considerados os casos de imigração, nomeadamente da Europa de leste. O ponto sensível desta questão é a de estabelecer se o governo terá de assumir responsabilidades em apoiar este segmento populacional e, apenas nesse caso, inclui-lo nas contagens. Os números aumentarão quando os objectivos da política actual são de redução (Homeless Link).

O caso dos refugiados é tratado no âmbito da política geral de redução de sem-abrigo nas ruas, num contexto em que a ênfase das autoridades locais vai também para a redução dos casos aceites como statutory. Deste modo, o esforço é tentar levar a que os indivíduos optem por outras soluções habitacionais, ao mesmo tempo que nove em cada dez casos aceites não são registados estatisticamente. Basicamente, a nova legislação levará a que o número de pessoas registadas como sem-abrigo diminua sem significar que haja um real decréscimo. A temática dos refugiados não deixa de ser polémica e enfatizada: “The English are like of reserve and don’t link to promote themselves and then they go to the other extreme where they shout about things quite illogically and I think the all refugee problem is one of those things that has been shouted about disproportionably when you look at the statistics the UK is not at the top 10 receiving country…” (Refugee Housing).

O método de contagens seguido trimestralmente pela polícia pode ser falível. É dito que, de forma a captar a mobilidade da população na rua, as contagens são repetidas ao longo de diferentes horas. Para se evitar registos duplos é seguido o seguinte procedimento: “They say wake up.. What’s your name..?”… “Then remember more or less they names and say: “before you said you were James”; “also to remember there cloths – because normally they use the same cloths or their physiognomy”. Nestes momentos de contagem, são intensificadas as desmobilizações dos sem-abrigo da rua para os centros para que os números registados sejam inferiores (Saint Martin’s).

VII.IV. Princípios Gerais de Intervenção

A descrição realizada pelas várias instituições permite destacar os seguintes factores comuns de caracterização genérica da intervenção seguida:

 Predomínio dos serviços de alojamento nas cidades principais de cada país  Crescimento da visibilidade do fenómeno social de sem-abrigo nos anos oitenta Foram vários os tipos de habitação temporária, anteriores aos centros de acolhimento nocturno actuais, criados nas três cidades: as grandes camaratas associadas ao trabalho itinerante; infra-estruturas de grandes dimensões num formato entre hospital psiquiátrico e estabelecimentos prisionais para receber indivíduos considerados vagabundos, delinquentes e doentes mentais; e, pensões de custo pouco elevado para indivíduos com fracos recursos económicos, e frequentemente em mobilidade. Consoante os contextos nacionais, o mercado de habitação passou, ou não, por uma estratégia de habitação social. Este tipo de habitação é actualmente escasso nas três cidades em análise. Os anos oitenta (alguns casos noventa) marcaram uma nova abordagem estatal de apoio aos indivíduos em situação de sem-abrigo,

que veio apostar num aumento e melhoria das condições do alojamento temporário (como quartos com menor número de camas) e na criação de equipas de rua.

No caso da Inglaterra, estabeleceu-se em 1997 (depois para 1999 e adiando-se posteriormente para 2002) a meta de redução de sem-abrigo nas ruas em 2/3, através de uma abordagem sistemática das equipas de rua. Quanto ao financiamento das instituições que operam no terreno, assistiu-se recentemente a um aumento da monitorização governamental no sentido da simultânea promoção da qualidade dos serviços e uma política de redução de custos.

 Polarização: emergência e longo termo

A emergência tende a ser indiferenciada, de curta duração, rotativa, saída compulsória e, em alguns casos, de acesso directo, e o longo termo mais criterioso e especializado por grupos, ou principais necessidades.

Apesar do acesso a centros de emergência ser caracterizado como directo e indiscriminado não significa que “baste bater à porta” para ter direito de entrada. Isto porque poderá não haver vagas, uma vez que estas foram já ocupadas por indivíduos encaminhados por outras instituições, equipas de rua, linha de emergência social (Lisboa e Paris), etc. Os encaminhamentos e referências constituem, por um lado, instrumentos de gestão dos lugares de emergência (sem capacidade de resposta para a procura total), e, por outro, visam criar um primeiro momento de triagem, servindo para dar às instituições receptoras uma maior segurança.

A frequência de estadias para além dos limites de duração idealizados, bem como as sucessivas renovações, e consequente entrada e saída no mesmo centro, demonstram que o plano de emergência é também utilizado como resposta instável de longa duração.

Em Paris, a duração das soluções de emergência tem vindo a ser alargada (nomeadamente de uma só noite para sete e quinze dias) para assim se procurar colmatar dificuldades da população, como ter a possibilidade de deixar os bens pessoais no centro, e acesso a serviços complementares de aconselhamento e pedido de benefícios e pensões sociais. Todavia, as saídas compulsórias matinais continuam a colocar vários constrangimentos ao nível da organização de vida e sociabilidades dos indivíduos, mas são vistas como necessárias para a sua não estagnação.

O acesso directo está aparentemente mais dificultado em Londres, onde os centros tendem a ser especializados por grupos alvo de acordo com idade, género, problemática, etc., criando- se, todavia, excepções para situações consideradas vulneráveis. Por outras palavras, a estruturação dos serviços, apesar de semelhante em termos do percurso rua e passagem por centros hierarquizados, não aposta numa vertente de emergência, mas sim numa

especialização por grupos alvo, também com benefícios sociais específicos. Os benefícios acumulam-se por áreas sociais (saúde, desemprego e habitação) mas podendo levar a que, se excluído de um determinado domínio, o indivíduo acabe por ficar desprovido de qualquer apoio.

A abordagem de emergência assume um carácter sazonal havendo estruturas que apenas funcionam nos períodos de maior frio. Em determinados casos, as instituições têm vindo a apoiar-se em centros de dia para receber indivíduos de uma forma mais directa, e que poderão vir a ser posteriormente encaminhados para uma resposta de alojamento. Nestes casos, o apoiado será acompanhado sempre pela mesma instituição.

O alerta das instituições vai para a necessidade de criar serviços pós-atribuição de habitação, havendo a necessidade de um acompanhamento psicossocial continuado. Este investimento é ainda díspar entre os vários contextos. No caso da Inglaterra, as “Tenancy Sustainment Teams” têm como principal objectivo quebrar o ciclo de situação de rua e dar apoio ao nível