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Construções do Risco de Homelessness

IV. D ILEMAS DE R ISCO A CERCA DOS S EM A BRIGO

Resumo: Este capítulo explora o impacto das representações sociais acerca dos sem-abrigo (de desviantes a excluídos) sobre práticas de controlo social, de apoio social, e para os próprios sem- abrigo enquanto beneficiários.

IV.I. Discursos de Risco e Controlo Social

Uma das formas de discurso de risco acerca dos sem-abrigo é considerar os mesmos desviantes, estereotipados enquanto alcoólicos, toxicodependentes, criminosos, delinquentes, entre outros. Neste sentido, esta população é retratada como um risco para a segurança e higiene pública, e consequentemente alvo de medidas de controlo social.

Para Declerck171 a sociedade necessita que a sua vida seja estruturalmente difícil para que se reforce a ordem social e a marginalidade pareça uma alternativa, se não impossível, difícil e dolorosa à normalidade. Dito de outra forma, os sofrimentos infligidos aos transgressores têm a função de estigmatizar para desencorajar as vocações e os fantasmas que podem suscitar. Numa perspectiva evolutiva, constituem referência emblemática da Escola de Chicago os estudos desenvolvidos acerca dos Skid Row172, nomeadamente o trabalho etnográfico de Nels Anderson (1923). O autor distinguiu diferentes tipos173: o vagabundo, que se desloca mas que não trabalha; o ‘casanier’, que trabalha mas sem mobilidade, e, o ‘clochard’, sem trabalho nem mobilidade. No contexto do desenvolvimento das sociedades americanas, estas categorias representavam tentativas de adaptação a condições de extrema instabilidade que se impunham primordialmente ao proletariado. Por outras palavras, o “hobo” 174 assume uma função social ambivalente de acordo com a situação económica: ora uma vagabundagem diminuída e dependente, ora trabalhador migrante com tarefas sazonais ou temporárias (exemplo, construção dos caminhos-de-ferro). Este é um indivíduo itinerante sem vínculos

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“Le clochard, comme le criminel, le toxicomane et la prostituée, est une des grandes figures de la transgression sociale. Il est la figure emblématique de l’envers ricanant de la normalité et de l’ordre social. Il en est bouffon et négatif. Il en est, de par son existence même, le radical critique. De plus, il présente l’apparence d’être libre, sans attaches et sans obligations. En cela, il est séducteur. En cela, il est dangereux. Séduction et dangerosité, dont se protège l’ordre social, en condamnant les clochards, comme les autres marginaux transgressifs, à une souffrance minimale, mais structurelle. Supportable, mais visible» Declerck, 2001: 347-348

172

“Skid Row é um fenómeno peculiar dos EUA… usado para descrever a pista onde os troncos de madeira eram encalhados para as serrações, e à volta das quais viviam os transportadores de madeira numa comunidade de sítios para dormir, bares, salas de jogo e outras instituições comuns aos sem-abrigo. Bento e Barreto, 2002: 73.

173

Versão francesa - Anderson, 1993: 10-14

174

O “tramp”, “bump”, a par do “hobo” “constituted the triadic folk typology that was particularly prominent in the vernacular of the road during the first third of the century, especially among the hoboes (migratory workers) who regarded themselves as the cream of the road and who looked down scornfully in the tramps (migratory non-workers) and the bums (non-migratory non-workers) (Anderson 1923, 1931). By the 1950s, this threefold distinction had apparently lost its conceptual utility. The terms “tramp” and “bum” were still bandied about, but the hobo concept no longer seems to be a useful, generalized descriptor.” Anderson e Snow, 1987:1354

sociais estáveis, imprescindível para a produtividade económica, acabando por ser, de certo modo, promovida a sua desafiliação.

Samuel Wallace e Howard Bahr são autores que se debruçaram sobre a mesma realidade. O primeiro175 considera os skid row um modo de vida caracterizado inicialmente como de inserção e participação numa comunidade, mas que, ao tornar-se uma situação permanente (carreira), leva a que os indivíduos sejam associados a uma subcultura desviante, em torno de figuras como o alcoólico. Criado um processo de estigmatização, os indivíduos tendem consequentemente a isolar-se.

De acordo com Bento e Barreto (2002), Wallace entende “o processo de se tornar sem-abrigo como uma carreira: o sem-abrigo é julgado pelos outros e avaliado com padrões de vida sem- abrigo. Como noutras comunidades há estatutos hierárquicos, só que, neste caso, trata-se de uma hierarquia invertida: quanto mais afastado dos padrões convencionais mais aceitável…. Wallace distingue ainda outras figuras que constituem carreiras dentro da hierarquia do modo de vida sem-abrigo, progressivamente afastadas do grau máximo de aculturação, a figura do ‘bêbado’: o alcoólico, o hobo, o pedinte, o cicerone (os primeiros que os visitantes – jornalistas, técnicos, investigadores – conhecem, e que se oferecem sempre para conduzir a tour por aquele mundo), os utilizadores de missões religiosas e dos serviços sociais (encarados como colaboradores ou ‘bufos’ pelos outros).”

No mesmo sentido, de acordo com as teorias do controlo social, o comportamento desviante surge como resposta a um etiquetamento dos indivíduos pelos denominados “labellers” ou “controllers”176. Lemert alega que se rotulado enquanto desviante, o indivíduo é forçado a continuar a actuar enquanto tal, tornando-se uma carreira, ou seja, o desvio constitui uma reacção.

No contexto actual, o período marcante para a institucionalização do fenómeno dos sem- abrigo como um problema social agudo foi os anos oitenta. A ênfase pública sobre o crescimento da visibilidade e exigências da população sem-abrigo levou os cientistas sociais, media e o governo, a investirem em estudos e relatórios sobre a natureza das causas do fenómeno. Os sem-abrigo foram renomeados como “novos sem-abrigo” alegando-se que havia algo único e diferente em relação a momentos anteriores.177

As percepções actuais retratam esta população como um “grupo de risco”, no sentido ambivalente de vítimas e desviantes, consoante oscilações económicas e políticas.

175

Wallace, 1965 in Bento e Barreto, 2002: 75-76

176

Fieldman, 1978:202

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Neste contexto, o discurso de risco pode reforçar os mecanismos sociais de atribuição de responsabilidades, nomeadamente por situações de desvio, ao se associar à legitimação de princípios morais. Como Mary Douglas178 salienta o risco reflecte e reproduz fronteiras culturais de natureza diversa que delimitam expectativas e valores: entre indivíduos, entre grupos sociais de uma comunidade e entre comunidades; entre sociedades ocidentais e não ocidentais.

Foucault defende que a modernidade representa um período histórico organizado em termos de visões do mundo e discursos específicos, ou “episteme”, estipulados como “verdade”. O conhecimento é construído em torno de categorias distintivas - “’normal and healthy’ people from ‘deviants and perverts’, and which can be treated.”179, inseridas em práticas de divisão ou diferenciação ao nível de várias instituições sociais, como hospitais, escolas, etc. As instituições disciplinadoras das sociedades modernas organizam as suas práticas através de uma produção escandalosa de identidades e papéis individuais (“lógica do escândalo”180), como o delinquente, que servem como “o outro” contra o qual a normalidade se pode tornar mensurável.

O discurso de risco assume um papel central nas estratégias de normalização e disciplina dos cidadãos, na medida em que estabelece pontos comparativos na capacidade de adaptação às normas sociais.181 Assim, constitui um mecanismo de encorajamento (e algumas vezes de coerção) para que rotineiramente os indivíduos sigam as práticas que os aproximam da norma. O discurso de risco constitui um pivô essencial das estratégias de normalização utilizado para diferenciar indivíduos que, por serem designados “em risco”, requerem aconselhamento, vigilância e auto-regulação.

A vigilância permanente e silenciada (“panopticon”) constitui uma forma de monitorização (do corpo, comportamentos, formas de pensar e olhar o mundo, etc.). Para Foucault, esta forma contemplativa suporta um dos princípios fundamentais das culturas modernas ocidentais, o ‘descending individualism’. A relação entre a posição ocupada na estrutura social e individualização é proporcionalmente inversa. Assim, os que ocupam posições de maior poder são os menos susceptíveis de ser captados por estudos, censos, relatórios de progresso e avaliação no trabalho, etc.182 A própria auto-vigilância é superior para as

178 Douglas, 1992 179 Danaher et al., 2000: 25-26, 29 180 Danaher et al., 2000: 61, 62 181 Lupton, 1999: 61 182 Danaher et al., 2000: 57-59

categorias que caem fora da normalidade (não saudáveis). Neste sentido, o “biopower”183 serve para manter os indivíduos normalizados por sua própria iniciativa (“technologies of the self”184) colmatando assim esferas não monitorizadas pelas instituições (que só o podem fazer em contextos e períodos delimitados).

Por seu turno, Anthony Giddens185 defende que a vigilância assume um papel positivo trazendo mais formas de obter informação a respeito dos indivíduos e suas actividades, proporcionado um aumento das opções de realização pessoal. A vigilância é condição essencial da organização das sociedades modernas extremamente planificadas e baseadas na gestão de informação. Grande parte da informação reunida acerca dos cidadãos em fontes centralizadas (como os Censos) serve aos mesmos de feedback (reflexividade) para monitorizarem as suas posições, perspectivas e estilos de vida.186

No que respeita o caso particular dos problemas sociais, Dean Mitchell187 defende que as várias tecnologias governamentais devem ser diferenciadas: as “technologies of agency (Yeatman)”; as “technologies of citizenship (Cruikshonk)” e “technologies of performance”. As primeiras dirigem-se às denominadas “targeted populations”, ou grupos de risco, e levam a que os indivíduos sejam obrigados a concordar com um leque de medidas terapêuticas normalizantes, desenhadas para a promoção da sua autonomia. Incluem acordos destinados a “dar voz” e “representação” com o intuito de tornar os indivíduos activos e capazes de gerir os seus riscos, e adquirir os serviços e instrumentos que necessitam para responder às suas necessidades. As segundas, de agência, envolvem os agentes activos, consumidores, membros de comunidades e organizações, protagonistas de movimentos sociais e, acima de tudo, capazes de tomar o controlo dos seus próprios riscos. Por fim, o terceiro tipo refere-se à monitorização e implementação de sistemas de avaliação comparativos em domínios específicos (médico, assistente social, professor, etc.), bem como, às técnicas de restauração de confiança baseadas em princípios de transparência e controlo democrático.

Mitchell destaca que as tecnologias enumeradas permitem evidenciar que o risco se privatizou, individualizou, e em certa medida, (re)socializou. Isto porque, de acordo com as diferentes esferas sociais a que os indivíduos pertencem, associam-se distintos níveis de agregação de risco: a família, o local de trabalho, as identificações políticas, etc. Por

183

Danaher et al., 2000: 75

184

“…series of techniques that allow individuals to work on themselves by regulating their bodies, their thoughts and their conduct. These processes are offered to us as avenues through which we can achieve a degree of perfection, happiness, purity and wisdom”. Danaher et al., 2000: 128

185 Giddens, 1994 186 Giddens, 1991 in Webster, 1996:69 187 Mitchell, 1999: 147, 148

conseguinte, determinadas esferas sociais e privadas passam a ser politizadas. Por outras palavras, “It is now open a new subpolitcs field where what as been understood as non- political assumes a growing awareness”188, de onde importa ter presente que esta política não se trata simplesmente da existência de uma maior apreciação do risco entre determinadas populações mas, de igual forma, do modo como os indivíduos se passam a compreender a si mesmos, o seu futuro e necessidades, dependendo da assistência de especialistas e tutores para a identificação e gestão do risco.

A postura da Comissão Europeia é a de que a disponibilização de informação acerca dos indivíduos em situação de sem-abrigo é essencial para o desenvolvimento de estratégias preventivas. Todavia, as definições baseadas na mobilidade ou falta de domiciliação denotam que há também um elemento de ponderação de risco em função da manutenção da ordem pública. Dito de outro modo, a preocupação de contornar o facto de estes indivíduos serem mais dificilmente encontrados, localizados e, logo, vigiados.189

A questão se os sem-abrigo devem, ou não, ser recenseados e monitorizados, e com que finalidades, está relacionado com a forma como os governos, cientistas e media, discutem as responsabilidades do fenómeno. De uma forma geral, nos dias actuais, a presença dos sem- abrigo nas ruas é tolerada. Contudo, podem ser identificadas medidas de desmobilização ou repressão pontuais que, pela sua natureza habitualmente informal ou silenciada (“dissimulada”), se tornam de complexa identificação. Factores como as atitudes da comunidade, arquitectura e design urbano, iniciativas policiais, podem ser parte de uma acção de controlo sem a mesma ser assim explicitamente intitulada. Por outro lado, a assumpção de que qualquer meio se justifica para “tirar as pessoas da rua” pode ser enganadora, já que vem inviabilizar a possibilidade de participação dos visados. De um modo geral, as formas de intervenção tendem a oscilar entre abordagens de coerção, tratamento médico e apoio social. Em suma, a concepção do fenómeno revela uma dupla percepção: como transgressão e como doença misturando-se uma lógica penal e a vontade de reforma do habitus desta população:

188

“It may be that this proliferation of risk rationalities and reliance on the prudential individual means that authorities of all sorts – including national governments – have found a way of governing without governing society. Yet we must realise that there are limits to the “solutions” that have been generated out of the diverse problematizations of the welfare state. If the development of social citizenship, the emergence of social government, and the socialization of risk correspond to the solution of an enduring problem of liberal-capitalist societies, i.e. the existence of inequality and poverty in a society of equals, the such a problem cannot be simply wished away by those who would retract the welfare state, individualize responsibility for the ills of the social system and disperse risks onto the multiple communities and bodies who are to be made to bear them. From a durkheimian perspective, the problem of organic solidarity, of the interdependence of all these “diferents”, has been left unresolved. One does not have to appeal foundational normative morality to assert the necessity of the social.” Mitchell, 1999: 150

189

« Volonté de punir, d’enfermer et de contenir, d’une part, tentative de réforme et de “traitement” du sujet, d’autre part. Nous ne sommes pas sortis de cette contradiction dont l’origine tient à une double perception du phénomène : comme transgression et comme maladie. »190

IV.II. Casos de Repressão dos Sem-Abrigo em França, Portugal e Inglaterra

Atentemos sobre os casos em análise acerca da regulamentação e formas de controlo aplicadas à população sem-abrigo:

• França:

Seguindo como fonte a análise evolutiva das principais medidas de controlo social dirigidas aos sem-abrigo em França de Damon (2002)191, verifica-se que a inversão de uma tendência de repressão para assistência é ainda muito recente.

As medidas iniciais de combate ao fenómeno de sem-abrigo foram tomadas no seguimento da iniciativa do padre Pierre, em Fevereiro de 1954, num período de falta de habitação, em consequência da II Guerra Mundial e gerando uma política pública de habitação social. Até aos anos setenta não havia uma única medida especificamente direccionada aos sem-abrigo e a provisão social baseava-se nas doações de agentes privados, nomeadamente da Igreja. É depois da segunda metade dos anos setenta que são abertos os “centres d’hébergement et de réadaptation sociale” (CHRS) financiados por fundos públicos. Inicialmente foram estabelecidos grupos prioritários (deficientes, viúvas, mães e pessoas isoladas) e apenas posteriormente, em parte devido ao criticismo aos sistemas de asilo, os pobres e marginais. Os vagabundos, pedintes e “clochards” eram considerados desintegrados e desviantes.

Desde 1950, as ofensas de vagabundagem e mendicidade passaram a ser endereçadas pelo melhoramento do acesso ao apoio social, ao invés da aplicação de sentenças. Pelos anos sessenta o número de ordens judiciais decresceu de forma significativa. Por volta dos anos oitenta, o número anual de decisões judiciais era inferior a cem. Os mecanismos subjacentes a esta tendência reflectem as alterações dos comportamentos tomados como objecto de medidas coercivas, pelos juízes, polícia e população geral. Porém, apesar do geral decréscimo de pressão penal, uma parte significativa das práticas públicas era ainda (60s-70s) baseada em eixos coercivos.

A primeira polícia especializada em sem-abrigo foi criada nos anos cinquenta, em Paris. A seguir ao Inverno de 1953-54 foi instaurada uma equipa para unificação de vagabundos que

190

Declerck, 2001: 23

191

mais tarde se tornou na “Brigade d’assistance aux personnes sans-abri” (BAPSA). Nesta altura, a coerção policial focalizou-se nos “nouveaux clochards” que eram jovens, muitas vezes estrangeiros ou indocumentados.

A vagabundagem e a mendicidade foram removidas da lei penal em 1994. Posteriormente, os agentes sociais no terreno passaram a ter mais dificuldades em definir o âmbito da sua intervenção. A BAPSA intensifica a sua acção durante o Inverno e as longas filas de espera de sem-abrigo que aguardam as carrinhas constituem um facto de que o serviço é solicitado. Apesar de, na teoria, apenas desmobilizar para os centros os casos voluntários, uma acção forçada pode ser justificada em prol da protecção dos próprios sem-abrigo (incapazes de prover pela sua sobrevivência). As formas como a polícia actua e as estratégias que os sem- abrigo desenvolvem levam a verificar a existência de alguns paradoxos. A título de exemplo, auto-provocar a prisão é uma forma de esse indivíduo conseguir um abrigo temporário.

Segundo Declerck192, o dispositivo de transporte e encaminhamento do metro de Paris (RATP) sofre de uma ambiguidade estrutural: evacuar os sem-abrigo do metro, eventualmente de maneira coerciva, e propor um livre serviço de transporte ao centro de Nanterre nos autocarros. Esta problemática associada à dupla natureza – repressiva e humanitária – da missão dos agentes traduz-se simbolicamente no facto da recolha social depender do departamento de segurança da RATP. Apesar da tendência de transição do repressivo para o humanitário, a violência contra uma população fisicamente fraca e pouco inclinada a apresentar queixa persiste. Por outro lado, os superiores hierárquicos e sindicatos, entre outros, conhecendo as dificuldades de trabalho dos agentes da RATP, preferem pouco intervir.

A abolição da vagabundagem do código penal foi em grande parte anulada pela proliferação, nos últimos anos, das “arrêtés municipaux” e “arrêtes anti-mendicité” interditando a mendicidade nas grandes cidades. Estes procedimentos permitem levar a cabo “pratiques de déportation quasi sauvages. Bricolages locaux, discrets, complaisants et incontrôlés, dont on peut craindre le pire.”193 Estas medidas de controlo social estão previstas sob a lei civil e têm sido maioritariamente levadas a cabo durante o Verão em localidades específicas. Constituem uma espécie de resposta a preocupações locais e eleitorais geradoras de um efeito de “pingue- pongue” de pessoas, responsabilidades e de problemas, de uma região para outra. De uma forma geral, assiste-se a uma oscilação de medidas de actuação sazonal: “l’articulation entre

192

Declerck, 2001: 62,63

193

la sécurité et la solidarité (en été), ou l’articulation entre le droit de circuler et la non- assistance à personne en danger (en hiver)”.194

Uma das principais preocupações da definição de comportamentos como “anti-cívicos” ou “anti-sociais” é que acaba por levar a julgar a situação do indivíduo, ou status, e não o seu comportamento, ou seja, a sua presença. Na essência, um estatuto é confundido com uma actividade. No caso dos sem-abrigo o problema é que o excluído é considerado como “o outro”, o mendigo é apreciado como “diferente”, quando necessitariam de intervenções, ao menos em termos policiais, diferenciadas. Para mais, a denominação “anti-social” designa comportamentos e fenómenos muito diferenciados, incluindo delitos jurídicos referenciados. Desconhecendo-se se estes fenómenos estão realmente em expansão, uma vez que não são captados pelas sanções penais nem pelas estatísticas, as sondagens de opinião indicam uma inquietude face à progressão ressentida destas práticas. “Les incivilités sont estimées comme plus fréquents et plus exaspérantes qu’auparavant.”195

Uma outra forma de “censura silenciada” é os mecanismos utilizados para evitar uma permanência continuada, como os “pics anti-clochards” nas estações de transportes, ou a irrigação permanente de jardins e depósitos de lixo, destruição dos cartões, etc.196

O caso francês demonstra a particularidade da imagem do “clochard”.197 Pelos anos cinquenta, o “clochard” era caracterizado por ser uma espécie de “poeta libertário” e praticamente parte integral da paisagem parisiense. Acreditava-se que os vagabundos eram incorrigíveis e exigiam repressão, ao passo que os clochards eram tranquilos não constituindo uma ameaça e, logo, devendo “ser deixados em paz”.

• Portugal:

Não existem actualmente medidas registadas de controlo social dirigidas aos sem-abrigo. Porém, o conhecimento de práticas discriminatórias existe numa base informal: durante a presidência portuguesa da União Europeia em 2000 houve acções de desmobilização dos sem-