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3.3 Os ensaios de João Cabral de Melo Neto

3.3.3. A Geração de 45 (1952)

A problemática da chamada geração de 45 no que diz respeito a JCMN é questão ainda muito discutida. A respeito dessa geração, o poeta, em sua face ensaística, escreveu quatro artigos, publicados no jornal Diário Carioca, em 1952, os quais integrariam, posteriormente, sua obra completa, sob o título “A Geração de 45”.

Nesse ensaio, JCMN não se refere diretamente à sua relação com as propostas do grupo de 45, mas é preciso interpretar de que modo o poeta se posiciona a respeito dessa geração para entendermos melhor sua perspectiva acerca da questão. Logo nas primeiras linhas do texto, vemos sua consideração de que os poetas de 1945 estavam tão “(...) interessados em explicar-se quanto em criar” (MELO NETO, 2007, p. 721), o que significa uma crítica de JCMN a esse grupo, pois sabemos que sua perspectiva defende a relação entre a poesia e a crítica, preocupadas com a realidade observada e com os movimentos de composição poética, de forma conjunta. Por isso, um poeta deve preocupar-se com a criação, a qual, a partir de tal relação, originará poemas cuja voz será escutada no diálogo do leitor

com o texto: não será necessário que seu autor explique métodos, possíveis intenções ou os motivos de tê-lo organizado de determinada forma.

JCMN sabe que é difícil caminhar pelo terreno dessa geração. Ele está em 1952 quando escreve os artigos e os poetas considerados pertencentes a 1945 ainda estão escrevendo ativamente e participando das discussões sobre o assunto. Assim, ele decide que sua discussão partirá dos pontos de vista de poetas mais antigos acerca dos autores de 1945. Segundo tais poetas, a contribuição do grupo é de pouca importância, já que não se voltou “(...) violentamente contra a poesia que o precedeu” (MELO NETO, 2007, p. 722). Disso os poetas de 45 se defendem, dizendo que têm, em comum, um espírito que vai contra a geração que os antecedeu – neste caso, os poetas de 1930 –, embora não tenhamos conhecimento a que comunidade de ideias eles estão se referindo. Além disso, não há informações suficientes de JCMN para apontarmos de que “espírito” se trata.

No entanto, podemos recuperar algumas questões historiográficas para nos situarmos melhor sobre o assunto. Havia poetas, em 1930, como Carlos Drummond, que trabalhavam com a poesia de forma diretamente ligada à realidade, sem alusões a elementos abstratos ou oníricos, enquanto outros, mal interpretando as conquistas dos primeiros modernistas brasileiros em relação ao verso livre, usaram-no de maneira exagerada, no sentido de que toda expressão de sentimentos pessoais ou de impressões sobre algo poderia ser matéria de poesia. A esses poetas é que os jovens de 1945 se opõem, já que decidiram trazer à cena literária de sua época formas de escrever poesia, vigentes nos anos anteriores ao de 1922, tais como o soneto e a ode, de forma fixa. O problema, para os autores de 1945, foi a extrema preocupação com os “modelos”, enquanto a palavra e as imagens que poderiam ser construídas a partir dela, foram postas em segundo plano.

Diante disso, é muito natural que JCMN, então integrado ao grupo de 1945 pela crítica atuante do período, tenha-se posicionado sobre o assunto, de maneira muito diplomática, ao considerar que os poetas da chamada Geração de 45 não compartilhavam um denominador comum, tampouco poderiam alcançá-lo revoltando-se com parte da geração de 1930. Para ele, “Uma geração pode continuar a outra” (MELO NETO, 2007, p. 722), não se trata de uma revolta contra o passado, uma vez que é necessário retomá-lo para compreendermos os movimentos do presente e pensarmos em projeções futuras; se trata, isto sim, de dar continuidade à história da literatura de um lugar e isso acontece através do trabalho que o poeta faz com o poema. Para fazê-lo de maneira satisfatória, ele terá,

necessariamente, de conhecer a poesia que veio antes da sua, sem revoltas ou negações, mas atento às conquistas e retrocessos para que suas propostas não se confundam com repetições ou construções de valor inferior.

Além disso, as contribuições dos modernistas de 1922 para a Literatura brasileira e para as artes de um modo geral foram muitas; não estavam, em 1945, como ainda não estão nesse início de século XXI, superadas ou esgotadas. As propostas de 1922 não pretendiam jogar fora toda a literatura feita até então, mas construir, daquele ponto em diante, obras ligadas à realidade do Brasil, que por sua vez não é um país dissociado em nenhum aspecto dos demais. Era preciso, como ainda é, relacionar a nossa literatura à literatura de outros países e reconhecer influências e ligações, diretas e indiretas, de modo a conhecermos nossas origens. Por esse motivo, JCMN reitera: entre os poetas de 1945 e aqueles que os precederam, “Existe uma diferença de posição histórica, no máximo” (MELO NETO, 2007, p. 723). Nada assegura que tais poetas, se pertencessem, em hipótese, à geração de 1930, não fizessem parte daquele grupo para quem o verso livre acabara de surgir como liberdade absoluta.

A dificuldade no que se refere ao lugar de JCMN em 1945 nos parece mais clara, então: o poeta procurou aperfeiçoar sua forma de escrever ao longo de sua obra, interessado em encontrar maneiras de relacionar a poesia com sua observação da realidade, mas sem deixar de pensar nos processos possíveis de composição poética. Sua preocupação não se direcionou a classificações de geração ou “tipos” de escrita. Ter-se posicionado a respeito de 1945 foi mais consequência da insistência que há, ainda, em integrá-lo à geração de 1945, do que vontade particular de fazer parte de tal grupo.