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A globalização e o surgimento das novas metrópoles

A CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL

3.1. A globalização e o surgimento das novas metrópoles

A cidade sempre mantém relações com a sociedade, e seu funcionamento é modificado quando há transformações em seus elementos constituintes como poder, estado, agricultura, comércio, espaço público, etc. Podemos dizer que as transformações da cidade não são resultantes passivos da globalidade social, de suas modificações, ela depende também das relações diretas entre pessoas e grupos que a compõem como famílias, corpos organizados, profissões e corporações, etc. (LEFEBVRE, 2001).

A cidade é, portanto, uma pluralidade de significações imaginárias e sociais, e sua produção e reprodução implicam antagonismos como relações de complementaridade e concorrência, organização e auto- organização, regulação e autorregulação, que vão de encontro às necessidades de promoção de novas formas de sociabilidade propostas para as sociedades em redes.

Nesse sentido, entende-se por setor da construção civil empresas como incorporadoras, construtoras, fabricantes e distribuidores de materiais de construção, profissionais e empresas de projeto, empresas imobiliárias e outros segmentos correlatos. Essas empresas são responsáveis por reestruturar a dinâmica das cidades, pois são responsáveis por criar condições de infraestrutura, lazer, transportes, enfim, construir espaços e possibilidades que carregam a intenção de melhorar a qualidade de vida das pessoas. “As empresas de incorporação imobiliária têm papel fundamental na economia, pois são responsáveis pela geração de bens duráveis que afetam

toda sociedade e criam condições de infra-estrutura, lazer, comércio, abrigo e conforto para a vida das pessoas”. (SOUZA, 2004: 24).

A partir da abertura da economia e reestruturação da ordem mundial para uma sociedade global, as áreas metropolitanas centrais no mundo inteiro ganharam a atenção do setor imobiliário que tratou de se reorganizar para atender à demanda econômica das empresas que agora necessitavam de se organizar em redes, nodos para cumprir suas atividades na nova ordem econômica mundial global, uma nova fase capitalista de capitalista de modernização e reorganização urbana das metrópoles.

Neste sentido, as novas condições estabelecidas pela globalização, tinham especial incidência nessas decisões de localização, aspectos como existência ou disponibilidade de sistemas de comunicação capazes de permitir contatos instantâneos com o ambiente global em seu conjunto, oferta diversificada e eficiente de serviços avançados especializados, contingentes amplos e capacitados de recursos humanos, condições para uma comunicação direta (face a face) cotidiana entre as pessoas que desenvolvem as tarefas modernas e inovadoras, presença de um tecido produtivo amplo e diversificado e mercado capaz de garantir o acesso a uma demanda solvente, ampla diversificada e em expansão. (MATTOS, 2004: 164).

Conforme apontado no primeiro capítulo, este processo de requalificação de áreas, chamado de operação urbana também se aplicou na cidade de São Paulo e teve por “objetivo reestruturar o setor da região sudoeste da cidade de São Paulo e criar um espaço renovado com mais qualidade de vida, através do ordenamento territorial e da regulamentação e controle da ação do mercado imobiliário”. (BÓGUS e PESSOA, 2008: 126).

Na década de 90, alguns fatores foram indutores da competitividade do setor na construção civil. Podemos lembrar o esgotamento do modelo de financiamento à produção – as construtoras e incorporadoras passaram a ser agentes de financiamento aos consumidores -, e o número elevado de competidores na produção – em função da concorrência os preços

são impostos pela demanda, novas formas de financiamento estavam ligadas às necessidades de retorno e às margens adequadas para assegurar a atratividade do mercado, mudanças no perfil do consumidor brasileiro, novos parâmetros de projeto e execução das obras. Lembramos ainda que o Estado também se tornou um agente financiador da construção civil, bem como houve mudanças no ambiente competitivo global e transformações diversas nas relações entre capital e trabalho, considerando a abertura econômica e a reorganização da economia em bloco, com consequente integração entre todos os agentes do setor.

Na cidade de São Paulo, estes períodos podem ser considerados momentos de grandes mudanças, pois na região metropolitana houve uma desconcentração das atividades industriais e uma reestruturação das atividades terciárias como consequência da globalização. A metrópole se transformou e ficou conhecida como capital dos serviços e, com isso, a segregação espacial tornou-se evidente e os processos de favelização e o adensamento das populações de baixa renda se concentrou nas periferias da cidade.

Nessa época, o corredor sudoeste da cidade foi o que recebeu mais investimentos e articulação do setor imobiliário, favorecendo acesso aos serviços, ao lazer e à infraestrutura às chamadas elites das cidades. É neste contexto que há um crescimento de empreendimentos chamados de condomínios fechados voltados para as classes média e alta da cidade, também visando atender à demanda dos empresários e executivos que estariam trabalhando neste novo centro econômico financeiro da cidade de São Paulo.

A partir do inicio dos anos 1990, surgem os condomínios horizontais fechados propriamente ditos na Região Metropolitana de São Paulo. Um aumento gradual dos lançamentos dessa nova tipologia residencial vem ocorrendo desde então e principalmente nos últimos cinco anos. No

caso específico do município de São Paulo, a “lei de Vilas”, de 1994, possibilitou a instalação indiscriminada de pequenos condomínios horizontais (no estilo das antigas vilas) em todas as zonas de uso residencial da cidade. (BÓGUS e PASTERNAK, 2009: 84).

Nesse novo cenário configura-se uma nova metrópole, bem diferente da cidade fordista do passado, e os investimentos imobiliários crescem incentivando a segregação urbana e caracterizando as desigualdades sociais entre as classes existentes.

Marcelo Vespoli Takaoka, afirmou que em 2002, a partir do surgimento do projeto Genesis, um loteamento residencial de alto padrão localizado no corredor sudoeste da Grande São Paulo, no município de Santana do Parnaíba, foi lançado com uma propaganda “cheia de verde”:

(...) alguns amigos me ligaram dizendo para retirar a propaganda do jornal porque poderia atrair um monte de ambientalistas para a obra e a percepção das pessoas naquela época era que loteamento era uma coisa terrível que devastava a natureza, entretanto, nós resolvemos manter a propaganda com o verde porque precisávamos da valorização da preservação da mata para pagar boa parte dos nossos custos. (...) Depois disso, encontramos o ambientalista Fábio Feldman que deu novas idéias para o projeto e também apresentou as ONGS Amigos da Terra e a SOS Mata Atlântica, e nós entramos no projeto Florestas do Futuro da SOS Mata Atlântica e hoje o Genesis é o primeiro loteamento em que a área de floresta cresce ao invés de diminuir: ela cresceu 24,8% em relação à floresta que nós tínhamos antes do empreendimento. (Entrevista com Marcelo Vespoli Takaoka, pesquisa de campo).

Segundo o relato de Marcelo, naquele momento ele já sinalizava a necessidade de uma mudança no setor, pois as expectativas e demandas dos consumidores por qualidade de vida e mais contato com a natureza já se tornava uma realidade. A partir do momento em que foi oferecido um empreendimento exibindo atributos ligados à preservação ambiental, em conversas informais com os futuros moradores do condomínio residencial, Marcelo percebeu que seria necessário ampliar

itens que não estavam nas propagandas de comercialização do empreendimento. A vontade dos futuros moradores era a de que o empreendimento tivesse uma boa área de cobertura vegetal.

Na década de 90, essa transformação culminou com a concentração de renda e o emprego concentrou-se no setor terciário, nas atividades de baixa produtividade, sendo que criações de postos de trabalho foram insuficientes para a maioria da população, provocando outros problemas como o aumento da informalidade.

(...) destaca a presença desse fenômeno como inerente às global cities, em função da crescente demanda de pessoal altamente qualificado com elevadas remunerações que permitem níveis e pautas de consumo sofisticados, devido à expansão de novas atividades de liderança, enquanto aumenta ao mesmo tempo um conjunto de serviços complementares que são comprados de outras empresas (limpeza, manutenção, segurança, etc.), expandindo assim a demanda de emprego pouco qualificado e muitas vezes precário, com baixos salários. (SASSEN, 1991: 174),

Mariana Fix, em seu livro “São Paulo uma Cidade Global”, traz um relato do que aconteceu durante o período chamado, pela autora, de boom do mercado imobiliário - de 1980 até 2000 -, quando foi anunciado o crescimento de uma nova cidade às margens do rio Pinheiros.

Rapidamente o setor imobiliário tratou de se articular para a transformação de bairros residenciais e fabris para o novo eixo econômico da cidade. Neste contexto, o setor acabou atraindo investidores estrangeiros, os fundos de pensão começaram a investir nos chamados megaprojetos como CENU (Centro Empresarial Nações Unidas), anunciado como maior centro empresarial da América Latina. Composto por 03 torres interligadas por um shopping center foi construído entre as avenidas Luis Carlos Berrini e Nações Unidas, ao lado da favela Jardim Edith, parcialmente removida entre 1995 e 1996. (FIX, 2007).

Os megaprojetos exigiam um esforço conjunto entre as iniciativas pública e privada e as chamadas “Operações Urbanas”, nas quais o poder público cria as condições para o setor privado conseguir as transformações pretendidas, e que, nesse caso, foram marcadas pela remoção das favelas do Córrego da Água Espraiada e Jardim Edith. As favelas e os condomínios fechados representam uma dualidade na forma de morar de ricos e pobres na cidade, entretanto, conforme apontado no Caderno Conjuntura Urbana em 2009, a maior parte dos domicílios da Região Metropolitana de São Paulo tem acesso aos bens de uso difundido (rádio, televisão, geladeira, freezer), e dois bens de consumo de média difusão (automóvel, dvd, máquina de lavar e linha telefônica). Segundo a autora, a explicação disso seria um “efeito Casas Bahia”, ou seja, lojas populares de eletrodomésticos que promoveram no final dos anos 90 campanhas publicitárias incentivando o consumo destes itens com baixas prestações mensais.

A partir do modelo de Cidade Dual delineado por Castells e Mollenkopf (1992), em que a estrutura social aproxima-se do formato de uma ampulheta, com mais ricos e pobres e praticamente sem classe média, podemos afirmar que o aumento das desigualdades e da exclusão social no contexto latino-americano vem impulsionando a intensificação da segregação espacial. (BÓGUS e PASTERNAK, 2009: 86).

Outro elemento delimitador de ocupação de espaços nas cidades é a questão ligada ao transporte. A dissociação entre o planejamento do sistema de transporte público, o aumento da circulação de veículos particulares, o uso do solo e a proteção ambiental são fatores que vêm contribuindo para piorar a qualidade de vida das pessoas nas metrópoles.

Em São PauIo, na região da marginal do rio Pinheiros foi realizada uma articulação entre setores público e privado, somando-se isso ao fato de que as malhas viárias da cidades já oferecerem condição privilegiada de fácil acesso ao aeroporto de congonhas e também devido à quantidade de estoque de terrenos suficientes para deslocamento do eixo econômico da cidade para essa região contribuíram para transformação dessa região em uma nova centralidade da cidade. (BÓGUS e PASTERNAK, 2009).

O professor Fernando Nunes da Universidade de Lisboa em sua apresentação durante o curso Questões da Cidade Contemporâneas apontou alguns aspectos sobre as novas realidades urbanas após a globalização: urbanização sem urbanismo. A sociedade, hoje chamada sociedade do hipertexto, conectada em redes, necessita urgentemente de um resgate da ética e da moral para uma transformação em prol da sustentabilidade. Por exemplo, atualmente, uma das questões principais da sustentabilidade nas metrópoles está relacionada à escassez da água, entretanto, questões como a do saneamento básico já eram apontadas durante a revolução industrial como um dos principais desafios ao desenvolvimento. E o que nós fizemos? Ocupamo-nos das margens dos rios e despejamos todo nosso esgoto sobre eles.

Hoje já possuímos tecnologia e conhecimentos necessários para resolver tais questões, por exemplo, recorrer ao uso racional da água no abastecimento das cidades, entretanto, o planejamento dessa nova cidade em São Paulo, desenvolvida às margens de um dos rios mais importantes para a cidade, do ponto de vista ambiental, por exemplo deveria ter sido programado de modo a preservar o rio das interferências imediatas do ambiente construído no meio ambiente natural.

O fato é que o setor imobiliário, numa tentativa de qualificar áreas e transformá-las em áreas nobres da cidade com intuito de aumentar o

valor do imóvel, afasta as populações em condições de vulnerabilidade para as regiões periféricas da cidade onde há maior precariedade nos sistemas de transporte e infraestrutura básicos como esgoto, água e energia.

Em suma, o processo de desenvolvimento de uma nova centralidade na cidade de São Paulo ocorreu sem incorporar as questões da sustentabilidade e foi apenas em meados do ano de 2004 que começaram a surgir alguns empreendimentos com essa preocupação. Um exemplo é o complexo comercial Rochaverá da Tishman Speyer, uma das maiores operadoras, desenvolvedoras e gestoras de investimentos imobiliários de alto padrão internacional, e que nessa época era uma das empresas responsáveis por investimentos no projeto de requalificação urbana das regiões da Faria Lima e Água Espraiada. O projeto do Rochaverá está localizado no corredor sudoeste de São Paulo e havia sido paralisado durante 11 anos em função da crise econômica no Brasil. Quando foi retomado precisou ser adaptado e, a partir daí, segundo Ceotto, ele se tornou um Green Building e hoje é um projeto muito eficiente; obteve certificação em 2009 já está com 100% das unidades alugadas.

Daqui para a frente a economia vai estar posta em tudo, este foi o primeiro empreendimento Green Building da Tishman no Brasil. Um edifício certificado custa de 5% a 7% mais caro do que um edifício convencional, só que a economia que ele gera em energia e água paga esse investimento a mais em três anos, depois, mas é difícil as pessoas perceberem isso. (Entrevista com Luiz Henrique Ceotto, pesquisa de campo).