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foram contempladas por profundas transformações ao redor do mundo, no que se refere aos aspectos econômicos, culturais e políticos, não se pode deixar de citar a educação que também apresentou mudanças significativas em suas políticas, sendo, por isso, o mote desse capítulo. Roger Dale, em seu artigo Globalização e educação: Demonstrando a existência de uma cultura educacional mundial comum (2001), deixa claro que, os investigadores têm apresentado “[...] uma considerável quantidade de especulações e profecias, dúvidas e medos, saliência e celebração em volta da globalização e das suas consequências” (p. 134) e, sobre esse aspecto, Dale diz ainda que, ao tratar do fenômeno da globalização, os sistemas educacionais também estão incluídos nessas mudanças.

Como se pode perceber, não bastasse as discussões quanto a forma que deve ser interpretada ou compreendida as Políticas Públicas, há uma preocupação latente no que diz respeito às consequências que a globalização pode provocar sobre aquelas, inclusive na área educacional. Dessa forma, depreende-se de Dale o quão polêmico é o tema globalização e, assim, enquanto alguns comemoram, outros tem receio dos efeitos que uma política com dimensões globais pode provocar na educação de um povo.

Por sua vez, Romualdo Oliveira, no que se referente a educação, já denota um dos efeitos citados acima, no seu artigo A transformação da educação em mercadoria no Brasil (2009) e diz que são quatro as consequências da globalização e todas, diga-se de passagem, carregadas de tensões. A primeira, diz respeito a discussão sobre o desenvolvimento e a preparação para o mercado de trabalho, tendo em vista as mudanças na base técnica e no processo produtivo. A segunda, faz referência ao surgimento das novas tecnologias no processo educativo, inclusive sobre o recurso da educação a distância. A terceira trata da execução de reformas educacionais similares entre si em vários países do mundo e, por último, a quarta fala sobre a comercialização do setor, ao transformar a educação em mercadoria (p. 740).

Quanto as questões levantas por Oliveira, R. (2009) pode-se depreender, na primeira, as possibilidades de mudanças do mercado de trabalho proporcionadas pela globalização no que se referente ao processo produtivo. Como exemplo, pode-se citar uma empresa que usava a metodologia de produção X e foi diretamente influenciada por uma metodologia Y de uma outra empresa, de um

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outro país. Esse fato, possivelmente, pode alterar os currículos escolares como forma de atender as novas demandas produtivas daquela nação, da mesma forma que podemos dizer grosseiramente que o processo de industrialização influenciou as empresas que trabalhavam com manufatura durante a Revolução Industrial e, consequentemente, os cursos que eram ofertados a época.

A segunda questão levantada pelo autor - a educação a distância - traz no seu âmago uma grande ferramenta de disseminação da globalização: a internet. Esta se apresenta como uma grande aliada no processo de compartilhamento de informação e no surgimento de uma nova forma de educar remotamente. Por sua vez, a terceira questão, que trata das reformas educativas, nos mostra uma aparente padronização educacional como forma de possibilitar, dentre outras coisas, o livre trânsito e reconhecimento dos profissionais entre algumas nações. Como exemplo disso, podemos citar os acordos de Bruges e Bolonha que serão tratados mais à frente nesse capítulo. Por fim, Oliveira, R., faz referência para o tratamento dado à educação quando é comparada à um produto e, consequentemente, os alunos, como potenciais clientes. Assim, a mercantilização da educação, uma vertente vinda do neoliberalismo, apresenta preocupações relacionadas a eficácia e eficiência das escolas na produção do conhecimento. Todas essas questões apresentam como tensão o fato da adaptação à realidade do país ou da empresa onde elas, as mudanças ocasionadas pela globalização, podem ser introduzidas. Mais uma vez, a visão compreensiva e a significação cultural trazida por Weber devem ser levadas em consideração para se perceber como essas questões podem influenciar, positiva ou negativamente, a cultura educacional de uma nação.

Dessa maneira, ao fazer uma análise da estrutura macro das políticas públicas educacionais e dos Estados-nação, a globalização surge como um fenômeno que precisa ser compreendido para que, quando se esteja a analisar os níveis meso, com as políticas organizacionais da instituição e com os gestores, e micro, com os professores e alunos, se possa entender as consequências geradas. Nesse primeiro momento, Dale (2001, p. 134) afirma que a globalização tem trazido um “inelutável progresso” com a homogeneidade cultural, mas tornou os Estados-nação obsoletos, visto que surgiu “[...] algo parecido com uma política mundial”. Nesse sentido, a partir da fala de Dale (2001), cabe refletir sobre como ele percebe a globalização, bem como seus efeitos. O que depreende-se de sua fala é que com a globalização as políticas praticadas até então, tornaram-se ultrapassadas, visto que, apareceu uma política comum adotada entre os Estados-nação. A partir daí surgem as seguintes questões: estaria esse processo, sendo o estopim de uma mudança estrutural dos Estados-nação? Pode-se entender esse processo como a principal causa da perda da autonomia/hegemonia desses

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Estados? Que consequência(s) esse processo pode ocasionar para o desenvolvimento das políticas públicas de uma dada nação? Será que vale a pena o Estado ser globalizado em troca da perda da hegemonia? Ou ainda, a homogeneidade cultural gerada por esse fenômeno global é aplicável/aproveitável em nações com identidades distintas? Por último, até que ponto a globalização e as tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) trouxeram benesses ao processo educacional atual?

Essas perguntas são retóricas e nos fazem refletir sobre o(s) caminho(s) que as sociedades vão trilhando, como se pudéssemos imaginar as cenas dos próximos capítulos de um romance, que pode ter, tanto um desfecho feliz, como trágico. Sendo vista, por um lado, como uma realidade na qual a globalização se apresenta com nuances de filmes de terror, denota-se uma preocupação: a perda da soberania de uma nação. Para tanto, basta imaginar a influência desastrosa que uma grande potência mundial pode provocar em uma nação que esteja fragilizada econômica e politicamente. Falar da identidade cultural ou, de forma mais retrógada, em patriotismo ou idioma, são pequenos exemplos que ilustram a soberania de um povo e que pode ser destruída de forma, que denominarei passiva, ou seja, a população passa a ser influenciada sem perceber que a história do seu país está sendo alterada, seja pela mídia televisiva ou impressa ou ainda, mais atualmente, pelas redes sociais. A exemplo dessa crise cultural, Stuart Hall, em sua obra A identidade cultural na pós-modernidade (2005), diz que

A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada ‘crise de identidade’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 2005, p. 7).

Quando ainda não havia a dita globalização, essa alteração da soberania de uma nação ocorria de forma, que aqui vou chamar de ativa para analisar o exemplo seguinte. A Coreia do Sul, segundo Ennio Candotti, em seu artigo Educação e Movimentos Sociais na Coréia do Sul (2002), entre 1930 e 1940 foi impedida, pelo Japão, de usar a própria língua, além de ser obrigada a mudar os nomes dos cidadãos para nomes japoneses, com o único objetivo de apagar a história cultural e os tornar submissos ao Japão. Segundo o autor,

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Ao percorrer a trágica história desse país ao longo do século 20, podemos entender os traços recorrentes da política educacional dos últimos cinquenta anos: reconstrução e reunificação nacional, afirmação da identidade e cimento do orgulho, da autonomia e da projeção internacional (CANDOTTI, 2002, p. 11).

Infere-se da fala do autor que essas foram algumas das medidas adotadas pela Coreia do Sul para transformar sua educação e figurar entre as grandes potências da educação, de acordo com o Ranking4 criado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e

divulgado em 2015, que coloca o país em terceiro lugar no mundo.

Percebe-se assim, o quão nocivo pode ser a globalização, caso a população não compreenda o que está havendo. Por outro lado, a globalização pode sim atingir, positivamente, o objetivo pelo qual ela foi criada, que é ampliar os horizontes culturais e sócio-educacionais de uma nação. Sabe-se o quão importante é, hoje em dia, para o cidadão, ter a possibilidade de se comunicar nas mais variadas línguas. Porém, muitas vezes, mesmo sem ter o conhecimento sobre o idioma é possível compreender o que se ver ou ouve. Para tanto, basta ter em mãos alguma tecnologia que faça a tradução simultânea do que está escrito ou do que está sendo falado, como um smartphone ou tablet. Com esse simples exemplo pode-se perceber a importância da globalização, ao proporcionar o encurtamento da distância, seja geográfica ou idiomática, entre as pessoas.

Por sua vez, Hall (2005, p. 18), expõe sua definição desse fenômeno através de uma simples pergunta: “O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo ‘globalização’” e detalha como se comporta o tempo e o espaço nessa perspectiva. Segundo ele, “Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais” (loc. cit). Ou seja, para o autor, a maior relevância da globalização, como forma de influenciar culturalmente um povo, encontra-se no fato dela ter a capacidade de interconectar mundos tão distantes e distintos, de uma forma tão simples e rápida.

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Mais à frente, Hall complementa ao levantar reflexões e também tentar relatar, assim como Dale (2001), Oliveira, R. (2009), e Candotti (2002), três possíveis consequências que o efeito globalizador pode provocar, especialmente quanto a identidade nacional. Segundo o autor:

 As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do ‘pós-moderno global’;

 As identidades nacionais e outras identidades ‘locais’ ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização;

 As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades — híbridas — estão tomando seu lugar (HALL, 2005, p. 18).

Dessas colocações acima, podem-se inferir que (i) a padronização cultural, que o autor chama de homogeneização, gerada pela globalização pode vir a destruir a identidade das nações, o que ele também chama de “crise de identidade” e provocar a sua desintegração. De forma um tanto quanto oposta a esse posicionamento, ele levanta uma outra possibilidade que é a (ii) resistência à globalização por uma determinada nação, localidade ou até mesmo por uma determinada empresa. E por último, talvez uma tentativa de unir esses polos antagónicos, surge (iii) o hibridismo, ou seja, uma nova identidade que tenta unir o que a globalização traz de diferente e útil, com os velhos costumes e hábitos arraigados na cultura de uma nação. É nesse sentido que Hall (2005, p. 21) afirma que “Entretanto, parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’". A globalização não ocasionará a perda das identidades nacionais, essas, porém, a partir da globalização, se ramificarão e vão gerar novas identidades.

Assim, Afonso (2001b, p. 20) contribui ao dizer que “[...] no que diz respeito à ideia de nação e de identidade nacional, também hoje se colocam questões importantes para a análise sociológica da crise do Estado-nação e das suas implicações para as políticas educativas” e deixa claro que:

Embora estejamos ainda relativamente longe de poder constatar empiricamente a existência de um completo e irreversível esvaziamento da autonomia relativa do Estado-nação moderno, não podemos, ainda assim, deixar de considerar que essa autonomia relativa está sendo cada vez mais desafiada e constrangida pelos processos de globalização e de transnacionalização do capitalismo (AFONSO, 2001b, p. 23).

Portanto as questões levantadas anteriormente sobre globalização, mudanças dos Estados- nação, a perda de sua autonomia e hegemonia, a homogeneidade cultural e a influência das TIC’s sobre o processo educacional, tornam-se relativa de país para país, dependendo muito mais da conscientização da população, como agente coparticipante das mudanças e conhecedora do fenômeno

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da globalização e suas consequências, como também dos políticos que são os legítimos representantes do povo. Sobre esses dois sujeitos, povo e políticos, a história fala por si só, quando nos mostra uma guerra milenar de conflitos de interesses entre as partes e que será exemplificada no próximo capítulo, quando será analisado o caso do surgimento da educação brasileira, no contexto de sua colonização.