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Capitulo I Enquadramento curricular e didático

2. Desenho, imaginação, criatividade, forma e estrutura para o nascimento da sustentabilidade

2.2. A herança e o impacto das “frottages” do Surrealismo

A técnica da “frottage” consiste em colocar uma folha de papel sobre uma superfície áspera e esfregá-la, pressionando-a com um pau de cera, de pastel ou de grafite, até a textura aparecer. A pressão da grafite sobre o papel copia o aspeto da superfície colocada por baixo. A palavra “frottage” é de origem francesa “frotter”, que significa esfregar, friccionar. Este recurso gráfico pode ser utilizado de uma forma técnica mais espontânea, que proporciona efeitos plásticos inesperados. A técnica foi usada pelo pintor, desenhista, escultor e escritor alemão Max Ernst (1891 – 1976), um dos grandes nomes do Surrealismo (Bischoff, 1993: 33-44).

A técnica da “frottage” também está relacionada com a lição de Leonardo do seu tratado de pintura. A frase de Leonardo relacionada com a beleza das “manchas na parede” revela que “se as vires com atenção, vais descobrir nelas mais de uma maravilha” (Bischoff, 1993: 34). Max Ernst fala de uma “alucinação visual” que o levou à descoberta de meios técnicos que o levaram ao entendimento claro da lição de Leonardo. Era a descoberta da “frottage”. A partir desta descoberta produziu um conjunto de trabalhos sob o título “História Natural”. A “História Natural” descreve através da sua técnica, a “frottage”, a descoberta de um conjunto de corpos e substâncias, orgânicas e inorgânicas, onde se encontra o mundo mineral, a flora e a fauna. Trata-se de um confronto perante a crença na ciência, no positivismo científico, através de um acesso claro a um novo mundo, onde se obtêm respostas de representação de fenómenos do inconsciente.

Esta descrença do surrealismo no positivismo científico obriga-me a identificar alguns fatores que entram em consonância, com o processo de revisão literária, que

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realizei, durante a leitura da obra do autor Arthur Efland (1990), sobre a história das artes Visuais na Educação. Através dessa pesquisa verifiquei que o racionalismo científico começou no seculo XIX e tem-se perlongado até aos nossos dias. Ao mesmo tempo, como compensação desta primeira corrente surgiu a corrente expressiva, mudando o destino da arte-educação. Como o cientista no final do século XIX, o artista de vanguarda queria tornar-se num símbolo de coragem cultural e, sob a influência da autoexpressão criativa, prometia trazer também algumas ideias benéficas para a sociedade e para a educação.

Vejamos agora o caso do surrealismo. Será que o surrealismo insere-se na corrente relacionada com a autoexpressão de que fala Efland (1990)? Ou será que a corrente relacionada com a autoexpressão de que fala Efland (1990) foi fortemente influênciada pelas ideias do surrealismo?

O surrealismo nasce de um manifesto redigido por André Breton em 1924 (Breton, 1993). Na História da arte contemporânea de Fusco (1988) o autor fala de linhas de tendência inclusivas onde se reúnem, relacionam e explicam obras de arte. As obras de arte contemporâneas não estão caraterizadas por uma ordem cronológica e histórica mas por afinidade orgânica, por objetivos afins e por fatores de semelhança. Assim, estas linhas são: a linha da expressão, a da formatividade, a do onírico, a da arte social, a da arte útil e a da redução. Estas linhas parecem transmitir um outro entendimento aos movimentos, às obras e aos fenómenos artísticos. Antes de mais é importante reparar na separação que existe em Fusco (1988), da linha da expressão para a linha do onírico, onde se encontra o surrealismo e a pintura metafisica. Efland (1990) não separa dentro da sua corrente auto expressiva as várias tendências que a caracterizam, porque acima de tudo esta corrente também está relacionada com a educação. Isto significa que a educação nunca conseguiu fazer a separação entre a linha expressiva, ou formativa, da linha do onírico? Na minha opinião estas duas linhas podem ser muito diferentes, umas de outras, ao nível da sua qualidade. Por exemplo Salvador Dali criticava duramente a arte abstrata (de Mondrian - como um conjunto de losangos maníacos) como um movimento intelectual falso (Salvador Dali citado por Neret, G. 2004). Efland (1990) não salienta as diferenças existentes nos diferentes movimentos e estou a falar no movimento surrealista. Esta tendência da autoexpressão ao nível da educação precisa de uma investigação com um outro alcance ao nível dos movimentos do século XX.

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É urgente, é necessário, é um dever e um direito abrir uns parênteses para que o surrealismo dentro da educação tenha lugar.

Assim Fusco descreve o surrealismo na linha do onírico:

“A pesquisa surrealista reporta-se à psicanálise de Freud. A noção de inconsciente e as possibilidades linguísticas que ele exprime através do sintoma neurótico, o lapso e o sonho, constituem o novo e fecundo campo de investigação. Sobretudo o sonho atrai a atenção dos surrealistas, porque as imagens oníricas escapam ao controlo racional exercido pela consciência, são involuntárias e aparentemente casuais; revelam a existência de uma vida psíquica até então desconhecida.” (Fusco, 1988: 186)

É importante referir que o surrealismo não pretendia ser apenas uma corrente artística mas, também, uma forma revolucionária de conceber a vida. Como corrente artística, ela teve um forte impacto principalmente na literatura e depois nas artes plásticas. Por exemplo ainda na História da Arte, Fusco cita De Micheli:

“Ultrapassar as posições de protesto e de revolta para adotar uma posição revolucionária explicita. Todavia segundo os surrealistas, o problema da liberdade tem duas faces: a da liberdade individual e a da liberdade social; por isso as soluções também têm de ser duas, embora a liberdade social, que deve ser concretizada através da revolução, seja uma premissa indispensável para se alcançar a liberdade de espirito completa. De 1923 a 1935 a investigação teórica de Breton e dos seus companheiros encaminhou-se para a clarificação destes dois termos da questão (…). A essa investigação presidem dois nomes que, na vivência surrealista, terão um peso preponderante: Marx e Freud. Marx como teórico da liberdade social, Freud como teórico da liberdade individual.” (De Micheli citado por Fusco, 1988: 186-187)

Os artistas Surrealistas que se juntavam em Paris no início dos anos 20 partilhavam uma descrença na burguesia materialista e no racionalismo científico, que para eles era responsável pelas terríveis consequências da Guerra Mundial, pelo estilo de vida superficial e pela convicção da omnipotência dos feitos tecnológicos. Ao contrário dos expressionistas e dos dadaístas, que exerceram uma razão de protesto relativamente à Guerra provocada por este racionalismo, os surrealistas

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procuram superar a crise através de uma “ação libertadora vasta e profunda” (Fusco, 1988: 186).

Para Efland (1990: 263) a arte não é só um fator subjetivo da expressividade, assim como não é um fator da concretização técnica sem reflexão. Este parâmetro em Efland é muito importante e está no meu entender ligado ao espirito surrealista. Só resta entender qual o tipo de técnica de que fala Efland, a técnica da máquina ou a técnica da mão / instrumento?

Se repararmos na obra e nos títulos das obras dos principais artistas surrealistas, eles estão intimamente aliados com a história do conhecimento humano. Assim o Surrealismo aparece na tentativa da descoberta de um melhor entendimento do ser humano no seu todo - estado vigília / sono paradoxal. E isto quanto a mim é um novo paradigma na forma de construção da realidade humana. Enquadrar o Surrealismo numa corrente é difícil, pois o surrealismo é em si uma corrente. É desse espaço do inconsciente, do espirito, da imaginação que se imerge para a ação das mãos, do saber fazer com um tipo diferente de técnica, na matéria e no espaço, quer seja na literatura, quer seja na pintura.

2.3. A “génese dos relevos”, a relação do homem com a natureza, com a