• Nenhum resultado encontrado

A hermenêutica como aporte teórico da SDI

No documento Download/Open (páginas 58-61)

CAPÍTULO III – DESENHO METODOLÓGICO

3.2 A hermenêutica como aporte teórico da SDI

A hermenêutica apresenta um tipo de racionalidade que se contrapõe a perspectiva de que o saber só é válido a partir de verificação empírica-formal que elimina as subjetividades e estabelece uma hostilização da historicidade. Segundo Herman (2002), a hermenêutica emana de uma tradição humanística que ressurge modernamente no contexto da luta contra a inserção do pensamento de haver apenas um único caminho para alcançar a verdade no ambiente cientificista, por exemplo, contra o positivismo.

Não se considera que a hermenêutica questione o estatuto da cientificidade, mas demonstra que não há mais condições de permanecer em um monismo metodológico de

produção do conhecimento, ou seja, demonstra que há outras formas de conhecer a realidade. E ao inserir-se no âmbito da linguagem traz a perspectiva do interpretar abrindo espaço para várias possibilidades de interpretação da realidade que se apresenta, como também sugere a não dissociação do sujeito do mundo objetivado, evidenciando a complexidade do processo de interpretar (GADAMER, 1998; OLIVERIA, 2001).

Segundo Dilthey (2010), a hermenêutica é um processo a favor da compreensão dos objetos e fenômenos. Para ele, o que distingue as ciências naturais das ciências humanas e sociais são os seus objetivos, os quais respectivamente, tratam do interesse em explicar as coisas a partir de leis, fórmulas e equações, à medida que as ciências humanas e sociais buscam a compreensão das realidades.

Para este autor a busca pela compreensão faz parte de um processo hermenêutico, salientando que há uma relação entre a compreensão dos sujeitos da realidade com a história social e com a cultura. Portanto, segundo Dilthey (2010), os processos interpretativos estão ligados a processos de compreensão da história do contexto a ser estudado.

Em Heidegger (2001), é discutida uma nova compreensão da hermenêutica referente ao processo de compreensão da vida ser um método somente das ciências humanas e sociais, como considerado por Dilthey (2010). Para Heidegger (2001), a compreensão da vida é um “modo de ser”, uma característica do ser humano, e neste sentido, compreende a hermenêutica como um processo de interpretação que se desenvolve a partir da forma que os sujeitos se relacionam com a realidade.

Nessa direção Gadamer (1998, p.25) aponta que a hermenêutica

não é uma metodologia das ciências humanas, mas uma tentativa de compreender o que são verdadeiramente as ciências humanas para além de sua autoconsciência metodológica, e que as liga à totalidade da nossa experiência do mundo.

Adicionalmente, por entender que a Hermenêutica é arte de compreender proveniente do nosso modo de estar no mundo, Gadamer (1998, p.23) esclarece que:

Compreender não é, em todo caso, estar de acordo com o que ou quem se compreende. Tal igualdade seria utópica. Compreender significa que eu posso pensar e ponderar o que o outro pensa. Ele poderia ter razão no que diz e no que propriamente quer dizer. Compreender não é, portanto, uma dominação do que nos está à frente, do outro e, em geral, do mundo objetivo.

Dessa forma, Gadamer (1998) fundamenta sua discussão sobre o que é hermenêutica filosófica utilizando argumentos que estão relacionados a: 1) oposição da visão positivista da ciência, uma crítica ao racionalismo, onde a hermenêutica não poderia mais ser baseada em

interpretações metafísicas da razão; 2) a valorização da historicidade como aspecto a ser estudado em processos compreensão sobre as coisas; 3) a intenção de não construir um método para o alcance da verdade, mas sim uma discussão de que o processo de compreensão é dependente da história, da cultura, do espaço de tempo, e da condição de finitude do ser humano; 4) e assim chega a discussão de uma mudança de perspectiva sobre a Hermenêutica, que em seu ponto de vista, passa a assumir uma conjuntura ontológica, visto o estabelecimento de sua relação com o ser (HERMANN, 2002).

De acordo com Batista (2012), os argumentos opositores de Gadamer acerca da forma de fazer ciência fundamentada na racionalidade positivista, se apóiam no entendimento de que a hermenêutica filosófica, a partir da busca por a compreensão dos fenômenos e realidade, é um processo que ultrapassa a limitação de causa e efeito entre as partes, como também suas conversões em fórmulas e equações matemáticas. O processo de compreensão, segundo Gadamer (1998), exige que o sujeito realize reflexões sobre o que lhe está sendo posto, e então, faça uso de seus conhecimentos que podem ser influenciados por questões científicas, históricas e/ou experienciais.

Esse autor ainda estabelece críticas sobre a ciência no que se refere ao enfoque inadequado nos métodos e técnicas para o alcance do conhecimento e verdade universal, segregando desse processo as subjetividades e historicidade dos fenômenos e realidade a serem estudados. Dessa forma, Gadamer não tinha a intenção tratar a hermenêutica em uma perspectiva metodológica, mas sim filosófica, na qual preocupa-se em discutir como os processos de compreensão são dependentes de nossa história, de nossa cultura, do tempo e do contexto.

Nesta direção, a historicidade torna-se o princípio fundamental da hermenêutica, a qual se articulada com a compreensão do ser no mundo. Sendo marcado pela história e tendo uma condição finita, o homem está condicionado pelo mundo em que vive. Logo, em Gadamer (1998), a razão não pode definir a verdade, e a hermenêutica não assume um caráter metodológico, mas sim ontológico.

Considerando que:

Não é a história que pertence a nós, mas nós é que a ela pertencemos. Muito antes de que nós compreendamos a nós mesmos na reflexão, já estamos nos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. [...] A auto-reflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso os preconceitos de um indivíduo são, muito mais que seus juízos, a realidade histórica do ser (GADAMER, 1998, p. 415-416).

Esse reconhecimento que pertencemos a história leva-nos a compreender que nossas opiniões, reflexões sobre as coisas, inicialmente, são produtos da história. O conceito de historicidade reúne aspectos necessários para a compreensão do círculo hermenêutico, porque nos demonstra que não é um círculo lógico, uma circunferência que se fecha em si mesmo, mas que possui uma estrutura diversa que enxerga a pré-compreensão sobre as coisas como uma abertura para possibilidades de compreensão.

Para Gadamer (1998), a experiência hermenêutica exige do sujeito interpretante identificar seus próprios preconceitos, o seu olhar prévio sobre a coisa, para somente aí iniciar o processo de compreensão do ser, a qual é uma atividade que implica um projetar, a abertura à opinião do outro e deixar-se determinar pelo ser que vai ser compreendido. Assim como, exige que o sujeito interpretante esteja disposto a reprojetar constantemente os olhares prévios que podem ser modificados e reconstruídos progressivamente.

Dessa forma, Gadamer (1997, apud MELLO, 2012, p. 36) afirma que

Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia o sentido do todo. Melhor dizendo: a compreensão é um constante reprojetar-se a partir de determinadas perspectivas do intérprete. As perspectivas do intérprete (opiniões prévias), ou seja, antecipações de sentido do texto não devem ser confundidas com arbitrariedade do julgador.

Nessa perspectiva, segundo Almeida (2002) outro elemento importante do círculo hermenêutico é o diálogo, na medida em que ele pressupõe a abertura para o outro e mantem nossa compreensão aberta para enriquecê-la. Entretanto, o diálogo só é possível quando todos os interpretantes estão olhando juntos para a coisa a ser compreendida.

Para Almeida (2002), a linguagem é o campo onde se dá o diálogo, é o meio e fim da compreensão das coisas, considerando que para Gadamer (1998) a compreensão é o produto da interpretação, que por sua vez, se dá através da linguagem. Para este autor, é na linguagem que os sentidos das coisas se descobrem e são nomeados. Portanto, podemos dizer que compreender é um constante processo dialético dado por meio da linguagem.

No documento Download/Open (páginas 58-61)