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A HIDRODINÂMICA DO ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS

No documento Editora da FURG ! (páginas 92-97)

Cláudia Andréa Zuchoski Rizzi Os estuários são ambientes importantes para a reprodução e o desenvolvimento de inúmeras espécies animais e o descaso com este ambiente atinge toda a sociedade de forma direta ou indireta. Os problemas enfrentados pela pesca na Lagoa dos Patos são muitos. Entre eles está a falta de compreensão dos processos hidrodinâmicos do estuário. O objetivo deste texto é promover uma maior compreensão sobre a dinâmica estuarina e sua influência, direta ou indireta, na produção pesqueira como recurso de consumo e a importância dos processos hidrodinâmicos no ciclo de vida das diferentes espécies encontradas neste ecossistema bem como para o equilíbrio ecológico do mesmo.

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A Lagoa dos Patos, com uma superfície de 10.227 km , é classificada como a maior lagoa costeira de barreira do mundo, podendo ser dividida em cinco unidades biológicas: o Rio Guaíba, a Enseada de Tapes, a Lagoa do Casamento, o corpo central lagunar e o estuário (ASMUS, 1998). Ela está conectada com o mar através de um canal de navegação com 20 km de comprimento e 0,5-3 km de largura, formando uma região estuarina de aproximadamente 70 km de extensão. Águas de origem marinha

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se com as águas doces da bacia hidrográfica, que drena 200.000 km para o mar (metade do Rio Grande do Sul e parte do Uruguai, via Lagoa Mirim). Estas trocas entre lagoa e oceano favorecem a formação de uma área de alta produtividade biológica, que corresponde a menos de 10% da área total da Lagoa dos Patos, onde várias espécies encontram condições favoráveis para o seu desenvolvimento (SEELIGER, 1998). Dentre essas, estão algumas espécies de importância comercial como o camarão, a tainha e a corvina.

Até o início da década de 80, a pesca artesanal ocorria principalmente no estuário da Lagoa dos Patos, mas, a partir de 1982, as capturas decresceram abruptamente nessa área. Atualmente, a pesca estuarina não existe como atividade econômica rentável, com exceção da pesca da tainha e do camarão (REIS; RODRIGUES, 2003).

Na medida em que lagunas e estuários são ambientes importantes para a reprodução de inúmeras espécies de pescado, os desequilíbrios causados pela pesca excessiva nesses sistemas atingem os pequenos pescadores e causam uma diminuição da produtividade global do oceano (BLADER, 1997).

Os problemas enfrentados pela pesca artesanal na Lagoa dos Patos são muitos. Entre eles está a falta de compreensão dos processos hidrodinâmicos do estuário e qual a importância desses processos nos ciclos de vida das espécies alvo da pesca. A compreensão sobre a hidrodinâmica do estuário é importante para que haja outra percepção sobre o ambiente e uma melhor relação com o mesmo.

A Lagoa dos Patos recebe água dos rios Guaíba e Camaquã diretamente, e também da Lagoa Mirim, através do canal São Gonçalo. Esse grande fluxo de água dos rios e o aporte de grande quantidade de chuvas faz com que o movimento das águas na Lagoa dos Patos seja altamente variável e dinâmico.

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A área do estuário é de aproximadamente 970 km e, nesta região, existe uma troca de água com o Oceano Atlântico através de um canal que fica na cidade do Rio Grande. Ele é constituído de dois ambientes: um de águas costeiras rasas e protegidas e outro de águas centrais, abertas e profundas.

Existem duas correntes marinhas de grande importância para o estuário da Lagoa dos Patos: a corrente do Brasil, que vem do norte e é quente (sendo pobre em nutrientes); e a corrente das Malvinas, que vem do extremo sul e é fria (sendo rica em nutrientes). Estas correntes encontram-se na região costeira próxima ao estuário e misturam-encontram-se, tornando rica em nutrientes a água que entra, o que propicia o desenvolvimento de várias espécies de animais neste local, tais como a tainha, que entra no estuário na primavera para a engorda e amadurecimento das gônadas. Entre abril e maio já ganhou bastante peso e está pronta para a desova. Quando há a queda da temperatura e entrada de água marinha no estuário, acontece a corrida da tainha. Já as corvinas, quando adultas, desovam em águas marinhas adjacentes a Rio Grande, e só desovam no estuário se as condições da água forem semelhantes à do mar.

No caso dos camarões, quando há a entrada de água do mar para a Lagoa, na primavera, suas larvas utilizam-se deste movimento para penetrar no estuário e desenvolverem-se. O crescimento é rápido e, após quatro ou cinco meses, saem juvenis.

Quanto ao fluxo da água que vem do continente é drenado através do rio Guaíba, do rio Camaquã e do canal São Gonçalo. Esta descarga de água varia muito conforme as estações do ano; geralmente há maior fluxo nos meses de inverno e primavera e menor descarga de água doce nos meses de verão e outono.

A água que chega ao estuário através do Canal São Gonçalo é controlada por barragens artificiais para impedir o movimento inverso, ou seja a penetração de água salgada na Lagoa Mirim em períodos de estiagem, evitando assim que a água salgada prejudique o plantio de arroz, que é cultivado na região.

O estuário da Lagoa dos Patos tem pouca influência de marés, que podem ser em média de 0,5 m. Este fato acontece porque o canal de acesso à Lagoa é estreito e funciona como um filtro amortecedor, fazendo com que só se sinta a influência de maré na parte afunilada do estuário. Nesta parte mais estreita, o fluxo de saída de água pode chegar a 1,9 m/s depois de chuvas fortes, enquanto no corpo central do estuário, chega aproximadamente a 0,3 m/s diminuindo desta forma a amplitude da maré ao avançar para o estuário.

A Lagoa é mais influenciada pelos ventos do que pelas variações de maré. Os regimes de ventos que predominam nessa região são o nordeste (do continente em direção ao mar), entre setembro e abril, e o sudoeste (do mar para a Lagoa), entre maio e outubro. Estes ventos são considerados o principal fator forçante, pois controlam a circulação da água, a distribuição da salinidade e os níveis de água após o período de chuvas. Com a pouca variação de maré, o que influencia a variação de salinidade é a direção dos ventos e a descarga de água doce. Quando o vento é nordeste (NE), favorece a descarga de água da lagoa (vazante) para o mar e quando temos ventos do quadrante sul (sudeste e sudoeste) favorecem o aumento dos níveis de água na lagoa (enchente).

A temperatura e a salinidade aumentam no verão, por ação dos ventos e pela pouca incidência de chuva nesta época do ano. Já no inverno, com o aumento da descarga de água doce e a predominância de ventos nordeste, a temperatura e a salinidade são baixas.

Quando há uma grande descarga de água doce da bacia de drenagem (muita chuva), juntamente com ventos sudeste e sudoeste (de enchente), tem-se a formação de cunha salina, onde temos água doce saindo por cima e água salgada entrando por baixo no canal do estuário, formando assim o que chamamos de estratificação, que é quando temos uma faixa de água doce na superfície saindo do estuário e, mais abaixo, temos água salgada entrando no estuário.

As mudanças que o estuário sofre de homogêneo - mais água doce ou mais água salgada - para estratificado - extratos de água doce e salgada ao mesmo tempo - são controladas por efeitos combinados de variação da descarga de água e ventos, e menos influenciado pela maré. Estas variações tornam o estuário muito instável em termos de componentes químicos. Além disso, temos também zonas distintas dentro do estuário, umas rasas e abertas, outras semiabertas e cada uma com características físico-químicas diferentes e com variações conforme as estações do ano,

Também temos a influência do fenômeno El Niño, que é um aquecimento das águas do Oceano Pacífico, na costa da América do Sul, atingindo diretamente Peru e Equador. Geralmente, este aquecimento é observado no mês de dezembro, daí o nome El Niño, que significa “o menino Jesus” e foi dado por pescadores peruanos na época do fenômeno. Como consequência, ocorre o aumento das chuvas no estuário, desencadeando alterações no clima da região (enchentes, temperaturas altas, às vezes até secas etc.).

O entendimento dos processos hidrodinâmicos geram uma maior interação entre os diferentes conhecimentos, proporcionando a construção de bases que podem promover uma compreensão e, consequentemente, um compromisso dos diferentes atores sociais com este ambiente.

No artefato (CD) que acompanha este material, encontra-se disponibilizado o jogo “Passeio de Barco no Estuário” de forma digital.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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(Gunther, 1880) do estuário da Lagoa dos Patos. Dissertação de

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No documento Editora da FURG ! (páginas 92-97)