• Nenhum resultado encontrado

5. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

5.1 A HIERARQUIA INTERNA DOS TRATADOS DE DIREITOS

5.1.1 A hierarquia dos tratados de direitos humanos no

Como já ventilado, a Constituição Brasileira de 1988 marcou o processo de

redemocratização do país. Seu texto tem cunho nitidamente humanista, o que se nota pela

definição da dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1ª, III, CRFB)

182 Id. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 190. 183 SLOBODA, Pedro Muniz Pinto; TAVARES, Sergio Maia. Direito interno e Direito Internacional: integração sistemática. In: ANUNCIAÇÃO, Clodoaldo; MENEZES, Wagner; VIEIRA, Gustavo Menezes (Org.). Direito Internacional em expansão. 1ª Ed. Vol. III. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, p. 504-514.

184LEGALE, SIddharta. Neoconstitucionalismo internacionalizado e internacionalização do direito: o engajamento tardio do direito constitucional do Brasil na esfera internacional. In: TIRRBURCIO, Carmen (Org.). Direito Internacional – Coleção 80 anos da UERJ. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 543- 570.

185Sloboda e Tavares apresentam tal modelo como aquele “na qual Constituições nacionais e tratados internacionais concorrem no mesmo espaço hierárquico normativo e, nele, articulam-se de modo heterárquico e poliárquico” (SLOBODA, Pedro Muniz Pinto; TAVARES, Sergio Maia, Op. Cit.)

186Legale apresenta tal fenômeno da seguinte forma: “o ordenamento jurídico tornou-se um trapézio, cuja aresta mais estreita e elevada, além de contar com a normatividade da Constituição, passou a compartilhar seu altiplano normativo com os direitos humanos, o direito comunitário e as normas de jus cogens do direito internacional. Há um pluralismo de ordenametos superiores.” (LEGALE, Siddharta. Op. Cit.)

187Por fim, Legale apresenta o paradigma do ordenamento jurídico construído em rede proposto por François Ost e Michel van de Kerchove, pelo qual “chamam atenção para o temperamento da hierarquia e a interpenetração de sistema e pluralidade de pirâmides. Pirâmides descontínuas, em arquipélagos, coordenadas em redes de interlegalidade. (Ibid.)

76

e pela determinação da prevalência dos direitos humanos nas suas relações internacionais (art.

4ª, II, CRFB). Neste contexto, determina o art. 5º, § 2º da CRFB que

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Destarte, apesar de se garantir em âmbito interno os direitos previstos em tratados

internacionais, não havia previsão quanto à hierarquia destes. Em consequência, desenvolveu-

se acirrada disputa doutrinária acerca do assunto, formada por quatro correntes, a saber: a

corrente supralegal, a qual atribui aos tratados de direitos humanos status inferior à

Constituição e superior à legislação ordinária; a corrente supraconstitucional, segundo a qual

os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à Constituição; a corrente

infraconstitucional, que interpreta os tratados de direitos humanos como pares às leis

ordinárias e, portanto, revogáveis pelo princípio geral do Lex posteriori derogat Lex priori; e,

por fim, a corrente constitucional, que atribuí às normas de direitos humanos status

constitucional.

Tentando dirimir tais dúvidas, acrescentou-se à Constituição o art. 5º, § 3º, CRFB,

pelo qual

§ 3º – Os tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Perceba-se, entretanto, que o legislador não esclareceu a posição hierárquica dos

tratados recepcionados pelo Ordenamento brasileiro antes que fosse acrescido o supracitado

artigo. De mesmo modo, resta obscuro a hierarquia dos tratados doravante ratificados que não

alcancem o quórum disposto pelo art. 5º, § 3º, CRFB.

A questão foi decidida pelo STF no julgamento do RE 466.343 em 03 de dezembro de

2008. O caso julgado questionava a possibilidade de prisão civil do depositário infiel em face

do art. 7, 7 do Pacto de San José da Costa Rica. Neste caso, argumentou o ministro Celso de

Mello

(...) que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da emenda constitucional 45/2004, como ocorre com o Pacto de San José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente

77

constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade188.

De outro modo concluiu o ministro Gilmar Mendes, dispondo que

Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite ao Estado brasileiro, ao fim e ao cabo, o descumprimento unilateral de um acordo internacional, vai de encontro aos princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado pactuante "pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado". Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana189.

Consagrou-se vitoriosa a segunda posição, entendendo, portanto, que os tratados de

direitos humanos anteriores a EC 45/2004 ou que não alcancem o quórum estabelecido pelo

art. 5º, § 3º, CRFB, têm status supralegal.

Diverso, porém, é o entendimento de parte da doutrina:

No contexto da abertura brasileira ao sistema e ao Direito Internacional, o Constituinte originário de 1987 conferiu aos tratados internacionais de Direitos Humanos natureza materialmente constitucional, por meio do art. 5º, § 2º da Constituição Federal. Apesar de não fazer referência explícita, o que a Constituição executou foi a inclusão dos direitos decorrentes dos Tratados Internacionais no catálogo de garantias de seu art. 5º. Ou, pelo menos, reconheceu a existência de direitos fundamentais fora do texto constitucional, o que significa dizer que esses direitos fundamentais “exógenos” integram o bloco de constitucionalidade e, destarte, materialmente, têm hierarquia constitucional190-191.

Por esta ótica, o art. 5º, § 2º, CRFB, conferiria a toda norma de direitos humanos

ratificada pelo Brasil condição equivalente a das normas constitucionais. Ao passo que a

188 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle de convencionalidade (na perspectiva do direito brasileiro). In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. (Org.) Controle de convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai. 1ª Ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 63.

189STF, RE 446.343 SP, rel. ministro Cezar Peluso, Brasília, 03 dez. 2008.

190 SLOBODA, Pedro Muniz Pinto; TAVARES, Sergio Maia. Direito interno e Direito Internacional: integração sistemática. In: ANUNCIAÇÃO, Clodoaldo Silva da; MENEZES, Wagner; VIEIRA, Gustavo Menezes (Org.). Direito Internacional em expansão. 1ª Ed. Vol. III. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, p. 504-514. 191 No mesmo sentido, cf. PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 125 et seq. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso Internacional de Direito Público. 6ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 835 et seq. Id, O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 79 et seq.

78

leitura sistemática dos §§ 2º e 3º do art. 5º determinaria a norma como material e formalmente

constitucional. Com efeito,

(...) o que se quer dizer é que o regime material (menos amplo) dos tratados de direitos humanos não pode ser confundido com o regime formal (mais amplo) que esses mesmos tratados podem ter, se aprovados pela maioria qualificada ali estabelecida. Perceba-se que, neste último caso, o tratado assim aprovado será, além de materialmente constitucional, também formalmente constitucional. Assim, fazendo-se uma interpretação sistemática do texto constitucional em vigor, à luz dos princípios constitucionais e internacionais de garantismo jurídico e de proteção à dignidade humana, chega-se à seguinte conclusão: o que o texto constitucional reformado quis dizer é que esses tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, que já tem status de norma constitucional, nos termos do art. 5º, § 2º, poderão ainda ser formalmente constitucionais (ou seja, ser equivalentes às emendas constitucionais), desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do § 3º do mesmo art. 5º da Constituição.

Mas, quais serão esses efeitos mais amplos em se atribuir a tais tratados equivalência de emenda para além do seu status de norma constitucional? São três os efeitos: 1) eles passarão a reformar a Constituição, o que não é possível tendo apenas o status de norma constitucional; 2) eles não poderão ser denunciados (...); 3) eles serão paradigma do controle concentrado de convencionalidade, podendo servir de fundamento para que os legitimados do art. 103 da Constituição (...) proponham no STF as ações de controle abstrato (...) a fim de invalidar erga omnes as normas infraconstitucionais com eles incompatíveis192.

Documentos relacionados