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Ainda no que tange ao aspecto subjetivo, traça-se também a diferença entre os

possíveis modelos de controle em relação ao número de órgãos que exercem a garantia da

constitucionalidade. Desta forma, a fiscalização constitucional cuja titularidade se congrega

em um só órgão denominar-se-á concentrada. Em geral, este órgão representará Corte

Constitucional especial ou órgão de cúpula do Judiciário. Por outro lado, chamaremos difuso

o controle executado por todos os órgãos titulares de jurisdição.

Notadamente, o controle difuso é atribuído ao sistema estadunidense de

controle de constitucionalidade e tem como leading case a decisão do juiz John Marshall na

histórica litigância Marbury v. Madison, aqui já citada. Neste sistema, qualquer órgão

jurisdicional incumbido da aplicação da lei é competente para conhecer da

inconstitucionalidade do ato normativo e, com efeito, poderá afastar sua aplicação no caso

concreto. Como posto por Cappelletti:

A função de todos os juízes é a de interpretar as leis, a fim de aplica-las aos casos concretos de vez em vez submetidos a seu julgamento; uma das regras mais óbvias

58BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30.

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da interpretação das leis é aquela segundo a qual, quando duas disposições legislativas estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar a prevalente; (...) mas, evidentemente, estes critérios não valem mais (...) quando o contraste seja entre disposições de diversa força normativa: a norma constitucional, quando a Constituição seja “rígida” e não “flexível”, prevalece sempre sobre a norma ordinária contrastante, (...) Logo, conclui-se que qualquer juiz, encontrando-se no dever de decidir um caso em que seja “relevante” uma norma legislativa ordinária contrastante com a norma constitucional, deve não aplicar a primeira e, ao invés, aplicar a segunda.59

O controle concentrado, por sua vez, tem como precedente histórico o modelo adotado

pela Constituição austríaca de 1920, esta desenvolvida por Hans Kelsen a pedido do governo

daquele país. Neste, o exercício do controle de constitucionalidade será realizado por apenas

um único órgão; alternativamente, por um conjunto determinado de órgãos criados para este

fim ou que tenham nessa fiscalização sua operação principal. Na concepção kelseniana,

diferentemente da judicial review norte-americana, o controle de constitucionalidade não

caracterizaria propriamente uma fiscalização judicial da adequação constitucional da lei ou

ato normativo, mas, de outro modo, tratar-se-ia de função constitucional autônoma

aproximada a uma atuação legislativa negativa. Este Poder Legislativo negativo implicaria a

necessidade de que a Corte Constitucional fosse composta “não por juízes de carreira, mas por

pessoas com perfil mais próximo ao de homens de Estado”

60

. Esmiuçando a ideia kelseniana,

diz Cappelletti que:

A atividade de interpretação e de atuação da norma constitucional, pela natureza mesma desta norma, é, não raro, uma atividade necessária e acentuadamente discricionária e, lato sensu, equitativa. Ela é, em suma, uma atividade mais próxima, às vezes – pela vastidão de suas repercussões e pela coragem e responsabilidade das escolhas que ela necessariamente implica – da atividade do legislador e do homem de governo que da dos juízes comuns: de maneira que pode-se bem compreender como Kelsen na Áustria, Calamandrei na Itália e outros não poucos estudiosos tenham considerado, ainda que, erradamente, em minha opinião, dever falar aqui de uma atividade de natureza legislativa (“Gesetzgebung” ou, pelo menos, “negative Gesetzgebung”) antes que de uma atividade de natureza propriamente jurisdicional.61

Também foram decisivas as distinções entre matrizes jurídicas common law e civil law

de diferentes modelos de controle na Europa continental e nos Estados Unidos da América.

Isto porque, enquanto nos EUA vigora o instituto do stare decisis, ou princípio do vínculo dos

59CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 75-76.

60 BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit. p, 71. 61

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precedentes, tal noção era alheia aos países de tradição romano-germânica. Sobre a figura do

stare decisis, aduz Barroso que:

Esta expressão designa o fato de que, a despeito de exceções e atenuações, os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos jurisdicionais inferiores no âmbito da mesma jurisdição. Disso resulta que a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais. E, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz com consequência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes).62

Na medida em que era ausente um mecanismo similar na Europa continental, a

singularidade do órgão atribuído de um Poder de fiscalização constitucional evitaria, no

modelo austríaco, possível conflito entre a interpretação dos diferentes órgãos e a consequente

incerteza do direito.

Conjugando ambos os critérios subjetivos, quais sejam a natureza e a quantidade de

órgãos competentes ao controle de constitucionalidade, tem relevo apontar que “a fiscalização

jurisdicional pode, por conseguinte, tanto ser difusa como concentrada; a fiscalização política

é (ou tende a ser) sempre concentrada;”

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.

Ademais, cumpre mencionar os sistemas de controle misto de constitucionalidade,

onde são concomitantes os perfis difuso e concentrado de controle de constitucionalidade.

Neste controle misto, é reconhecida a competência dos tribunais de jurisdição ordinária de

declarar a inconstitucionalidade das leis ou ato normativos e sua inaplicação em caso concreto

– além do que há uma Corte Constitucional ou Suprema Corte dotada de competência para

conhecer da inconstitucionalidade do objeto normativo em abstrato.

Neste ponto, note-se a defesa de José Afonso da Silva do que reconhece como sistema

dual ou paralelo, onde coexistiriam ambos os modelos de controle de constitucionalidade. Em

suas palavras,

Inclino-me hoje para o sistema dual ou paralelo. Acho que uma Corte Constitucional, para bem cumprir sua missão, não pode contaminar-se com o método difuso de controle de constitucionalidade. O método difuso não é propício a uma defesa dos valores da Constituição, preso que é à decisão de um caso concreto, já que a solução deste é que constitui a principal razão da atuação da jurisdição. Daí porque o método difuso é mais adequado à atuação da jurisdição ordinária. O que dá essência a um Tribunal Constitucional é a sua exclusiva competência para o controle abstrato de normas jurídicas, sua posição de órgão de Estado, situado fora do aparato judiciário, ocupando um lugar a parte na organização dos poderes, não sendo, pois,

62 BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit. p, 70-71. 63

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parte de nenhum dos três poderes clássicos do Estado, mas há de ser tratado em igualdade de condições e respeito a estes três poderes.64

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