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A história que precede a fundação da empresa CTBC

Tito Teixeira, além de proprietário da extinta Empresa Telefônica Teixeirinha – segundo a biografia escrita por seu sobrinho Fábio Teixeira Rodrigues Chaves –, também atuou como caixeiro, cometa, comerciante, cavaleiro, ciclista, chofer, aviador, esportista, político e escritor. Escreveu, dentre outras, a obra em apreço neste trabalho: Bandeirantes e pioneiros do Brasil Central – História da criação do município de Uberlândia, publicada em 1970.

No primeiro volume da referida obra, o autor, a partir de uma perspectiva da historiografia oficial, descreve os “grandes acontecimentos” da região. Segundo Gonçalves, no prefácio do mesmo, “se trata de um verdadeiro ‘livro de linhagens’ ao estilo antigo ou melhor um ‘who is who?’ de nossos dias atuais”. Baseando-se em fatos vivenciados ou documentações, o autor descreve o povoamento da região e vários atos públicos, desde a época do Império, no que tange a Uberlândia e região. No segundo volume, o autor dedica-se

a biografias de personalidades identificadas, segundo sua ótica, com a História de Uberlândia – inclusive a sua – nos diversos ramos de atividades, de 1818 até 1968.

Para compreender a CTBC, creio que é importante remontar aspectos históricos que antecedem sua fundação. Para tanto, me pautarei na visão de Tito Teixeira difundida nesta obra tentando relativizar a imagem casta da fundação da empresa. Além dessa obra, analisarei também a seção Nasceu em Uberlândia uma grande empresa – CTBC da edição extra da Revista ACIUB em Revista (publicação especial da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia, comemorativa do cinqüentenário de sua fundação).

Para implantação do serviço de telefonia em Uberlândia, a Câmara Municipal assinou um contrato por 25 anos a pedido de Cormindo Coelho em 29 de Novembro de 1910. Em 1919, José Monteiro da Silva e sua mulher, D. Senhorinha Teixeira da Silva, transferiram o respecitvo contrato e suas instalações, com uma mesa comutadora para 50 assinantes, a Arlindo Teixeira e Tito Teixeira. A partir de então houve uma expansão dos serviços telefônicas aos municípios de Itumbiara, Ituiutaba e Tupaciguara. Em 1932, a empresa recebeu o nome de Empresa Telefônica Teixeirinha, pois Tito Teixeira comprou a parte de seu sócio e, em 1941, ampliou a capacidade inicial de 50 assinantes para 500.

Decorrente da renovação contratual com a Prefeitura Municipal, em 1952, houve uma ampliação de mais 1000 telefones automáticos na cidade. Tal contrato possibilitou um lucro de 12% ao ano sobre o capital empregado, segundo a Lei nº 1.362, de 8 de setembro de 1945, do Governo Estadual. Entretanto, ao reformular o contrato estabelecido anteriormente, a Câmara Municipal contribuiu para que a empresa Ericson do Brasil desistisse de financiar o projeto do então proprietário Tito Teixeira:

A concessionária já estava de posse do orçamento de onze milhões de cruzeiros para as novas instalações, a serem pagos mensalmente com o lucro líquido de cada mês e juros módicos de 7% anuais, como foi da primeira instalação e por tempo indeterminado, desde que não houvesse solução de continuidade, quando a Câmara Municipal mutilou as garantias contratuais de tal forma que a Ericsson do Brasil desistiu de sua proposta de financiamento alegando que, com aquelas tabelas impostas pela municipalidade, não seria possível uma solução satisfatória nos pagamentos. Nestas condições a concessionária iniciou a formação de uma sociedade anônima para cumprimento das cláusulas contratuais, na expectativa de, verificada a impossibilidade de alcançar as garantias estipuladas (...) apelar para os poderes competentes (Teixeira, 1970: 269).

Todavia, ao resgatar sua história, o discurso oficial da CTBC, desde sua gênese, traz em sua centralidade um enredo que coloca seus proprietários numa perspectiva heróica de

desbravadores do progresso e da modernidade, afirmando que quando a Associação Comercial de Uberlândia necessitava de ampliação das comunicações surgiu uma sociedade anônima para cumprir os contratos, liderada por Alexandrino Garcia, Hélvio Cardoso, Francisco Caparelli e Elpídio Aristídes de Freitas, membros da Associação Comercial objetivando organizar a empresa à altura das exigências da época (Revista Teleco, 1989:114).

Neste trecho, o surgimento da sociedade anônima é mencionado como se fosse um ente metafísico que tivesse surgido por acaso. O que está camuflado é o fato de que essa sociedade fora formada por pessoas atuantes e influentes no poder público local. Além disso, quando se emprega a assertiva “objetivando organizar a empresa à altura das exigências da época”, impõe-se como fato a visão de que a disputa do poder é dotada de uma necessidade para corresponder às exigências da época e não como um anseio material de seus propulsores.

Tito Teixeira, sentindo-se lesado face a esses acontecimentos, tem uma versão diferente desse discurso, apontando outros elementos que constituem a história da origem da CTBC:

Nesse ínterim surgiu uma comissão composta dos senhores Alexandrino Garcia (...) apresentados como representantes da Associação Comercial de Uberlândia para auxiliar na composição da Sociedade Anônima, prontificando-se a passar as ações, independentemente da presença do concessionário que gentilmente aceitou a oferta, ponderando que depois diria com quantas ações iria ficar na formação da nova sociedade. Como a comissão não mais aparecesse e tendo vendido todos os títulos sem a reserva estabelecida pelo concessionário, este resolveu vender suas diversas concessões e respectivas instalações a esse grupo que pretendia organizar uma sociedade a seu modo, tendo a Câmara Municipal dado a eles e em nome do concessionário, todas as bases contratuais que havia negado à velha empresa de 35 anos de existência, pioneira do serviço de telefones automáticos no Brasil Central, na cidade de Uberlândia. Em face do acontecido e estipuladas as bases da transferência, em 15 de março de 1954, a Companhia Telefônica do Brasil Central entrou na posse de suas instalações contratuais (...). A nova concessionária encomendou nova estação automática, para a sede, demoliu o novo e bonito prédio da Teixeirinha, construiu outro de maiores dimensões de dois andares e transferiu as instalações existentes para a cidade de Itumbiara, nada ficando de Teixeirinha na cidade de Uberlândia a não ser a página de um grande esforço, registrada na sua história (Teixeira, 1970: 270).

Tito Teixeira em uma Carta Aberta aos Acionistas da Cia de Telefones do Brasil Central e ao Público em Geral datada de 15 de Outubro de 1954, faz sérias denúncias ao processo de concessão dos serviços telefônicos que beneficiou o grupo liderado por Alexandrino Garcia.

Vi com surpresa que havia sido traído na minha boa fé, pois os meus companheiros de comissão, aclamados conjuntamente pela Assembléia da Associação Comercial, me haviam abandonado, excluindo-me de quaisquer entendimentos que se relacionassem com a incorporação da Cia, a ponto de esquecerem, por conveniência pessoal, que o patrimônio em questão e em torno do qual se processava tão grande realização pertencia a mim e somente a mim. (...). Colocaram-me na impossibilidade de ser acionista de meu próprio acervo, que constituía para mim um orgulho de perseverança mantido por 35 anos com os maiores sacrifícios econômicos, políticos e sociais (...) Desconfiava que a demora de dois anos na solução de meu caso contratual engavetado na Secretaria da Câmara tivesse ligação com os interesses do truste constituída por meia dúzia de cidadãos que se apoderam de todas as iniciativas lucrativas nesta cidade (...) (Apud Simonini: 53). Ao reclamar da depreciação do seu patrimônio (avaliada em CR$ 8.000.000,00 e comprada pela metade, CR$ 4.000.000,00), Tito Teixeira é contundente em relação à comissão que constituía a sociedade anônima, à Associação Comercial e aos vereadores locais,

e desertando de minha pessoa sem mais se aproximarem, sendo eu tratado com indiferentismo todas as vezes que os procuro, como se não tivesse sido eu o dono absoluto do bom bocado que eles levam à boca, num flagrante abuso dos direitos de outrem (Idem).

No entanto, em Julho de 1961, na ocasião da inauguração da ampliação da estação – passando de 1000 para 300023 telefones automáticos – Alexandrino Garcia reporta-se a Teixeira com diplomacia e evidencia algumas prerrogativas no trânsito com o poder:

Isso devemos à cooperação e comunhão de esforços da Egrégia Câmara Municipal, Prefeito Municipal, Ericsson do Brasil e o progressista e dinâmico povo Uberlandense. Ao ensejo merecem especial destaque como impulsionadores das comunicações telefônicas de nossa cidade: Tito Teixeira, esse incansável batalhador e infatigável idealista do progresso de nossa terra, fundador intemerato da Empresa Teixeirinha, que, nos idos da querida Uberabinha, trouxe-nos a possibilidade de utilizar o grande invento de Bell; as nobres autoridades municipais, Prefeito, Sr. Geraldo Mota Batista, e dignos vereadores, que, num espírito de alta e elevada compreensão, propiciaram um aditivo contratual, que possibilitou o aumento de 1000 aparelhos; a Ericsson do Brasil Comércio e indústria na pessoa de seu ilustre representante Wolf Kantif, a qual vêem de há muito acompanhando o nosso desenvolvimento e tudo fazendo para que o mesmo seja sempre positivo e legítimo, os dedicados funcionários da CTBC que, zelosos e abnegados, desde os mais humildes aos mais graduados, tudo têm

23. Em 26 de novembro, [numa] “solenidade, a empresa comemorou a marca de meio milhão de telefones em

serviço, sendo 380 mil fixos e 120 são celulares, em toda sua área de atuação, o que representa um telefone para cada cinco pessoas” (Jornal Correio de Uberlândia, 26-11-98 p.7).

feito pelo engrandecimento da Companhia (...) (Garcia apud Teixeira, 1970: 271).

Por outro lado, Teixeira remete aos proprietários da CTBC, nesta mesma solenidade, com deferência:

Agora, Uberlândia, rainha do Triângulo!.. metrópole do Brasil Central!.. é a ti que nos dirigimos: foste agraciada com um majestoso palácio e um serviço de telefones automáticos à altura da tua grandeza e do teu progresso!.. não temos mais aquelas energias aptas a colaborar contigo na construção do teu trono de glória como rainha das cidades do interior!.. desde 7 anos de idade temos dado a ti o que era possível dispor de nossas energias e capacidade intelectual!.. agora queremos que nos coloques no álbum de tua vida e nas páginas do esquecimento, como uma reminiscência do passado!..

A vós senhores diretores, as minhas felicitações pelos êxitos alcançado nesta batalha onde lutaram com sabedoria e devotamento, vencendo as dificuldades naturais do grande feito. O vosso orgulho é completo, pois dotaste esta bela terra que tanto veneramos de um aparelhamento telefônico dos mais modernos e eficientes, em correspondência com o seu progresso. Abristes um livro de ouro, onde o povo de Uberlândia por um dever de gratidão, registrará as mais belas impressões deste feito histórico (1970: 273).

A ACIUB, ao longo de sua história, é conivente com esse discurso ufanista sobre a CTBC, que tem sido legitimado por gregos e troianos (inclusive pelo próprio Tito Teixeira):

A CTBC crescia prodigiosamente, consolidava-se magnificamente uma antiga aspiração da ACIUB em melhorar os serviços telefônicos de Uberlândia, graças à capacidade de empresários que ampliaram substancialmente a meta inicial, dando vida a uma empresa que é modelo no Brasil inteiro. Hoje a CTBC é um exemplo de organização bem dirigida, com excelente desempenho técnico-operacional, situando-se entre as mais conceituadas do país. (...) Assim, Alexandrino Garcia e seus companheiros, dentre eles o filho Luiz Humberto Garcia, seguidor e ampliador de sua obra, aumentaram ainda mais sua área de atuação, sempre carregando como bandeira em suas novas conquistas, o ideal do progresso, o exemplo do trabalho e o estímulo a novos colaboradores que quisessem arregaçar as mangas e unir esforços em prol dessas mesmas causas (Revista ACIUB em Revista, 1983: 101).

Ao evidenciar este conflito da disputa do poder pela via do patrimônio, desvanece-se a imagem heróica do fundador da atual CTBC, como aparece no discurso oficial da empresa, e revela os interesses movidos pela lógica do capital.

A história da origem da CTBC e o enfoque dado ao seu patriarca, Alexandrino Garcia, evidenciam a forma como são produzidas e legitimadas as figuras míticas. Com base nas idéias de sucesso meritocrático, verdadeiros mitos, símbolos do progresso, da ordem e do

desenvolvimentismo, são construídos e, por meio da ideologia do trabalho, ocultados os mecanismos da disciplinarização, da obediência e da exploração do trabalho – dimensões veiculadas, até os dias atuais, tanto no interior da empresa, quanto na organização escolar por meio de ações ali desenvolvidas pela empresa.

Mais de uma centena de anos se passaram desde a fundação oficial da cidade de Uberlândia e ainda podemos identificar no discurso de representantes do maior grupo empresarial da cidade – o Grupo ABC ALGAR – elementos em comum com o discurso oficial do início do século a respeito da categoria trabalho. Aliás, a categoria trabalho continua sendo central para compreendermos a complexidade das relações sociais estabelecidas entre os homens. Na próxima seção, enfoco, pois, a organização do espaço social uberlandense por acreditar que é necessário investigar o processo de produção da busca do progresso pelo trabalho e a elucidação do espaço social onde tal empresa se originou e se desenvolveu. Parece existir uma simbiose entre o ideário de progresso e modernidade da empresa e o da cidade, assim, creio ser oportuna uma imersão no locus24 onde a empresa se encontra, a fim de possibilitar uma compreensão dos mecanismos que a tornam determinada e determinante do habitus social local.

1.5. “Ordem e progresso” no berço da empresa CTBC

Assim como na empresa em estudo foi produzido um herói do trabalho, exemplo de vida para seus empregados, por ter sido capaz de edificar, a partir de seu esforço pessoal, uma empresa que, já nos seus primórdios, foi símbolo de progresso e sinônimo de prosperidade pessoal, também na cidade, na qual, desde sua fundação, foram criados vários ídolos para espelhar comportamentos em seus habitantes.

O primeiro deles é o fundador da cidade: Felisberto Alves Carrejo, cuja historiografia oficial tece um enredo que o retrata como símbolo da moral, da justiça, da ordem e do

24. Não me deterei em uma análise pormenorizada das dimensões históricas, econômicas, culturais e políticas do

espaço social em questão por já existirem várias produções que a fizeram tanto na sua dimensão oficial com viés ufanista - como os trabalhos de PEZZUTI (1922); TEIXEIRA (1970); SILVA (1983) - quanto com abordagem crítica da dimensão apologética encarnada na história oficial - como os trabalhos de: ALEM (1991), ALMEIDA (1993), GUIMARÃES (1990); MACHADO (1991); OLIVEIRA (1993); SIMONINI (1994); SOARES (1993); SILVA (2000); VASCONCELOS (1993). Em alguns casos, esses trabalhos trouxeram importantes contribuições para a reconstituição que faço do espaço urbano local por me remeterem a valiosas fontes documentais primárias da história local.

trabalho. Além disso, segundo a própria narrativa de Teixeira, é possível identificar o monopólio de questões sociais encarnado na figura de uma pessoa:

Felisberto Alves Carrejo era professor, dotado de perfeita formação moral e religiosa, adquirida de ancestrais e consolidada na fonte espiritual do colégio dos missionários catequistas da confraria de São Bento do Tamanduá, no Oeste de Minas (...) Fixando sua residência na fazenda da Tenda, criou para aquele local um ponto de convergência de todas as atenções das regiões ocupadas, onde seus passeantes iam buscar conselhos e orientação para a solução de questiúnculas comerciais, sociais ou familiares. Felisberto Carrejo criou em torno de sua figura patriarcal um culto de admiração e respeito de tal envergadura, que o transformou em apóstolo da família. (...) Sentindo necessidade de ministrar instrução à mocidade sempre crescente na região, Felisberto Carrejo instalou, em sua própria residência, a primeira escola de alfabetização dentro do território (...) (1970:21).

Percebe-se, pois, no perfil desse “apóstolo da família” uma relação que surge da dominação patriarcal na esfera privada, a família, e alcança espaços institucionais, como é o caso da criação da escola. É preciso proporcionar uma formação moral às futuras gerações que comporão esse novo espaço social. E que outras instituições garantirão essa meta a não ser a Família, a Escola e a Igreja? Assim,

Em 1846, feita a divisão das terras da sesmaria, Felisberto Carrejo, considerado o fundador da cidade, muda-se para a Fazenda do Salto onde adquirira dez alqueires de terra. Nesse local construiu a sua residência e em volta deste terreno surgiu o povoado de São Pedro do Uberabinha, hoje bairro Tabajaras. Daí para frente foram surgindo os equipamentos que constituiriam a futura cidade de Uberlândia: a primeira escola e a Capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião onde hoje funciona a Biblioteca Municipal (Secretaria Municipal de Planejamento, Banco de dados. Versão 1997).

Além da busca de disciplinarização do espaço por meio de instituições garantidoras da ordem, percebe-se também na historiografia oficial que a idéia de modernização e progresso estão presentes desde 1888, quando Uberlândia conquistou sua autonomia de Município. Esse fato é elucidado na caracterização do espaço expresso no documento que solicita a criação do município de São Pedro de Uberabinha conforme descrito por Pezzutti:

A representação popular, portadora das aspirações locaes, foi apresentada à assembléia provincial mineira em 7 de agosto de 1888, pelo então deputado Augusto César Ferreira e Souza, mais tarde procer na política de Uberabinha, notando que essa representação já ennumerava uma série de melhoramentos que asseguravam ao districto direito às pretensões solicitadas. De facto, reza esse documentos, em Uberabinha já se encontravam sessenta engenhos de canna, sete engenhos de serra, nove

olarias de telhas, seis officiais de ferreiros, quatorze officinas de sapateiros, seiscentos carros arreados em trabalho, duzentos predios, um cemitério, obra de pedra aperfeiçoada, uma matriz importante, contendo todos os paramentos, uma igreja do Rosario em construção, duas aulas do sexo masculino e feminino, oito aulas particulares, dez capitalistas, nove negociantes de fazendas, doze negociantes do generos do paiz e molhados, uma fonte de águas sulphurosas já acreditadas, um hotel bem montado, pedras de diversas qualidades e muitas madeiras de lei. O mesmo documento orçava a exportação annual de gado, porcos e mais generos em cem contos, a importação em cento e cincoenta contos, o numero de eleitores em oitenta, o numero de cidadãos aptos para jurados em duzentos, a creação de gado vaccun em vinte mil cabeças (Apud Alem, 1991: 87).

A idéia de progresso foi e continua sendo uma marca indelével na história de Uberlândia, como é possível depreender a partir da descrição feita por Pezzuti de seu espaço urbano de 1922.

A vetusta Matriz, limpa e bem conservada embora, fica sempre uma construcção obsoleta, de pesada architectura colonial, e a capella do Rosario não passa de acanhada e desguarnecida ermida sertaneja. São senões da moderna Uberabinha que, temos fé, quanto antes serão sanados (...) A par do progresso material o progresso intelectual de Uberabinha se há grandemente acentuado neste ultimo deccenio. Data d’ahi o progresso ascesivel de Uberabinha, que viu succesivamente augmentada a sua população pela immigração de elentos forasteiros, interessados nos intercâmbios, e muitos deles portadores de iniciativas de utilidade publica e privada, iniciadores, portanto, de melhoramentos locais e regionaes (Idem, 1991:89).

A conquista do progresso perseguido pela política local advém do desenvolvimento econômico e da manutenção da ordem encarnando a premissa básica do positivismo “ordem e progresso”. A historiografia oficial assumiu um importante papel na construção imagética da cidade através da representação ufanista desse espaço. Ao desenhar a imagem dessa cidade, a escrita oficial de sua história a aproxima muito do legendário e do mítico, ocultando sua realidade tangível. Essa imagem assume um poder de convencimento tal que a cidade já recebeu os codinomes de “cidade progresso” e “Eldorado”.

É interessante ressaltar que esses ícones da cidade são produzidos por pequenos grupos detentores do poder e veiculados de múltiplas formas, capilarmente, utilizando um termo Foucaultiano. Desta maneira, a historiografia oficial e as várias instituições, dentre elas, a legislação, produzem mecanismos de justificação do poder, perpetuando e fortalecendo o sistema capitalista na disciplinarização do espaço nas suas micro-relações. É o que podemos

constatar a partir da organização do espaço urbano uberlandense expresso no Código de Posturas do Estatuto e Leis da Câmara Municipal de São Pedro de Uberabinha25, de 1903:

Art. 99 – São considerados jogos ilícitos: o lasquinet, a estrada de ferro, o trinta e um, vinte e um, a roleta, primeira pacáu, búzio, pinta, vermelhinha e outros reconhecidamente como tais.

Art. 106 – É proibido o ajuntamento de menores, bem como de pessoas embriagadas em qualquer casa de negócio (...).

Art. 107 – Ninguém poderá comprar a filho-família, ou a pessoas desconhecidas ou suspeitas, coisa que pareçam não possam ter (...).

Art.108 – Todas as casas de negócio, vendas e tavernas das povoações e estradas fecharão suas portas ao toque de recolher (...).

Art. 109 – Os carcereiros das cadeias do município, por si só ou por seus