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Outros ângulos da história que compõem o perfil da empresa

A empresa de telefonia CTBC afirma como sua missão o propósito de “ser um time financeiramente sadio e profissional, que opera nos mercados nacional e internacional, visando “a satisfação dos seus clientes na busca contínua da excelência” (Revista Talentos Humanos, 1997:6 Grifos meus).

Esta afirmação elucida dois aspectos: A CTBC é uma empresa de capital privado que está em processo de reorganização das relações de trabalho, resultante das modificações na economia capitalista, a qual é realizada pelos gestores.

Entretanto, embora a CTBC seja um empreendimento capitalista, ainda que de forma sutil, ela coloca-se acima da finalidade de acumulação econômica, ao assumir que desempenha uma missão movida por sentimentos nobres. A linguagem utilizada por seus gestores nos possibilita perceber uma tentativa de camuflar seu estatuto capitalista, como pode-se depreender do discurso veiculado na Revista TELECO:

A CTBC é uma missão desempenhada diariamente com alma, garra e muito amor; é um ideal de serviço público, na obstinação de dar a uma região todos os benefícios das telecomunicações. Esse ideal de servir é comungado por todos que constituem a capacidade viva da empresa, convivendo tanto com o engenheiro mais especializado, como com o trabalhador de rua, que desconhece obstáculos e horários, imbuídos na missão que escolheram para servir a humanidade e possibilitar com que os homens se comuniquem a qualquer hora e de qualquer lugar (1984:21).

Desse discurso, decorre a proposição de camuflar o perfil de empresa regida pelos princípios do capital privado, a acumulação econômica, e coloca-se num plano que transcende tal finalidade. A caracterização feita por Henriquez para designar a Empresa Estratégica é oportuna para qualificar a empresa em estudo. Segundo o autor, este tipo de empresa adota uma “política cuja finalidade mais importante é o aumento de seus resultados econômicos, mas tenta dissimular tal finalidade através de um discurso ideológico que coloca o bem-estar dos indivíduos acima de todos os valores. Além disso, ela tenta nos convencer de que suas decisões são baseadas em critérios éticos, sociais e/ou estéticos. Segundo esse discurso, os resultados econômicos alcançados pela empresa são uma conseqüência (ou até mesmo uma recompensa) de sua prática humanista” (Apud Lima, 1995:82).

O ideal de servir a humanidade institui balizas que vão sedimentando valores, produzindo ideologias, para possibilitar a interiorização de práticas e políticas propostas pela empresa, legitimando estas e dissimulando outras, como a prática extorsiva de dividendos produzidos coletivamente pelos trabalhadores, que é camuflado pela retórica discursiva de se cumprir uma Missão.

A etimologia da palavra missão, proveniente do latim, tem no significado original, missio, missionis, a conotação de ofício, destino, ou melhor, trabalho de catequese ou de reavivação espiritual levado a efeito por missionários21.

Quanto à palavra TRABALHO, significa TRIPALLIUM, instrumento de tortura sob forma de tripé utilizado na antigüidade. Parece possível afirmar que, ao suprimir a palavra trabalho do novo vocabulário empresarial, se tenta ocultar também todas as contradições produzidas no interior do processo de trabalho. Ao substituír a palavra trabalho por missão, produz-se uma reificação do processo de trabalho e do sujeito produtor deste. Assim, os trabalhadores adquirem a função de missionários e nega sua identidade histórica, pois a missão que lhes foi delegada assume a dimensão encantada de cumprir um nobre ideal que benéfico a eles, à empresa e ao país.

Desse modo, o trabalho realizado é reificado e as condições materiais de existência destes trabalhadores e a forma como vivem e como realizam seu trabalho são desconsiderados. Ora, a partir do momento em que os gestores conseguirem o consentimento dos trabalhadores para fazerem com que eles concebam seu trabalho como missão, a dominação e a produção de mais-valia serão mais viáveis, pois os trabalhadores assumirão o ideal de servir, desconhecendo obstáculos e horários.

Se os trabalhadores são vistos como missionários, o fundador da empresa, Alexandrino Garcia, é encarado como herói22 conforme ilustra este trecho extraído do Informativo Família ABC:

O comendador Alexandrino Garcia comprou a telefônica do Tito Teixeira de porteiras fechadas. Dos antigos funcionários, além de mim a dona Lise Iogarolli, o Aníbal, a Maria Ramos. Interessante que todos estão na ativa. Alexandrino Garcia para mim é um herói. Aqui não tinha quase nada e ele colocou aquela tremenda força de trabalho na construção de uma grande empresa. O povo exigia bons serviços. Posso lembrar os velhos tempos quando ele saía daqui, alta madrugada choferando um caminhão de postes e ia para o mato. Pai e filho ‘agarravam’ no trabalho pesado ao lado dos demais empregados. Sim, eu vi esta empresa sair de quase nada e chegar aos dias de hoje, esta potência em telecomunicações. Estive junto, sou parcela, sou engrenagem da máquina acionada por um homem de ideal, um verdadeiro herói, que é Alexandrino Garcia (Apud Simonini, 1994: 113).

21. A esse respeito ver SILVEIRA, 1966. Dicionário Etimológico.

22. Lima (1995) ao caracterizar as novas políticas gestoriais, reporta-se a estratégias difundiadas por Palmade na

perspectiva da utilização de modelos heróicos para favorecer a assimilação da promessa de uma recompensa imaginária em detrimento de uma recompensa real. Recorre ainda aos postulados de Ehrenberg que fala de “um dos heróis da empresa”, o patrão de hoje, que representa na sua opinião um dos mitos cultivados pela empresa atual.

A figura do herói aparece aliada à sacralização do trabalho:

O perfil do grupo ABC é quase um romance. Uma história emocionante (...) Uma espécie de auto biografia, porque fala de um homem com o seu grande amor. A história de Alexandrino Garcia e a grande paixão de sua vida: o trabalho (Idem: 65)

São 6:50 h, um homem está chegando ao trabalho. De uma C-10 bem simples desce mais um operário. Suas roupas comuns. Na cabeça, o capacete. Sua idade? Pode ter uns 25 ou 70. Corpo aprumado, andar vigoroso (Idem: 79).

Essas afirmações nos permitem compreender que a figura heróica do fundador da CTBC é construída por um pensar mítico, determinado por motivos espirituais de caráter sentimental, que foram disseminados entre os trabalhadores da empresa e população. O trabalho aparece nesta visão como uma entidade metafísica capaz de converter o comendador numa espécie de arquipotência de idade indecifrável, corpo aprumado e andar vigoroso.

A veneração pela figura mítica do fundador da empresa camufla os sentimentos profanos de cobiça e luta pelo poder movidos por interesses capitalistas desde a disputa política pelos serviços de telefonia da cidade. Para evidenciar essa afirmação, retorno à origem da referida empresa, tendo como referência a narrativa de seu ex-proprietário, Tito Teixeira, apontando as lutas de poder presentes no processo de concessão da empresa em questão.