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O processo de transição organizacional da empresa

De acordo com a Revista TELECO, é possível perceber que, na década de 80, o grupo mantinha uma organização mais diversificada e possuia como pilares de empreendimento três setores básicos: ABC INVEST, ABC EMPAR e CTBC. Tais setores compreendiam desde rede de hotéis, consórcios e agricultura até a propriedade de emissora de televisão, rádio, jornal e o setor das telecomunicações – no caso, a CTBC, única empresa privada de telecomunicações do Brasil naquele momento. O grupo pautava-se então numa administração de caráter familiar, como é possível constatar pelo depoimento do presidente do Grupo, Luiz Alberto Garcia, ao afirmar que: “À frente da Associação Comercial, papai assumiu esse serviço [de telefonia] junto com outros companheiros e ele tinha uma mente bem definida sobre o que ele queria e ele achava que eu estudando Engenharia seria normal eu vir trabalhar ali”11 (Apud Andrade, 1993: 139).

Quanto à participação de seu irmão, afirma que embora não participasse inicialmente da CTBC, ficando apenas no setor de veículos, mais tarde fora trabalhar na empresa com ele e o patriarca do Grupo, Alexandrino Garcia. Entretanto, essa participação durou pouco tempo, “porque meu irmão entrou em processo de doença e levou dois anos para falecer e nesses dois anos papai foi se reintegrando novamente12, e à medida em que ele ia se reintegrando, ele ia deixando de tomar os remédios. Quando meu irmão faleceu, ele já não tomava remédio nenhum. A doença dele era ânsia de negócio, de estar na ativa. (...) Com o falecimento de meu irmão, nós tivemos que trazer um funcionário nosso de Ribeirão Preto pra ocupar a direção financeira (...) (Idem). Também o ingresso deste funcionário na administração denota uma característica familiar pois, “o envolvimento com o Sr. Wilson, além do caráter profissional tinha o caráter afetivo. Era como se fosse parte da ‘família’ e isso caracteriza toda uma estrutura de empresa familiar. Aliás ele tinha um contra-parentesco também, pois, embora de longe, ele era contra-parente da minha esposa. Tinha esse agravante também. O negócio não ficava só no seio da companhia e ia para o seio familiar também (Idem)

A estrutura de empresa familiar também é identificada na fala de ex-funcionários13: A capacidade de organização e administração não eram as principais características para um parente ocupar cargos na empresa. Era considerado o respeito, a fidelidade e docilidade ao avô (Alexandrino), ao tio (Luiz Alberto), a partir daí ingressavam juntamente, com um funcionário capacitado para aprender o trabalho, logo que aprendiam passavam a exercer o cargo de chefia. Outros eram preparados em escolas fora do país (administração/economia/engenharia), além de fazerem estágios em empresas internacionais para retornarem com conhecimentos básicos para exercer o cargo de direção. Na diretoria, só tive conhecimentos de duas pessoas que não pertenciam à família, mas gozando de total prestígio e poder, Sr. Wilson e Dona Lise (Apud Simonini, 1994:114).

12. Quanto ao afastamento do patriarca do Grupo, o atual Presidente afirma que: “Aconteceu um outro fato muito

importante, isso eu estou falando de mais de quinze anos atrás, um médico aqui de Uberlândia disse assim: vocês tomem muito cuidado com seu pai que ele já está tendo sintomas de esclerose. Meu irmão me chamou e disse: nós temos de botar o papai prá fora porque o médico me deu essa informação e ele pode, numa hora aí, fazer qualquer coisa que possa prejudicar os negócios. Assim, nós começamos a montar um esquema pra botar o papai pra fora. Papai, extremamente inteligente, percebeu aquilo. Então duas coisas ele poderia fazer: ou nos botar pra fora e ficar sozinho, ou ele se retirar. Foi quando ele preferiu se retirar e foi se retirando aos poucos. Interessante que à medida em que ele foi se retirando ele ia aumentando a dose dos remédios que ele tomava (...) Aí, meu irmão e eu passamos a tomar conta dos negócios” (In Andrade, 1993:139).

13. Os referidos depoimentos constam do trabalho de Gizelda Costa da Silva Simonini (1994), Telefonia: Relação Empresa e Cidade – 1954-1980. Com o olhar de historiadora, a autora investiga a trajetória da CTBC e sua

relação com a cidade de Uberlândia. Diferente de Simonini, meu enfoque central é a implementação da

Revolução Organizacional na dinâmica interna da CTBC e do Grupo ALGAR e os impactos para a educação

Não obstante, a partir do final da década de 80 a administração do grupo tomou novos rumos devido à perda de lucros. A empresa mudou seu perfil e sua dinâmica interna provocando rupturas com a estrutura familiar como ilustra a Revista Exame:

Em sua época de fastígio, o grupo chegou a controlar 54 empresas em setores diversos como telefonia, eletrônica, informática, agroindústria e construção civil. A corrida terminou em 1988 – contra a parede. Depois de perder 40 milhões de dólares e quase ir à lona, Garcia deixou de lado os modos mineiros e ‘chutou o balde’. Afastou parentes do comando, vendeu e fundiu empresas, encolheu de 13.200 para 6.000 o contingente de empregados. Ao cabo de três anos de reestruturação, o grupo ALGAR está mais esguio e exibe um lucro de 10,6 milhões de dólares, colhido em 1991 (1992:44).

Na nova fase, marcada por uma organização profissional, a presidência do grupo ficou ainda com o filho de Alexandrino Garcia, Luiz Alberto Garcia, mas a vice-presidência ficou com o italiano Mário Grossi, o principal responsável pelas mudanças gestoriais do grupo. De acordo com o Presidente do Grupo, Luiz Alberto Garcia, com a retirada do Sr. Wilson e do patriarca do Grupo, Sr. Alexandrino Garcia, o grau de endividamento do grupo foi crescendo com proporções bastante preocupantes, e o senhor Grossi foi convidado a reverter esse processo:

Nós conhecemos o Mário quando compramos a Bull e ele foi o negociador por parte da Bull francesa. Nós o conhecíamos naquela ocasião, há mais de dez anos atrás. O Mário, morando em Paris, sendo responsável pela Bull em diversos países da Europa, para vir para o Brasil não era muito fácil. Entre o convite e a vinda dele foram mais de três anos. Ele ficou estudando o grupo antes de vir. (...) Durante esse três anos ele participava das reuniões que nós fazíamos anualmente ele tinha acesso aos relatórios todos que eu fornecia pra ele até que chegou num ponto que eu falei pra ele: Mário eu não dou conta de continuar assim, ou você vem, ou eu vou procurar outro. Eu praticamente dei um xeque-mate nele. Ele falou: eu vou (...) e eu acho que a grande vantagem da vinda do Mário foi que ele veio destituído de qualquer vínculo (...) pra mim foi muito difícil mandar embora funcionários nossos que tinha vinte anos de casa, familiares14, fechar empresas. Com a visão do Mário, ele me mostrou que não dava mais pra continuar desse jeito, com esses funcionários amigos meus particulares (Apud Andrade, 1993:139-141).

14 .“O mais difícil pra eu mandar embora, foi um cunhado meu que tinha vinte anos dentro da empresa e virou um

caso de família. Mas é preferível criar um caso de família e salvar a empresa e depois consertar a família, porque do contrário você está sujeito a perder a família também. Graças a Deus a minha esposa foi muito compreensiva (...) a saída do meu cunhado foi simplesmente porque ele não se modernizou. Então aquele aspecto assim: faz vinte anos que eu toco a empresa assim. Desse jeito não é válido” (Apud Andrade, 1993:141).

O afastamento do patriarca do Grupo e o ingresso do gestor Mário Grossi são típicos exemplos da tese de Bernardo, ao tratar do processo de declínio dos burgueses, proprietários dos títulos, e da ascensão e fortalecimento dos gestores – conforme abordarei na próxima seção. Embora Bernardo trabalhe com a perspectiva de classes (classe dos gestores e classe dos burgueses), o depoimento do presidente do grupo revela aspectos particularizados e concretos de atuação dessas classes (afinal tais classes não são abstrações). Assim, na concepção de Bernardo, os “burgueses foram suplantados na organização dos processos produtivos, na canalização e orientação dos investimentos, no controle superior do mercado de trabalho, em suma, na esfera global dos aparelhos políticos” (1991: 214).

Parece elucidador o afastamento de Garcia e o ingresso de Grossi para a conclusão a que chega Bernardo ao afirmar que, afastada dos centros de decisão, a classe burguesa fica desprovida de pólos aglutinadores, fragmenta-se, e, consequentemente, o seu comportamento torna-se cada vez mais disperso nos conflitos sociais. “Substituídos pelos gestores enquanto representantes do capitalismo associado, os burgueses converteram-se em rentistas”15 (Idem). Nesta direção, o autor assevera ainda que esta transformação representa uma inferiorização, pois, sendo o processo de trabalho o mecanismo motor de toda a sociedade, quem prevalecer no seu controle deterá a hegemonia. E assim conclui que declinou a parte de mais-valia de que a burguesia se apropria, pois os gestores, a partir do momento em que encabeçam os capitalistas na luta de classes e decidem qual a porção de mais-valia reinvestida, passam a dominar os centros vitais, e, depois, a globalidade do organismo econômico. Define, pois, “qual a porção destinada ao consumo pessoal dos gestores e qual a concedida aos burgueses que, detentores exclusivamente de ações ou de capital depositado individualmente no banco, apenas recebem uma parte menor e estagnante dos lucros, sob a forma de dividendos ou de juros” (1991: 214).

Depreende-se, pois, que o gerenciamento é o elemento primordial no atual contexto mundial, quando a tecnocracia e a racionalidade instrumental assumem o nível do fetiche. A reestruturação da esfera produtiva exige como nunca uma precisão na atuação dos gestores e esse fator impõe novas práticas no interior das empresas. Assim, a análise da prática desta classe torna-se fundamental para uma melhor compreensão do movimento do capital e dos novos contornos hoje delineados no interior do sistema produtivo, suas expressões na empresa

15

. Aquele que vive de rendimentos sem ter qualquer papel ativo a organização da economia (Bernardo, 1991:214).

em estudo e seu alcance na educação regular. As formulações de João Bernardo trazem importantes contribuições para esta discussão.