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Parte II – Sobre a soberania Autoridade e poder entre qualidade jurídica e bem comum

1. A História segundo Pedro Sarmiento de Gamboa

Para o leitor contemporâneo, percorrer as dedicatórias e os prólogos das obras publicadas no século XVI pode causar algum estranhamento. Acostumados por um lado com a aridez de um campo acadêmico fundamentado num aparente divórcio com qualquer pretensão estética, damo-nos com escritos onde é impossível separar a busca pelo argumento justo do aspecto retórico envolvido na sua apresentação. Esse mesmo movimento de aproximação entre lógica e estética concorre, por outro lado, para conferir aos textos da época uma clareza incomum. Ao ler os prólogos de livros como a Historia natural y moral de las Indias ou o De procuranda Indorum salute, tem-se a impressão de que pouco será acrescentado no decorrer do volume àquelas páginas iniciais. A especificação dos temas desenvolvida ao longo do corpo da obra era, portanto, precedida por uma série de textos que costumavam dar conta do conjunto central dos temas a serem discutidos. Claro está que não se trata de uma característica atávica dos escritos da época. Mas mesmo aqueles textos que receberam um tratamento mais precário por parte de seus autores reforçam essa percepção quando se nota que se trata muitas vezes de obras destinadas a um uso interno, seja por parte da hierarquia eclesiástica, seja nas instituições civis. Ao objetivo restrito que se colocavam, vários autores faziam corresponder uma apresentação pouco apurada dos temas. Este é o caso, por exemplo, da Historia del origen, de Martín de Murúa; se é certo que sua filiação linguística ao basco supunha uma relação apenas mediada com o castelhano1, é necessário acrescentar ainda que esse escrito não se destinava a um círculo mais amplo que aquele representado pelos conventos mercedários no Peru. Esse exemplo negativo permite avaliar a importância então atribuída à publicidade, que assim intervinha na própria atividade da escrita. Mas há todo um conjunto de obras que permaneceram inéditas a despeito de seu tratamento formal bem acabado. Ora, como se viu a respeito de Acosta, a constituição de sua autoridade sobre o tema americano não supôs apenas o acerto ou o esmero de suas formulações, mas necessitou da permissão da censura para viabilizar o acesso ao público. Embora o silêncio prolongado imposto a diversas obras tenha importantes consequências para a análise de seu impacto, o próprio gesto proibitivo abre um leque de significados a serem estudados. Isto é particularmente verdadeiro para a Historia Indica, de autoria do soldado espanhol Pedro Sarmiento de Gamboa.

De forma análoga à riqueza que viria a caracterizar os capítulos iniciais das obras de Acosta, Sarmiento de Gamboa procurou inserir já nas primeiras páginas de sua Historia as questões de fundo que seriam tratadas ao longo da obra. Sendo assim, na dedicatória feita a Felipe II o autor apresentava os temas que estariam à base de suas formulações subsequentes:

Mas como el demonio viese cerrado este portillo, que había comenzado abrir, para meter por él disensiones y estorbos, tramó de hacer la guerra con los propios soldados que le combatían, que eran los mismos predicadores, los cuales comenzaron a dificultar sobre el derecho y título que los reyes de Castilla tenían a estas tierras. Y como vuestro invictísimo padre era tan celoso de su conciencia, mandó examinar este punto, cuanto le fue posible, por doctísimos letrados, los cuales, con la información que del hecho se les hizo fue indirecta y siniestra a la verdad, dieron su parecer diciendo que estos incas, que en estos reinos del Perú fueron, eran legítimos y verdaderos reyes de ellos, y que los particulares curacas eran y son verdaderos señores naturales de esta tierra, lo cual dio asa a los extraños de vuestro reino, así católicos como herejes y otros infieles, para que ventilasen y pusiesen dolencia en el derecho que los reyes de España han pretendido y pretenden a las Indias; por lo cual el emperador Don Carlos, de gloriosa memoria, estuvo a punto de dejarlas, que era lo que el enemigo de la fe de Cristo pretendía, para volverse a la posesión de las ánimas, que tantos siglos había tenido ciegas. Y todo esto sucedió por la incuriosidad de los gobernadores de aquellos tiempos en esta tierra, que no hicieron las diligencias necesarias para informar de la verdad del hecho, y por ciertas informaciones del obispo de Chiapa (...).2

Embora longo, esse excerto permite delimitar de forma clara o espaço político no qual oàauto àp o u a aài te i .àE o aàaàú i aà efe iaàe plí itaàsejaàaíàe de eçadaàaoà ispoàdeà Chiapas ,àouàseja, Las Casas, essa exclusividade era importante na medida em que reduzia os termos do debate a posições antitéticas. E a opção por interpelar justamente o dominicano não era secundária. Isso porque, a despeito da interdição parcial à circulação de suas obras, Las Casas encontrou no Peru uma região bastante fértil para as suas proposições. Se, por um lado, as menções feitas ao clérigo foram muito restritas em autores tão representativos quanto José de Acosta e Juan de Matienzo3, a semente lascasiana medrara com força entre as ordens mendicantes, adquirindo algumas simpatias mesmo numa instituição tão estranha ao dominicano quanto a Companhia de Jesus. Nesse caso, há de se citar não apenas uma figura

2 SARMIENTO DE GAMBOA, Pedro. op. cit. p. 20. O grifo é do autor.

como Blas Valera, mas também o próprio envolvimento de Luiz López com o processo inquisitorial contra Francisco de la Cruz, que teve por base a simpatia do jesuíta com relação a algumas das proposições lascasianas4. Note-se que a difusão dessas ideias no Peru contrastava com a entrada tardia que teve, no horizonte de Las Casas, o problema jurídico representado pelas violências perpetradas contra os índios da região. E foi com o fito de apresentar o problema às autoridades metropolitanas que o clérigo travou contato com algumas importantes personagens locais. Sendo assim, figuras tão influentes como Pedro Cieza de León, Domingo de Santo Tomás e Bartolomé de Vega contaram-se entre seus informantes peruanos5. Ora, esse conjunto de informações aponta para a pertinência da inserção de Las Casas como referência única a ser criticada pelo texto de Sarmiento de Gamboa. Posto que jamais esteve no Peru e tendo em vista que morrera em 1566, o dominicano cumpria na Historia Indica o papel de uma figura ausente que fazia referência clara a uma importante parcela do clero peruano e, ao mesmo tempo, impedia uma réplica na medida em que ninguém era implicado de forma direta. Foi a partir dessa estratégia que o autor chegaria ao ponto oposto da antinomia, de modo a esclarecer os dois lados da disputa, bem como sua posição na mesma:

(...) estando este caos y confusión de ignorancia por esta ocasión dicha tan derramado y esparcido por el mundo y tan arraigado en las opiniones de los más y más altos letrados de la cristandad, puso Dios en corazón a Vuestra Majestad que enviase a Don Francisco de Toledo, mayordomo de vuestra real casa, por virrey de estos reinos.6

Essas poucas considerações permitem que se compreenda o contexto imediato em que foi elaborada a Historia desse soldado espanhol. Aliás, caracterizá-loà aà o diç oàdeà soldado à parece ser bastante adequado, haja vista a significação coeva dessa palavra. De acordo com Matie zo,à soldado àe aàaàdefi iç oàdadaàaosàespa h isà ue,àpo àte e à hegoà àá i aàap sà o término das grandes expedições de conquista, não usufruíram das mercês dadas pela Coroa aos primeiros conquistadores da terra7. Tratava-se, fundamentalmente, de um grupo de fidalgos aos quais foi vetado o acesso à mão de obra indígena, que fora até então facilitada aos espanhóis por meio da encomienda8. Ao mencionar essa figura, Matienzo demonstrava-se

4 COELLO DE LA ROSA, Alexandre. Deà estizosà à iollosàe àlaàCo pañiaàdeàJesús. àop.à it.àpp.à -51. BATAILLON, Marcel. op. cit. pp. 353-367.

5 PEASE G. Y., Franklin. op. cit. pp. 349-366. DUVIOLS, Pierre. op. cit. pp. 19-72. BATAILLON, Marcel. op. cit. pp. 317-367.

6 SARMIENTO DE GAMBOA, Pedro. op. cit. p. 20. 7 MATIENZO, Juan de. op. cit. pp. 270-272. 8

Sobre o problema da distribuição da mão de obra, cf. ELLIOTT, John H. áà o uistaà espa holaà eà aà colonização da América.àop.à it.àELLIOTT,àJoh àH.à áàEspa haàeàaàá i aà osàs ulosàXVIàeàXVII. àEm: BETHELL, Leslie (org.). op. cit. v. 1. pp. 283-337.

preocupado com os potenciais distúrbios que poderiam ser causados pela inerente insatisfação dos soldados, dada a frustração de suas expectativas pela privação da principal fonte de riquezas na América, o trabalho indígena. Seu testemunho dava conta de uma realidade particularmente sensível na região de Charcas, desde onde escrevia esse funcionário. Essa situação não deve surpreender, dada a reputação de Potosi enquanto lugar de riqueza fácil, o que parece ter sido fundamental para a concentração de um grupo considerável de soldados na cidade, fato que ocasionou um sem-número de perturbações da ordem pretendida pelas autoridades9. Um dos expedientes destas, no intuito de esvaziar a pressão representada pelos soldados, foi empregá-los nas cada vez menos promissoras expedições de descoberta e de conquista10. Um exemplo notório nesse sentido foi representado pelo conquistador basco Lope

de Aguirre, enviado para a inóspita bacia amazônica na expedição dirigida por Pedro de Ursúa e organizada pelo vice-rei Andrés Hurtado de Mendoza, marquês de Cañete, em 1560; sua rebelião contra a Coroa deve ser compreendida também como reação à marginalização dos soldados na sociedade colonial. Um percurso análogo foi empreendido por Sarmiento de Gamboa, que se engajou na exploração de regiões tão periféricas quanto as ilhas Salomão (1567-1569) e o estreito de Magalhães (1579-1580; 1581-1586)11. Mas assim como ocorrera com outros soldados, a participação do autor da Historia Indica nessas expedições de conquista parece ter sido o lado reverso de uma relação bastante ambígua junto às autoridades. Embora pouco se saiba a seu respeito antes da expedição ao Pacífico, que lhe conferiria notoriedade no Peru, é certo que sua presença na região se devia às perseguições que sofrera na Nova Espanha por parte da Inquisição. A acusação de práticas mágicas recairia de forma insistente sobre Sarmiento de Gamboa, cujas condenações seriam objeto de sistemáticas comutações por parte das autoridades civis e eclesiásticas, junto às quais cultivava excelentes relações. Mas essa ambígua condição de soldado ao mesmo tempo perseguido e preferido pelas autoridades alcançaria um novo patamar com a chegada de Francisco de Toledo à região.

O primeiro contato entre Toledo e Sarmiento de Gamboa se deu logo após a chegada do vice-rei ao Peru, em 1569. Esse mesmo ano marcou o regresso da expedição às ilhas Salomão, que alcançava a costa peruana sob o signo da cizânia. Numa dinâmica quase que típica das expedições conquistadoras, cujo protótipo peruano fez enfrentarem-se figuras como Francisco Pizarro e Diego de Almagro, os expedicionários traziam junto consigo divergências quanto ao butim a ser atribuído a cada uma das partes. Segundo a versão apresentada por

9 PRODANOV, Cleber C. op. cit. pp. 65-76. 10

A respeito dessa política, cf. BERNAND, Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo. op. cit. pp. 569-577.

Sarmiento de Gamboa, a ele caberia o principal das riquezas encontradas, dada sua condição de único animador numa viagem marcada pela incredulidade de seus membros12. Ora, o julgamento do vice-rei era decisivo para a resolução dessa contenda, donde se iniciaram os contatos entre o governante e o soldado. A partir desse acontecimento, ambas as figuras tiveram uma atuação muito conectada. Já por ocasião de sua visita geral, iniciada em 1570, Toledo engajaria Sarmiento de Gamboa na condição de alferes geral, cosmógrafo e historiador. Desde então, até 1572, este se dedicaria a um projeto particularmente visado pelo vice-rei: a composição de sua Historia Indica. Em realidade, essa obra faria parte de um conjunto mais ambicioso, que incluiria três volumes. O primeiro deles preocupar-se-ia com a descrição geográfica da região por parte do cosmógrafo; o segundo volume, a Historia, procuraria dar conta do passado das populações indígenas locais; o último volume narraria os acontecimentos sucessivos à chegada dos espanhóis no Peru13. Até onde se sabe, apenas a segunda parte foi composta e chegou até os dias de hoje, o que supõe uma sua priorização por parte do autor. Mas o patrocínio conferido por Toledo a essa Historia não assegurou sua publicização. Se o fato de o manuscrito ter sido encontrado nos Países Baixos sugere uma tentativa alternativa de publicação após a negativa oficial da censura espanhola, o fato é que o livro apenas viria à luz em 190614.

Esses poucos elementos relativos ao percurso de Sarmiento de Gamboa permitem que se levantem algumas questões acerca de sua obra. Em primeiro lugar, é necessário sublinhar o caráter oficial que Toledo pretendera imprimir-lhe. Este ficava evidente pela Fe de la probanza y verificación de esta historia com que Toledo, por meio de seu secretário, Alvaro Ruiz de Navamuel, dava um fecho à Historia15. Nessa perspectiva, a obra em questão refletiria a posição institucional adotada em seu governo no que tange ao tema indígena. O fato de esse escrito voltar-se para a narração do passado das populações nativas não significava, portanto, que se estivessem descartando as discussões mais atuais que então se travavam na região a respeito dessas populações. Pelo contrário, como é possível depreender das citações acima, Sarmiento de Gamboa tinha como objeto questões urgentes que determinaram, inclusive, a antecipação da redação da segunda parte de seu projeto tripartite. E, de fato, se o governo de Toledo foi marcado por diversas polêmicas, a execução do Inca Tupac Amaru parece ter sido o ponto que encontrou mais resistências entre os próprios apoiadores do vice-rei. Mesmo um entusiasta do governante como Acosta classificou como temerária essa decisão16. A debilidade

12 SARMIENTO DE GAMBOA, Pedro. op. cit. pp. 121-215. 13 Idem. p. 25.

14

ALBA, Ramón. op. cit. pp. 11-12.

15 SARMIENTO DE GAMBOA, Pedro. op. cit. pp. 172-178. 16 DUVIOLS, Pierre. op. cit. pp. 132-133.

dos apoios à eliminação física da dinastia incaica pareceu não escapar à atenção do próprio Toledo, que desenvolveu e explorou habilmente a tese da conspiração contra o domínio castelhano sobre o Peru no intuito de justificar suas atitudes17.

Anos antes, o tema já fora objeto das atenções de Matienzo, que cumprira um papel relativamente importante nas tratativas diplomáticas que foram realizadas junto ao Inca Titu Cusi Yupanqui sob o governo de Lope García de Castro. Com o intuito de valorizar sua iniciativa, o ouvidor começava a descrição de sua embaixada com referência à suposta ameaça de formação de uma coligação que reuniria contra o domínio espanhol o Inca de Vilcabamba e os rebeldes índios chiriguanos e diaguitas, que protagonizavam então uma série de levantes no Alto Peru18. Frente a isso, a ação diplomática ficaria justificada na medida em que se tornaria

necessário dissuadir o Inca de suas pretensões anti-espanholas, que poderiam, no caso de concretizada a aliança, pôr em risco o controle do interior peruano como um todo. Mas Matienzo já não era uma voz isolada a denunciar o risco de um levante generalizado. Também a documentação produzida para denunciar o Taki Onqoy procurou enfatizar o caráter conspiratório e geograficamente amplo desse movimento. Não é secundário o fato que, da mesma forma como ocorreria com Matienzo e com Sarmiento de Gamboa, um dos principais denunciadores dessa conspiração, o clérigo Cristóbal de Albornoz, viria a engrossar as fileiras dos apoiadores de Toledo: Albornoz desempenharia um importante papel nas visitas eclesiásticas então patrocinadas pelo governante.

Mas a tese conspiratória alimentada por essas figuras alcançaria ainda outro patamar ao ser associada à ameaça de invasão da região pelos protestantes. Um documento muito próximo a Toledo em seu teor antilascasiano, o anônimo Memorial de Yucay, de 1571, iria ainda mais longe ao articular diretamente a ameaça herege à ameaça indígena, incluída aí a resistência de Vilcabamba19. O próprio vice-rei contribuiu decisivamente para criar uma

verdadeira consciência do risco representado pelo estreito de Magalhães. A vulnerabilidade dessa região, secundada pela instabilidade da retaguarda chilena, marcada por guerras contra os araucanos, abriria aos inimigos da fé o acesso às riquezas peruanas. Independentemente de sua veiculação por parte dos diversos autores, a presença protestante no Pacífico era um fato consumado, o que reforçava a ameaça propalada pelo governante. Seguindo os passos de Fernão de Magalhães, o corsário inglês Francis Drake inaugurou um período de intensa atividade pirata na região20. Sua atuação chegou mesmo às portas de Lima com o ataque

17 Idem. pp. 132-139.

18 MATIENZO, Juan de. op. cit. pp. 294-310. 19

DUVIOLS, Pierre. op. cit. pp. 135-136. BATAILLON, Marcel. op. cit. pp. 317-333.

20 áàesseà espeito,à f.àMáCLEOD,àMu doàJ.à áàEspa haàeàaàá i a:àoà o ioàatl ti o,à - . àE :à BETHELL, Leslie (org.). op. cit. v. 1. pp. 339-390.

promovido ao porto de Callao em finais da década de 1570. Ainda que pouco relevantes no que tange ao montante de recursos desviados por essa modalidade, a proximidade dos ataques piratas com relação à cabeça das instituições imperiais na região aguçou a percepção da ameaça que vinha do mar e, quem sabe, poderia desdobrar-se numa verdadeira invasão herética. Essa consciência da vulnerabilidade da região encontraria um tênue reflexo no próprio Acosta, que fez referência na Historia à expedição de Drake, ao mesmo tempo em que ressaltava o caráter despovoado do estreito de Magalhães, de onde obtivera informações através do piloto Fernando Alonso21. É, aliás, muitíssimo provável que suas referências insistentes às ilhas Salomão sejam fruto da expedição de Sarmiento de Gamboa; lembre-se a esse propósito que ambos estiveram a serviço de Toledo durante sua estadia em Cusco.

A essa altura, o percurso de Sarmiento de Gamboa mostrava-se mais uma vez emblemático. Isso porque o soldado fora nomeado capitão da expedição punitiva que perseguiu o próprio Francis Drake até o estreito de Magalhães. Diga-se de passagem, com essa nomeação o soldado via interrompido mais um processo inquisitorial no qual se envolvera. Seja como for, a retirada dos piratas da região não acalmou os ânimos locais, que se deram com o trabalho de sugerir medidas que afastassem uma eventual invasão. Se a ocupação da costa, especialmente aquela chilena, era uma preocupação muito cara a Toledo, restava por resolver o problema representado pelo estreito ao sul22. Com esse objetivo em mente, as autoridades locais investiram Sarmiento de Gamboa da tarefa de reivindicar junto à Coroa a ocupação da região com o objetivo de impedir ou de controlar a passagem de embarcações estrangeiras para o Pacífico, prevenindo assim um eventual ataque ao Peru. Efetivamente, as duas últimas décadas da vida de Sarmiento de Gamboa se consumiram nos inúmeros périplos decorrentes de sua nomeação por Felipe II como governador do estreito de Magalhães. Duas expedições de ocupação não vingariam devido aos contratempos dos mais diversos, de modo que o soldado jamais retornaria à região até sua morte, em 1592.

Mas o trecho acima transcrito sequer mencionava tais ameaças, ainda que a percepção delas fosse extremamente aguda, como se viu, no grupo próximo a Toledo. Ali se estava a comentar um problema muito mais insidioso, interno aos próprios espanhóis, que teriam se dividido em suas opiniões a respeito dos títulos de domínio. Frente a essa ameaça, e de modo análogo à intervenção militar muitas vezes operada pelo próprio Sarmiento de Gamboa, este tomava a frente na defesa da posição do vice-rei. Mas esses dois movimentos não eram separados pelo próprio autor: a tese do domínio espúrio de Castela, se bem que fosse

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