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A pessoa negra aparece em solo brasileiro assim que co- meçou a exploração da nova terra “descoberta” em 1500 pelos portugueses. Já por volta de 1530, de acordo com Nascimento (1978), os africanos eram trazidos sob correntes e imedia- tamente, em 1535 o comércio escravo para o Brasil estava regularmente constituído e organizado, perdurando por mais de três séculos. O negro foi trazido para preencher o papel de força de trabalho compulsório numa estrutura de sociedade que se organizava em função disso, explica Pinsky (1998 – 1939).

Esse cenário foi estimulado também por conta dos índios terem deixado de ser escravizados. Havia uma escassez da população indígena, as tribos eram arredias, existia a proteção religiosa e ainda por fatores comerciais que terminaram cha- mando a atenção da nobreza.

Durante todo o período escravocrata, as pessoas negras eram obrigadas a exercer as atividades cotidianas mais pesadas

e ocupavam o status social mais baixo da sociedade, sobrevi- vendo em condições de vida precárias. Eram ridicularizados por seus aspectos físicos ou seus costumes, verdadeiros animais ou objetos, de sangue impuro, proibidos de exercer cargos públicos, militares e até religiosos, resume Carneiro (1994). Assim, a população negra estava inserida em uma sociedade com características estamentais e patriarcais de produção rural, permanecendo marginalizados e esquecidos, relegados às pro- fissões e atividades consideradas degradantes para os brancos, que estavam reservadas as atividades intelectuais, os serviços religiosos e os cargos de poder.

A resistência para abolir o regime escravista do Brasil se deveu por conta de diversos fatores e estão relacionados ao ritmo próprio de cada colônia, além de razões econômicas, sociais, políticas e ideológicas. No caso da colônia brasileira, segundo Da Costa (1998), o próspero momento econômico em que vivia o café, no início do século XIX, aumentou a busca por novas áreas de terras que culminou com o aumento da demanda de mão de obra escrava. Neste período, nem mesmo com restrições internacionais que começaram a serem feitas para a extinção do regime escravista foram suficientes, pelo contrário, aumentou ainda mais o tráfico de seres humanos.

As pressões internacionais para abolir o sistema escravo do país começam verdadeiramente apenas a partir de 1822, quando o Brasil consegue a independência de Portugal. “A Inglaterra con- dicionou o reconhecimento da Independência do país à cessação do tráfico. A 23 de novembro de 1826, foi concluído um tratado entre a Inglaterra e o Império, pelo qual este se comprometeu

a restringir o tráfico e a suprimi-lo em março de 1830. Em 7 de novembro de 1831, foi ele interdito, impondo-se aos traficantes severas penalidades, ao mesmo tempo em que se consideravam libertos os negros que, a partir de então, entrassem no país” (DA COSTA, 1998, p.21). Mesmo assim, não era o suficiente. A senzala continuou sendo entupida por africanos. Os portos e navios ficaram ainda mais lotados por pessoas negras que ao chegar ao Brasil possuíam seus valores, identidade e corpos manchados, por exemplo, pelo preconceito. Então, o comércio escravo brasileiro passou a ser reorganizado, mas numa base ilegal e altamente lucrativa, resume Bethell (2002). Ou seja, a importação de escravos é livre, embora legalmente proibida. A pessoa negra era forçada a entrar de forma clandestina e havia um mercado que lucrava em falsificar até documentos. Além do mais, Da Costa (1998) atribui a restrição de abolir o regime escravo devido a Revolução Industrial e ao aparecimento de novas formas de capitalismo na Inglaterra e Europa ocidental, que traziam alterações das formas de produção e a necessidade de ampliação dos mercados dos consumidores.

Ou seja, o interesse em abolir o sistema escravista não surge sobre reconhecimento das mazelas realizadas com o povo africano. A nova ordem econômica é o principal fator que levou a Inglaterra, na época principal líder do tráfico de humanos, a desenvolver políticas de combate à escravidão. Em resumo, os ingleses acreditavam que o escravizado liberto poderia aumen- tar o seu mercado consumidor. Além disso, também existia a necessidade de mão de obra das colônias inglesas que ficavam na África, visando à produção de matéria prima indispensável no processo industrial.

Foram assinados diversos tratados e acordos para abolir o comércio escravo entre a Inglaterra e o Brasil, mas nenhum deles foi respeitado. De acordo com Bethel (2002), apenas em 1845, o governo britânico aprovou a “Lei Bill Aberdeen” que determinava o aprisionamento de navios que estavam realizando transporte com negros, pela marinha de guerra inglesa e julgamento por um tribunal da Inglaterra. Nessa época, houve a destruição de navios, até mesmo em território brasileiro, como forma de pressão para que o governo brasileiro expedisse uma lei eficaz contra o regime escravista, recorda Conrad (1975). A destruição da frota de navios do Brasil tornou a relação entre os dois países, por certo tempo conflitantes, provocando uma série de atitudes das duas partes. Mesmo assim, “os ingleses continuavam a afundar os navios negreiros. Os africanos que deviam ir para as senzalas, submergiram juntos e eram comidos pelos tubarões. Às vezes, “humanitariamente”, os britânicos chegavam a salvar os negros e os levavam para as Antilhas, onde os escravizaram ou contra- bandeavam” (CHIAVENATO, 1939-1999, p. 92).

Naquela ocasião, pressionado e com a soberania amea- çada, o governo brasileiro, finalmente, decidiu aprovar a Lei Eusébio de Queirós, que recebeu complemento em 1854 com a Lei Nabuco de Araújo. As duas Leis tiveram a autoridade de apressar o fim do tráfico, segundo Chiavenato (1939-1999). Por sinal, além de determinar a extinção do tráfico de escra- vizados para o Brasil, ainda garantiram severas punições para os infratores. Mas as duas leis apenas conseguiram desabilitar o tráfico momentaneamente, uma vez que na mesma época, o Brasil estava no auge da produção e cultivo de café na região do Vale do Paraíba e no centro e oeste de São Paulo, destaca

Da Costa (1998). Como solução, os fazendeiros procuraram pessoas negras, principalmente, na região Norte e Nordeste, provocando aumento no comércio interno. À vista desse ce- nário, o valor monetário de um escravo aumentou por conta da diminuição da oferta.

Onze anos depois do fim do tráfico no mercado externo, o Império brasileiro se envolve em um conflito com o Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870. A guerra se deu, basicamente, por conta de conflito de terras. Chiavenato (1939-1999) explica que naquele momento, o Brasil enfrentava um “problema racial”, os negros eram maioria absoluta da população e ganharam “peso social”, incentivando as manifestações libertárias, na qual chicotadas já não surtem mais efeitos. Como solução, o Brasil decide enviar as pessoas negras para a guerra e assim compor o exército, incentivando os fazendeiros para que os enviassem para a luta, fazendo com que milhares de seres humanos morressem em campo. Após o conflito, as pessoas negras sobreviventes restaram à alforria.

Por consequência, o Império brasileiro foi o grande vence- dor da guerra e contou com a aliança da Argentina e Uruguai, deixando o Paraguai em crise até os dias atuais. Já o Brasil também saiu esgotado do conflito bélico, acelerando a desagre- gação política que se canalizou na abolição no seu próprio fim, contribuindo para a queda da monarquia, explica Chiavenato (1939-1999). O conflito aumentou ainda mais a pressão política interna e até internacional, uma vez que naquela época, o país era o único que adotava o sistema escravista. Com tanta pressão, os primeiros sintomas de que a escravidão estaria chegando ao fim se deu com a criação da Lei do Ventre Livre, promulga-

da apenas em 1871, que considerava livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos, e ainda a Lei dos Sexagenários, decretado em 1885, que previa a liberdade para os escraviza- dos que tivessem mais de 60 anos. Segundo Ciconello (2008), o Brasil foi o principal destinatário do comércio internacional de escravos africanos e foi o último país das Américas a abolir o regime escravocrata.

É importante destacar que a resistência em não aceitar a abolição foi até o último dia. A classe política e fazendeiros ainda estavam resistentes à extinção do regime escravo. De acordo com Da Costa (1988), foi necessário que a Princesa Isabel, então Regente, realizasse um pronunciamento na Câmara dos Deputados em 3 de maio de 1888, para que dez dias depois, em 13 de maio de 1888, a Princesa assinasse a lei que extinguiu a escravidão de todo país. A “nova” lei, em resumo, selava um fato já consumado. Mesmo após a abolição do regime escravista, a população negra continuou a ser excluída do desempenho econômico, político e cultural da sociedade brasileira. O estado começou a promover uma deliberada política de exclusão, marginalização e estigmatização, ao incentivo a imigração de pessoas de origem europeia, com a justificativa a suposta ideologia de superioridade da “raça” branca, incentivada pelo racismo científico da época. Assim, a imigração europeia serviria para promover o ideal branco e proporcionar condições férteis ao desenvolvimento social e econômico do país, enquanto legitimava a ideia de inferioridade da população negra e desen- volvia, na esfera do simbólico, significados pejorativos sobre ser negro (ALENCAR et al., 2010).

Com tudo isso, as políticas adotadas pelo Estado termina- ram contribuindo para a exclusão dos ex-escravos no mercado de trabalho, retirado por conta dos imigrantes europeus que chegaram ao Brasil, após a abolição da escravidão em 1888. Agora, grande parte da população trabalhadora negra “ficou relegada a setores de subsistência da economia e de atividade preconizadas e mal remuneradas. Essa é a origem da exclusão e da informalidade” (CICONELLO, 2008, p.8). Logo, restaram à pessoa negra a repressão e o controle, operacionalizados pelos aparatos de força e até segurança policial. Colocando a culpa da existência do preconceito racial como sendo apenas da população negra. “É o próprio negro que faz o racismo” diz o senso comum (SILVA, 2007, p. 98). Deste modo, com este comportamento, o branco reconhece que é detentor de privilégio maior que o negro e não admite conceder esta van- tagem. Outro fator marcante em toda história da pessoa negra é a sua invisibilidade. A presença do negro é renegada desde quando chegou ao Brasil. A sua invisibilidade começa ainda no regime escravista e mesmo após esse período continuou sendo excluído e marginalizado. Assim sendo, essa invisibilidade é capaz de determinar todas as condições de vida oferecidas, sobretudo, pelo governo, uma vez que possuem acesso a um serviço de má qualidade.