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A Historiografia Linguística e seus Procedimentos Metodológicos e

Capítulo 1: As Revoluções Epistemológicas na História da Historiografia

1.4 A Historiografia Linguística e seus Procedimentos Metodológicos e

A Historiografia Linguística é de safra recente, diz Koerner (1996), um historiógrafo da linguística. Iniciou-se na França, aproximadamente, no início do século XX, logo após a obra A Estrutura das Revoluções Científicas de Kuhn.

O livro de Kuhn (1992) exerceu grande influência sobre a história da Linguística e, consequentemente, no conceito de historiografia. Apesar de ser um físico teórico, desenvolveu métodos de análises sobre diversas áreas do conhecimento, sobretudo na de linguística.

Constatou que o progresso de uma ciência não se baseia apenas no acúmulo gradativo de experiências, mas sim na controvérsia do pensamento e da prática científica, ocorrendo, assim, momentos de rupturas e, consequentemente, uma revolução nos alicerces das análises científicas.

Dessa forma, várias propostas metodológicas foram levantadas na década de 80. Os historiadores da linguística, por exemplo, reunidos em congressos, traçaram linhas alternativas de conduta historiográfica no que diz respeito à periodização, à contextualização e ao uso da metalinguagem.

Uma proposta muito bem aceita até hoje é a do historiógrafo Konrad Koerner. Baseado no paradigma da Escola dos Annales instituiu um método historiográfico para a Linguística que leva em consideração a colaboração de outras disciplinas tais como Sociologia, Psicologia, Economia e a Geografia no âmbito da história intelectual.

Para Koerner (op. cit. p. 47), é imprescidível interpretar o passado de uma língua dentro de um clima de opinião de uma época. Para isso, exige-se, além do conhecimento específico, o conhecimento da história intelectual, com a perícia de diluí-los de forma sintética, por meio de uma teoria orientada (‘Theory oriented’).

No que tange ao uso da metalinguagem, é necessário o cuidado para não distorcer as ideias e as teorias do passado remoto com as do presente. Se a metodologia utilizada for falha para a investigação, a pesquisa do historiógrafo correrá sérios riscos de não se entender a veracidade dos fatos.

Para que isso não aconteça, o historiógrafo da linguística deverá saber as teorias da linguística para não pecar na significação original. O historiógrafo da linguística deve não somente entendê-la, mas também dar conta dela (Koerner, 1996: 59). Sabendo o terreno que está sendo pisado, o historiógrafo da linguística poderá incorrer no uso de um vocabulário técnico moderno.

A utilização de uma terminologia adequada para aproximar teorias do passado com as do presente é de extrema relevância para facilitar a leitura da pesquisa por usuários do presente. Com um recorte no tempo, reconstrói-se um passado vivido que o presente suscita em conhecer. É o que se pretende fazer nessa pesquisa: aproximar a ortografia de Rafael Bluteau com o Novo Acordo Ortográfico.

Para tanto, é preciso ordernar, organizar os fatos em uma estrutura permanente de longa duração, porque o recorte do tempo da referida pesquisa é de 66 anos que vai de 1668 a 1734. Seguindo todas essas informações acima descritas, acredita-se que está se fazendo historiografia linguística que, na opinião de Altman, é uma atividade de seleção, ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para um quadro de reflexão que constrói o historiógrafo (1998, p.24).

Com relação ao documento que se examinará a ortografia de Rafael Bluteau, será a obra Vocabulario Portuguez e Latino. Trata-se de uma fonte primária, porque é o documento que comprovará a ortografia do período pesquisado, sobretudo a ortografia de Rafael Bluteau.

Além dessa fonte primária, haverá outras do mesmo século que auxiliarão com aspectos linguísticos e sócio-culturais e, ainda, várias fontes secundárias que também colaborarão para uma pesquisa em historiografia linguística. Não obstante, esses passos investigativos só terão validade se seguirem princípios metodológicos. Segundo Bastos (2004), é preciso estar atento aos princípios metodológicos para se fazer um trabalho em historiografia linguística.

Sendo assim, os princípios que mais se têm seguido são os de Konrad Koerner (1996). Tratam-se de três princípios básicos:

O primeiro princípio consiste na apresentação do clima de opinião do período em que se desenvolveram as correntes linguísticas, uma vez que é responsável pelo espírito da época. Por meio dele, a teoria do passado passa a ser mais entendida, pois prepara o leitor para um momento histórico diferente do seu e que o levará a entender que certas ideias não podem ser vistas como erradas. Portanto, para que não haja equívocos quando for estudar as teorias do passado, o historiógrafo terá como o contexto sócio-cultural da época recortada. Dessa forma, o princípio do qual se fala, denomina-se Contextualização.

O segundo princípio é responsável pela parte interna, hermética, do trabalho que se pesquisa. O historiógrafo analisará a teoria linguística quer na sua parte histórica tanto crítica e até mesmo filológica. Para isso, o historiógrafo não se deixará influenciar pelas questões linguísticas apresentadas, dando sugestões ou opiniões. A postura exigida de um historiógrafo, nesse caso, é se manter neutro e longe das doutrinas linguísticas contemporâneas, para não se deixar influenciar por elas. Esse princípio Koerner o chamou de Imanência.

Após desenvolver a pesquisa seguindo os dois primeiros princípios, o historiógrafo pode se aventurar a escolher uma terminologia numa tentativa de aproximar a teoria do passado com a moderna. Nesse caso, o historiógrafo deverá ter muita cautela acerca da questão de metalinguagem ao utilizar esse princípio.

Será preciso introduzir um vocabulário técnico adequado, para que não ocorram distorções de um conceito ou teoria. A partir do momento em que o historiógrafo buscar essa aproximação, o texto linguístico poderá ser mais bem aproveitado, pois a inclusão de vocabulário moderno e adequado permitirá uma melhor apreciação do trabalho, da teoria e do conceito de forma satisfatória. Assim, esse princípio é chamado de Adequação.

Uma questão relevante, apontada nos estudos em historiografia linguística é o problema da influência. Koerner adverte que não é proibida a procura da paternidade, ou seja, detectar, por exemplo, as influências entre linguistas podem revelar aspectos pertinentes que dizem respeito à inovação vs. continuidade, evolução vs. revolução no estudo da linguagem.

Cabe ao historiógrafo analisar e explicar essas mudanças no estudo da língua, tendo o cuidado para não cair em nenhuma armadilha. Para que isso não ocorra, o historiógrafo precisa estar munido de uma documentação. Só por meio dela é possível provar a origem da influência.

Resumindo o que foi dito acima, a historiografia linguística é uma disciplina de vocação científica. Preocupa-se em descrever a história da linguagem baseada em princípios que envolvem naturalmente a discussão de questões metodológicas e epistemológicas.

A existência desses princípios supracitados ocasionará resultados satisfatórios no desenvolvimento da pesquisa. Frequentemente a teoria do paradigma está diretamente implicada ao trabalho de concepção da aparelhagem capaz de resolver o problema.

Koerner adverte (1996, p. 61) que os princípios sugeridos por ele podem ser que não esgotem os interesses dos historiógrafos nas suas pesquisas. Entretanto, fica aliviado ao saber que a metodologia aplicada não é para identificar a teoria antiga na moderna, mas de considerar a afinidade de significado que subjazem a ambas as definições.

Procurou-se mostrar as diferenças e relações entre história, historiografia e historiografia linguística. Registraram-se também as correntes filosóficas epistemologias das histórias da historiografia da sua origem até a Escola dos Annales. Para finalizar este capítulo, falou-se dos procedimentos de pesquisa da historiografia linguística, ponto importantíssimo para a fundamentação desta pesquisa. Assim, estando concluídos os itens deste capítulo, seguem-se as questões acerca da contextualização do corpus deste trabalho.

Em Portugal o etimologismo ortográfico foi, de início, o elemento de anti-tradição cultural, porque foi um acto de nacionalismo. A origem, porventura instintiva e inconsciente, da nossa ortografia, foi a necessidade de marcar de todos os modos, e portanto desse, a nossa separação de Espanha, a nossa íntima dessemelhança com ela.

Capítulo 2: Contextualização do Momento Histórico-Intelectual