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Uma Breve Amostra do Registro Gráfico da Ortografia Portuguesa por

Capítulo 2: Contextualização do Momento Histórico-Intelectual (1668-1734)

2.2 A Ortografia da Língua Portuguesa no Contexto Histórico-Cultural

2.2.1 Uma Breve Amostra do Registro Gráfico da Ortografia Portuguesa por

O momento histórico em que se estuda é conturbado por estar situado na transição de vários fatores históricos e culturais decisivos que já se mencionou nos itens acima. Como o momento que se está investigando (de 1668 a 1734) foi propício para a abertura de uma nova era, a língua não poderia ter ficado à parte, sem as infiltrações dessas influências. Assim, como o tema desta pesquisa é sobre ortografia, é de extrema relevância mostrar em que situação ela se encontra nesse período.

Para tanto, serão comentadas as principais dificuldades ortográficas encontradas pelos ortógrafos, no que diz respeito ao uso das letras representando os sons. Sabe-se que esse problema advem de épocas bem remotas da história da língua, devido à confusão na transliteração de algumas letras do latim para o português. Por esse motivo, a ortografia portuguesa passou por grandes transformações apesar dos esforços dos ortógrafos em normatizá-la. Assim, abrem- se mais uma questão: em que medida os ortógrafos deste período procuraram estabelecer uma ortografia mais regular, já que eles mais desejavam era uma uniformização.

A principal questão ortográfica desse período foi o de mediar entre a ortografia fonética de João de Barros e a ortografia etimológica de Duarte Nunes de Leão.

É importante salientar que serão examinadas apenas algumas questões ortográficas que estão envolvidas no período em questão. Assim, sem a pretensão de esgotá-las, far-se-á uma apresentação das letras do alfabeto (algumas

consoantes) que causa mais dificuldades, devido à variedade de sons que umas letras são obrigadas a ter.

1 - Letras que se empregam como o som do k

Franco Barreto emprega, na sua obra Orthografia da Lingva portvguesa (1761), a letra C e o grupo <qu> para representar o som do k. Para tanto, segue a seguinte proposta:

- utiliza a letra C, antes das vogais <a>, <o> e <u>. Ex. capa, cota, cura, etc; - utiliza o grupo <qu>, antes de todas as vogais, exceto antes de <o> e <u>: qual, quadra, quando (com o u pronunciado), quinhentos, que, querer, etc.

Já Madureira Feijó, na sua obra Orthographia, ou arte de escrever, e pronunciar com acerto a lingua portugueza, publicada em 1734, tem uma proposta diferente para a pronúncia do k. Além do som do k representar a letra <c> e o grupo <qu>, pode representar o grupo <ch>.

Propõe, que antes das vogais <a>, <o> e <u>, escreva-se com a letra <c>. Ex. caco, coco, cuco, etc. Com relação ao grupo <qu>, Madureira Feijó alerta para a possibilidade de esse grupo ter som diverso. Em outras palavras, a letra U, que acompanha o <q>, pode vir a ser pronunciado ou não. Caso ocorra o u líquido9, Feijó propõe que se escreva com a letra Q. Por exemplo: quarenta, quantidade, quanto, etc.

Além da letra C e do grupo <qu>, Feijó também emprega o grupo <ch> com o som de k. Para ele, esse emprego só em casos de palavras de origem latina. Por exemplo: Monarchia, chimera, Parochia, chaos, choro, todas com o som de k.

Foi muito criticado por seguir essa postura de base etimológica. Ele não levou em consideração o significado de algumas palavras, como se observa na palavra choro, que, se for pronunciada com o som de k, significará coro. Entretanto, se for pronunciada com o som de x, a palavra choro significará pranto.

Outro ortógrafo, desse período, que não se pode deixar de mencionar é Jerônimo Contador de Argote. Na obra, Regras da Lingua portugueza, espelho da lingua latina ou Disposiçam para facilitar o ensino da Lingua Latina pelas regras da

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portugueza, Argote também utiliza as letras <c> e <qu> para representar a pronúncia do k.

Para ele, o som do k possui duas grafias: com a letra <c>, antes das vogais <a>, <o> e <u>; com o grupo <qu>, antes de todas as vogais.

Apesar de saber utilizar esse grupo de letras, não explica a sua variação de pronúncia.

2- Letras que se empregam com o som do g velar.

João Franco Barreto na sua Orthographia da Lingua Portugueza (1671), parece entender o seu valor velar, visto que chama a letra <g> de ga. Porém, quando essa letra vem precedida de <u>, formando o grupo <gu>, parece ter uma dupla grafia: ora escrevem-se palavras com <gu>, ora com <go>: lingua/ lingoa; linguagem/lingoagem. Franco Barreto parece exercer influência das grafias de Duarte Nunes de Leão visto que este escrevia lingoa e lingoagem.

Outro ortógrafo, desse período, que não se pode deixar de mencionar, é Jerônimo Contador de Argote (1721). A pronúncia do g (velar) escreve-se com a letra G, antes das vogais <a>,<o>e <u>. Assim: ga, go, gu.

3-Letras que se empregam com o som do g palatal.

O uso da letra, representando essa pronúncia é bastante polêmico e controverso. Na verdade sempre foi, porque nesse período, tanto pode ser representado pelas letras G e J, assim como pela letra I latina. Por essa razão, causam confusão até hoje.

Franco Barreto (1671) adverte na sua Orthographia da Lingua Portugueza que se deve ter cuidado, porque seu som pode causar confusão com a letra J. Para não confundir, adverte que se deve seguir a origem e a analogia das palavras. Mas, adverte ele, escrever palavras, seguindo a origem, não é tarefa fácil para quem não tem um conhecimento da origem de algumas palavras.

Na gramática de Jerônimo Contador de Argote (1721), o som do g (palatal) deve ser grafado com a letra G, antes das vogais <e>, <i> sem o U, adverte; outra letra que ele utiliza para representar esse som é a letra I latina em palavras como Ioão (João).

Infelizmente, nenhum dos ortógrafos dessa época seguiram Álvaro Ferreira de Vera na sua Ortographia (1631) que utilizou o som do g (palatal) com as letras J e G. Todos adotaram a proposta de Leão (1576), empregando as letras I (i consonântico), J e G representando tal som. Mas, na disputa entre etimologista e foneticista vence nesse período, os etimologistas.

A respeito da proposta de Vera, o sistema por ele adotado foi um tiro certo para acabar com a confusão do uso indevido do I (i consonântico) como representação do som do g palatal.

4– Letras que se empregam com o som do s sibilante surda.

Nos estudos ortográficos de Bento Pereira, o som do s oscilou entre as letras Ç e S. O motivo da variação justifica-se devido à produção de diversas edições de obras ortográficas. A Prosódia, a Arte da Língua Portuguesa, o Thesouro da Língua Portuguesa foram as mais requisitadas e estudadas. Nesse conjunto de obras, todas foram editadas em épocas diferentes. Assim, algumas regras ortográficas foram sendo alteradas a cada impressão e a cada nova produção ortográfica.

Dessa forma, é de se esperar que se encontre nas suas primeiras obras diferenças nas regras. Na sua Prosódia, a pronúncia do s é representada pela letra Ç em palavras como çujidade e çujo; entretanto, na sua Arte de Língua Portuguesa,

esses mesmos sons foram escritos dessa forma: sujidade e sujo. Tais grafias duplas se explicam por estar mais próxima da pronúncia das palavras e por seguir as regras da analogia, cujas palavras sujidade e sujo se originam da palavra latina sordes.

Com relação ainda ao som do s, Pereira (apud. Bluteau: 1728), além de usar a letra S, usa um símbolo curioso na representação desse som. A palavra são, por exemplo, tal ortógrafo escreve também ʃão, ou seja, utiliza duas letras ( S e ʃ10 ) para representar o som do s. Mas Pereira não foi o único a grafar esse som, usando a letra “ʃ” .Uma legião de adeptos adotaram tal grafia. Além dessa, outras palavras possuíam duas grafias na sua obra. Porém, não serão vistas nesta

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Sobre esse som, Leão (1576, p. 19) na sua Ortografia da lingua portuguesa, diz o seguinte: (...)

ainda que os vulgares figurem em seus alfabetos assim <ʃ. s > é uma só letra. “Porque eʃʃa differença he para a graça da ʃcriptura, mas não para fazer differença na pronunciação.

pesquisa.

Já Franco Barreto representa a pronúncia do s com três letras diferentes conforme o caso:

- com a letra C antes das vogais <e> e <i>;

- com Ç antes das vogais <a>, <o> e <u> (p.123);

- com o s singelo, representado pela letra S. Tal letra pode vir no princípio de dicção: sal, sino, sol, suor etc; e no meio de dicção, depois das consoantes B, L, N e R: abstinencia, balsamo, sansonete, persiguiçã .

Ele sugere que no uso da letra S, deve-se seguir a origem para desfazer a dúvida do uso do Ç ou do S.

A letra S, antes de A letra E M, P, T,

Barreto (1671) não admite que se iniciem palavras com a letra S, cujo segundo elemento é uma das seguintes consoantes: M, P, T. Dessa forma, não admite que se escrevam as seguintes palavras: smeralda, scrito,spelho, star, statua; mas que introduza a vogal <e> no seu início. Assim, escreve esmeralda, escrito, espelho, estar, estatua. Para ele, o S é letra e não soído como admitem alguns escritores portugueses nesse caso.

Na gramática de Argote (1721), o som do s é representado pelas letras C antes das vogais <e> e <i> e do Ç antes das vogais <a>, <o> e <u>.

Além desses usos, Argote observa um fenômeno linguístico: o emprego da letra Z, representando o som do s no final de palavra. Porém, não explica mais que isso em sua ortografia. Apenas lista uma série de palavras, exemplificando o fenômeno: costumaz, rapaz, revez, feliz (p. 17, L. 26).

João Madureira Feijó (1734) utiliza a letra C, antes de <e> e <i>; a letra Ç, antes de <a>, <o> e <u>, e compreende a dificuldade de se empregar uma letra correspondente a esse som. Segundo ele, a sugestão para tal som é propor uma regra certa para empregar uma letra que o represente. Para amenizar semelhante problema, Madureira propõe, na sua Orthografia, duas maneiras de representá-lo: usa-se o Ç, tanto no meio, quanto no fim da sílaba; usa-se o C, antes de <e> e <i>; o S, no início e antes de qualquer vogal.

Com relação às letras C e Ç, Madureira comenta o emprego dessa forma: (op. cit. 43):

humas vezes sôa na pronunciação como C v.g. CE, CI, e outras sôa como Q, v.g. Ca, Co. (...) O C antes de A, O, U... sempre sôa quasi como Q ou como o K dos Gregos. (...) Mas escripto com huma plica por baixo... sempre sôa como C antes de A, O, U: v.g. Faça, Faço, Açúcar.

Com relação à dificuldade de usar o S, usa-se, no seu lugar, a letra Ç. Ele dá essa sugestão para

os que naõ sabem diversificar o C do S pela sua pronunciação, dizem os Orthografos, que naõ ha regra mais certa, do que observar as regras Latinas, e escrever por imitação .v.g.: cidade, cidadão escrevemse com C, porque os Latinos escrevem Civitas, Civis. (p. 45)

Com relação à dúvida de se escrever com C ou com Ç, Madureira justifica da seguinte forma:

A duvida... he assignar regra certa para sabermos quando, e que palavras se hão de escrever com C, ou com S; porque dizem elles, que o Coi como C, o S , se aquivocaõ no som da pronunciaçaõ, e fica a duvida, se havemos de escrever C,apato v.g. ou Sapato (p. 44).

5 – Letras que se empregam com o som z.

Conforme a ortografia de Franco Barreto (1671), o som do z pode ser usado com o s singelo; com a própria letra Z; com X.

Com relação ao s singelo, deve-se colocá-lo no meio de dicção entre vogais: Ex.ocasiã, riso, uso. Porém, nos alerta que há palavras que se escrevem com o Z: avareza, tristeza, nobreza. Assim, para resolver essa dificuldade, Barreto propõe algumas regras:

a) Como usar o s singelo entre vogal com soído de z:

- que se considere a origem dos nomes e derivados de vocábulos latinos, como nos exemplos: ocasiã provem de occasio; riso, de risus; uso, de usus. Ele explica que o vocábulo casa é latino e, por essa razão, escrevem-se as palavras que derivaram dele dessa forma: caseyro, casa.

- Quando o nome latino acabar em -sio. Ex: conclusã, (de conclusio), defensa, (de defensio), confusã (de confusio), divisa( de divisio).

- Quando o nome latino termina em -as. Ex: asa ( de ansa), causa e causar (de causa), mesa ( de mensa).

- Nomes que nascem do particípio como clausula (de clausus). - E se escreve como os latinos: fermoso, amoroso, glorioso, vitorioso. b) Quando usar a letra Z com o som do z

Deveria ser mais fácil seu emprego devido à letra ter o seu mesmo som. Mas Franco Barreto diz que é mais difícil elaborar uma regra certa e sugere que se escreva com a letra Z da seguinte forma:

- Escreve-se com a letra Z os nomes femininos derivados de outros: avareza, de avaro; alteza, de alto; bruteza, de bruto; careza, de caro; certeza, de certo; franqueza, de franco.

- Escreve-se com Z todos os nomes, que, na última sílaba, tiveram acento sobre a vogal, ou seja, substantivos ou adjetivos próprios ou apelativos de qualquer qualidade: arganaz, albernoz, arroz, axadrez, algoz, capaz, cruz, eficaz, féz, foz, luz, matiz, nariz, perdiz, rapaz, verniz, voz; e ainda Frácez, Ormuz, Portuguez. Excetuam-se aqueles nomes que trazem um S no final, porque semelhante letra representa o plural dos nomes portugueses.

- Também se escreve com Z as terceiras pessoas do presente do indicativo dos verbos faço (faz), digo (diz), jazo (jaz), trago (trazer). A primeira pessoa do pretérito do verbo ponho (puz) e seus derivados, também se escreve com Z no final.

- Escreve-se com Z, os numerais de dez até trezentos. Ex: dez, onze, doze, treze (p.177).

- Escreve-se com Z, os nomes patronímicos portugueses como Alvaro- Alvarez, Fernando-Fernandez; Marcos-Marquez; Sancho-Sanchez, Pedro, Pero- Pirez, Perez.

c) Quando usar a letra X com o som de z:

Com relação o X, Barreto diz que se toma a sua pronúncia dos latinos e se escreve dessa maneira: exemplo, de exemplum; exame, de examen; exercito, de exercitum e semelhantes.

Um fenômeno linguístico curioso e polêmico Franco Barreto levanta sobre a letra X: a possibilidade de tal letra ter mais dois sons. Na página 173 de sua

Orthografia, Barreto chega a exemplificar novas pronúncias para a letra X, porém não as explica. Apenas diz que os franceses, italianos e outros escreviam no lugar do X a letra S (no início de dicção) e o <ss> (no meio dessa). Logo em seguida, na mesma página diz se nós pronunciamos como os Arabes, devem os Arabes pronunciar como os Latinos, ou os Latinos como os Arabes.

Só que Barreto já havia dito, na página 172, que os latinos antigos pronunciavam a letra X com os sons de cs e gs; e havia dito também que os ortógrafos portugueses disseram que se pronuncia conforme os árabes. Agora, mostrando as palavras dadas por ele, tais como Senophonte (de Xenofonte), crucifisso (de crucifixo), massimo (de Maximo), não teria ele nos apontado a existência dos sons cs e s ?

Para Argote, a letra S tem som de z em muitas palavras. Porém, não propõe regras como Barreto. Apenas exemplifica. A razão dessa atitude de Argote é porque seus objetivos estão centralizados num modelo pedagógico.

6 - Letras que se empregam com o som do x.

Esse som pode ser representado tanto pela letra X ou pelo grupo <ch>. Entretanto, há uma polêmica e uma dificuldade na hora de escrever <ch> ou X. A polêmica é sobre a representação do som do x pelo grupo <ch>, visto que alguns ortógrafos, desse período, representam-no, ora por som de k, ora por som de x. Haja vista quais os ortógrafos que admitem tais fenômenos linguísticos:

Franco Barreto utiliza tanto o <ch>, quanto o X para representar o som do x: chapeo, cheiro, choro, Xenofonte, Xerxes.; Jerônimo Contador de Argote também faz o mesmo uso. Madureira Feijó admite o X, porém não admite o grupo <ch> na representação do som do x. Em suma, temos dois que segue a ortografia fonética e um que segue a ortografia etimológica.

7– Letras que se empregam com o som de f, t, r

Na ortografia de Franco Barreto, os sons f, t, r são representados pelas letras F, T, R. Não admite grupos consonânticos gregos: <ph>, <th> e <rh>.

Já Bento Pereira, Jerônimo Contador de Argote e Madureira Feijó admitem a escrita etimológica. Escrevem <ph>, <th> e <rh> para representar dos sons de f, t, r, respectivamente. São considerados ortógrafos de tendência etimológica.

Considerando-se o que foi exposto, verificou-se que as questões ortográficas apontadas pelos ortógrafos não apresentam uma uniformidade. Encontraram-se, nesse contexto, um de tendência fonética (Franco Barreto) e quatro de tendência etimológica (Álvaro Ferreira de Vera, Bento Pereira, Jerômino Contador de Argote e Madureira Feijó).