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A homogeneização, a cooptação de partidos e as alianças com o governo

CAPÍTULO 2 – PATOLOGIAS PARTIDÁRIAS

2.5. A cooptação de partidos e as alianças com o governo

2.5.1. A homogeneização, a cooptação de partidos e as alianças com o governo

A baixa institucionalização partidária, revelada, sob determinado aspecto, pela presença no sistema partidário de legendas muito homogeneizadas, constrói um ambiente extremamente convidativo ao uso da cooptação como ferramenta de construção de maiorias (parlamentares, especialmente). Neste sistema, são infinitamente menores os custos da migração de um militante ou partido dentro do espectro de nuances programáticas ou ideológicas.

184 Isto porque partidos altamente institucionalizados, com programas e plataformas eleitorais bem definidos, e que são capazes de estabelecer um vínculo mais profundo e duradouro com o seu eleitorado, têm mais dificuldade para se desfazer de todo este lastro para transitar com liberdade e sem prejuízos pelos meandros da política e celebrar acordos e alianças de altamente heterogêneas e inusitadas. Inversamente, partidos estruturados exclusivamente para sobreviver politicamente da maneira mais confortável possível têm mais facilidades para mergulhar nestas práticas. Seus vínculos com o eleitorado são fracos e não prospera, neste ambiente, o hábito da prestação de contas ao eleitorado por parte dos integrantes da legenda.

Rachel Meneguello, estudando as alianças governamentais realizadas entre 1985 e 1997 para dar sustentação parlamentar aos presidentes da República que se sucederam no período, observou

um alto grau de coerência ideológica em todas as

coalizões. Considerados os posicionamentos político-

partidários globais, sobre os quais foi baseada a classificação agregada dos partidos no espectro ideológico esquerda-direita, observa-se que a distância ideológica entre as agremiações para a quase totalidade das equipes formadas em cada governo é pequena” 197.

A autora, de fato, tinha razão. Os governos formados no período por ela analisado, de fato, demonstravam grande identidade ideológica entre os partidos que os compunham. Entretanto, a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudaria esta coerência, a começar pela procedência de seu vice- presidente, o bem sucedido empresário do setor têxtil, José Alencar, eleito em 1998 pelo PMDB de Minas Gerais para ocupar uma vaga no Senado e que migrou para o conservador PL (atual PR) para compor a chapa presidencial.

Embora os dados a seguir apresentados sejam insuficientes para extrair conclusões definitivas sobre o padrão de conduta dos partidos no que se

197 Partidos e governos no Brasil contemporâneo (1985-1997). Partidos e governos no Brasil

185 refere ao fenômeno da cooptação, pelo menos nos permitem identificar que, especialmente desde a última troca de comando no Executivo federal, alguma coisa vai mal no campo do alinhamento ideológico e programático de alguns deles (sobretudo os do centro). De fato, nota-se uma flutuação muito alta na conduta dos líderes de alguns partidos nos dois períodos analisados, mormente quando se tem em mente que, entre um e outro, o governo federal experimentou uma mudança intensa de comando (do PSDB para o PT).

A tabela abaixo demonstra os percentuais médios das votações nas quais os líderes dos partidos representados na Câmara dos Deputados encaminharam os votos de suas bancadas no mesmo sentido, entre 1999 e 2004. Vale alertar que os percentuais refletem apenas o encaminhamento dos votos realizados pelas lideranças. Não retrata os resultados nominais das votações. Não obstante, este critério é um excelente indicado do nível de comprometimento das oligarquias partidárias com o governo.

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Tabela – Indicações semelhantes de voto pelas lideranças partidárias na Câmara dos Deputados – 1999-2004 (%) 198 PPB (PP) PFL (DEM) PTB PL (PR) PSDB PMDB PDT PSB FHC II (1999- 2002) PFL (DEM) 93 - - - - - PTB 82 79 - - - - - - PL (PR) 39 40 42 - - - - - PSDB 95 94 83 39 - - - - PMDB 94 92 81 41 97 - - - PDT 16 18 32 69 20 21 - - PSB 13 16 23 69 17 17 82 - PT 21 22 31 65 25 26 82 85 Lula I (2003- 2004) PFL (DEM) 27 - - - - - PTB 90 22 - - - - - - PL (PR) 88 23 95 - - - - - PSDB 32 74 25 27 - - - - PMDB 88 26 92 92 30 - - - PDT 78 27 85 87 28 82 - - PSB 86 18 94 92 22 89 87 - PT 87 19 94 93 23 90 88 98

A base de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2004) no Congresso Nacional, com algumas ligeiras alterações momentâneas, era composta fundamentalmente por PSDB (partido do presidente), PFL, hoje DEM (partido do vice-presidente), PMDB, PTB, e PPB, hoje PP 199. Estes partidos garantiam ao governo uma maioria folgada nas duas Casas congressuais.

A tabela demonstra claramente esta aproximação dos partidos da base do governo neste período. De fato, 94% dos encaminhamentos realizados pelo

198

SANTOS, Fabiano. Governos de coalizão no sistema presidencial – O caso do Brasil sob a égide da Constituição de 1988. IN AVRITZER, Leonardo. ANASTASIA, Fátima (Organizadores). Reforma política no Brasil... op. cit., p. 233.

199

MENEGUELLO, Rachel. Partidos e governos no Brasil contemporâneo (1985-1997)... op. cit., p. 76. É importante destacar que, muito embora o período analisado pela autora não alcance o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (retratado na tabela que reproduz as indicações dos líderes dos partidos na Câmara dos Deputados, a composição de sua base de apoio no Congresso manteve-se relativamente estável até o final de seu mandato. Daí ser possível estender para os anos compreendidos entre 1999-2002 as mesmas conclusões alcançadas pela autora para os anos de 1997 e anteriores acerca da base parlamentar do governo do PSDB.

187 líder do PFL (DEM) foram semelhantes aos feitos pela liderança do PSDB. Os índices de semelhança do PPB (PP), PMDB e PTB foram, respectivamente, de 95%, 97% e 83%.

Apenas para se ter uma idéia mais precisa desta informação, nos mesmo período, os líderes do PT, PDT e PSB – então na oposição – encaminharam apenas 25%, 20% e 17%, respectivamente, das votações no mesmo sentido do encaminhamento feito pelo líder do PSDB.

Isto demonstra que, de fato, pelo menos na Câmara dos Deputados, PMDB, PTB e PPB (PP) preservavam um alinhamento muito estreito com os posicionamentos governamentais de então.

Em fins de 2002, quando o candidato do PT à Presidência da República foi eleito para substituir o então ocupante do cargo, seria de se esperar que os três partidos acima nominados também migrassem para a oposição junto com PSDB e PFL (DEM), muito embora nenhum dos três tenha lançado candidato à presidência ou integrado formalmente qualquer coligação (especialmente não a do PSDB/PFL e nem a do PT/PRB/PC do B). Entretanto, não foi o que ocorreu.

Os números da tabela acima transcrita demonstram que, nos dois primeiros anos do governo Lula, 94% dos encaminhamentos realizados pelo líder do PTB foram semelhantes aos feitos pela liderança do PT. Os índices de semelhança do PMDB e PPB (PP) foram, respectivamente, de 90% e 87%.

Empregando o mesmo critério de comparação utilizado para avaliar a fidelidade das lideranças ao governo no período anterior, a tabela demonstra que, após a ida para a oposição, os líderes do PFL (DEM) e PSDB encaminharam apenas 19% e 23%, respectivamente, das votações no mesmo sentido do encaminhamento feito pelo líder do PT.

Isto demonstra que, de fato, a despeito da mudança na gestão do governo federal, PMDB, PTB e PPB (PP) continuaram integrando a base parlamentar de apoio do Executivo. Quando a esta flutuação são acrescidos os dados do desempenho destes partidos nas eleições de 2006 para a Câmara dos Deputados, alcançamos uma conclusão preocupante. Juntos, estes partidos elegeram 152 deputados (PMDB – 89; PP – 41 e PTB – 22), o que corresponde a 29,6% do total de cadeiras. Em um cálculo grosseiro e incompleto, apesar de bastante indicativo, isto

188 significa que cerca de 1/3 da Câmara dos Deputados está disposta a colocar seu peso em qualquer dos pratos da balança política, desde que este prato esteja do lado do governo.

É claro que esta é uma afirmação que apresenta alto teor especulativo. Apesar de fundada em um movimento nítido verificado na última substituição alternada de poder no governo federal, ela está essencialmente voltada para acontecimentos futuros que são incertos por sua própria natureza. Entretanto, quem acompanha - pela imprensa que seja – o dia-a-dia do cenário político nacional tem poucas dúvidas de que estes três partidos não teriam muitas dificuldades para migrar para o bloco formado pelo PSDB/DEM, caso ele saia vencedor das próximas eleições presidências de 2010.

Isto tudo demonstra que alguns dos partidos mais significativos do quadro brasileiro parecem estar dispostos a participar de um processo de cooptação governamental que corrói as estruturas de nosso sistema partidário e, no limite, subverte a vontade do eleitor.

De fato, a força gravitacional que o governo exerce sobre os partidos é brutal e se faz sentir não apenas nos índices de indisciplina – sintoma mais evidente da cooptação e da baixa densidade programática das agremiações -, mas também sobre a direção do movimento de migração dos parlamentares, conforme é possível haurir dos números contidos na próxima tabela:

Tabela – Sentido da migração dos deputados federais – por mandato presidencial 200

Sentido da mudança

Mandato presidencial / Legislatura Total

(N)

Sarney