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2.1 A leitura dos etnotextos na mídia digital

2.1.1 A “ideologia de gênero” no Jornal do Tocantins

O Jornal do Tocantins foi fundado em 18 de maio de 1979 na cidade de Araguaína, no norte do Estado do Tocantins. É o jornal impresso que possui maior circulação no Estado e afirma possuir como diretrizes centrais a ética, a responsabilidade e o compromisso social (PORTO JÚNIOR; RODRIGUES; PEREIRA, 2015). Sua página na internet pode ser acessada em: www.jornaldotocantins.com.br

No dia 17 de novembro de 2015 foi publicado um texto opinativo de Adriano Castorino, no caderno Tendências e Ideias. O título é: Subjetividade, corpo, humanidade: a negação da mulher. O texto se refere ao contexto da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que, em 2015, propôs que o/a candidato/a redigisse uma redação sobre a violência contra a mulher na sociedade brasileira. Esse tema gerou muito debate nas mídias e redes sociais, muitas pessoas se posicionaram frente a essa temática. O autor deste texto no jornal não define ideologia de gênero, mas afirma que aqueles e aquelas que a defendem devem ser “responsabilizados solidariamente pelas mortes das mulheres, pelos estupros”.

No dia 12 de novembro de 2015, também no caderno Tendências e Ideias, foi publicado um texto opinativo de Rubenilson Araújo com o título: Uma reflexão heteronormativa. Esse texto também não define ideologia de gênero, mas apresenta um debate filosófico sobre como homens e mulheres sofrem com as violências e assimetrias de gênero.

No dia 23 de setembro de 2015, no caderno Geral, foi publicado um texto jornalístico assinado por Luiz Fernando Toledo com o seguinte título: Após de religiosos, MEC altera comitê e remove palavra gênero. O texto se refere a transformação do “Comitê de gênero” do MEC em “Comitê de combate à discriminação”. A justificativa do grupo de deputados religiosos foi de que o MEC estaria “tentando implementar a ideologia de gênero nas escolas” e de que isso “incentiva a prática gay e resulta na sexualização precoce das crianças e adolescentes”. Nesse texto não vemos claramente a definição de “ideologia de gênero”, mas podemos perceber na fala dos deputados que essa ideologia traria a sexualização precoce de crianças. Como se existisse uma idade certa para a prática sexual, ou que a criança não tivesse “sexualidade”.

No dia 24 de agosto de 2015 foi publicado um texto jornalístico de Isabela Palhares no caderno Geral com o seguinte título: Prefeitura ainda tenta incluir ‘identidade de gênero’ em

plano de educação. O texto se refere ao contexto histórico da aprovação do PME da cidade de São Paulo. O texto não traz elementos para a compreensão do que seria “ideologia de gênero”, mas traz duas partes polarizadas: um grupo de religiosos que chama a temática da igualdade de gênero e diversidade sexual de “ideologia de gênero” e outro grupo denominado pela jornalista de “movimento gay” que, segundo ela, defende a inclusão do tema no PME. Um deputado contrário a esse debate nas escolas disse que eles gastaram muito tempo de debate na casa legislativa com essas questões e outras coisas ficaram em segundo plano, tais como financiamento e números de alunos por sala. Mas estes temas estão contidos no plano, diferentemente daqueles. O que ele queria dizer é que não apresentariam mais emendas com finalidade de “corrigir” a exclusão da temática de gênero do PME. (O que fica disso é que se gastaram realmente muito tempo, até mais do que outros “mais importantes”, é porque aquele tema é sim importante, mas em que sentido, em que grau de importância? A ênfase da importância se deu na necessidade de silenciamento dessa temática, ou no seu controle).

No dia 08 de julho de 2015, no caderno Política, foi publicado um texto jornalístico de Lisandra Paraguassu com o título: Ministro da Educação pede rejeição ao projeto do pré-sal de Serra. Apesar de focar no uso dos recursos advindos da exploração da camada do pré-sal, o texto possui uma seção para o PNE porque esse tema foi debatido no mesmo encontro noticiado. O texto traz o argumento do então ministro que estaria incomodado com a retirada da temática de gênero e diversidade sexual dos planos municipais pelo Brasil. Ele disse: “Não existe uma ideologia. Existe a realidade dos jovens no momento da descoberta da sua sexualidade”. O ministro da educação em questão era Renato Janine Ribeiro, ministro do governo de Dilma Roussef de abril a setembro de 2015. É professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

Em 07 de julho de 2015, no caderno Estado, foi publicada uma reportagem de Lia Maria com o padre Paulo Ricardo. O texto mescla um conceito de texto jornalístico com a modalidade de texto opinativo. O título do texto é “Igreja católica tem posição contrária”. Apresenta dois momentos: uma “definição” da ideologia de gênero e logo em seguida a posição contrária da igreja. Ao final da matéria apresenta um blog com um texto do padre Paulo Ricardo sobre o caso de David Reimer56. Define a “ideologia de gênero” como sendo

56 Uma criança canadense do sexo masculino que teve uma cirurgia de fimose mal sucedida foi operada para se transformar em uma menina e assim ser criada. Com psicoterapia e hormônios o psicólogo John Money tentou sem sucesso transformá-la. Aos 38 anos, depois de saber de tudo e de passar por diversos problemas ele, que voltou a assumir a identidade de gênero masculina, se suicidou. O caso é visto pelos conservadores como um exemplo de que a componente social do gênero e da identidade de gênero são falsas. Para a comunidade médica ficou a não intervenção na genitália, mesmo em casos de micropênis, antes que a criança possa reivindicar uma identidade própria. Para mim, o que fica é que a sexualidade é complexa e não pode ser transformada com

aquilo que ensina que ninguém nasce homem ou mulher, que a pessoa deve construir sua identidade ao longo da vida, que essa identidade não sofre influencias do sexo biológico, mas seria uma opção. Isso, segundo as autoras, seria um esvaziamento dos conceitos de homem, mulher, masculino e feminino justamente porque afirma que o sexo biológico deve ser abandonado, dele deve-se libertar para então construir a identidade de gênero subjetiva, pessoal, voluntarista. A autora chama isso de pretensão insustentável para a igreja (pelas palavras que ela usa me parece que é a opinião dela também). Ela afirma que se forem esvaziadas as identidades e todas forem possível, a pedofilia também poderia ser uma forma de gênero (demonstra bem a sua não compreensão do conceito de gênero). O texto afirma que ensinar essa ideologia nas escolas pode gerar confusão nas crianças, sexualização precoce e promíscua e elevação dos índices de violência sexual. Além do que ela afirma que o direito à educação moral dos pais seria usurpada pelo Estado. Ela fecha o texto afirmando que tal “ideologia” não se sustenta pela igreja nem pela ciência, por isso citou o caso Reimer.

Na seção Estado, no dia 07 de julho de 2015, foi publicada uma reportagem de Adilvan Nogueira com o doutor Damião Rocha. O título é: A polêmica da chamada ideologia de gênero. O texto apresenta como contexto histórico a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). Afirma que ideologia de gênero seria uma alegação de um movimento conservador para retirar das pautas das políticas públicas as estratégias para superação das desigualdades de gênero e orientação sexual. Destaca que hoje no Brasil há mais judicialização para garantia direitos do que políticas públicas operantes.

Figura 5 - Captura da tela de etnotexto que traz em seu título uma informação e ao mesmo

tempo uma provocação de que aqueles/as deputados/as estavam aprovando algo que na verdade era uma forma de não-inclusão.

Fonte: Jornal do Tocantins

No dia 02 de julho de 2015 foi publicado um texto jornalístico assinado por Fernanda Menta com o título: Contrários à inclusão se manifestam na AL. O contexto histórico é a aprovação do Plano Estadual de Educação (PEE) do Tocantins pela Assembleia Legislativa (AL). O texto não contribuiu para o objetivo da dissertação. Não traz debates nem definições.

psicoterapia comportamental nem com hormonoterapia; basta lembrarmos dos casos de homossexuais que foram obrigados a sofrer castração química e seus altos índices de suicídio e inaptidão social, depressão, dentre outros prejuízos emocionais.

Só apresenta datas. Serve para guiar outras buscas. Traz uma foto da deputada Valderez Castelo Branco com os braços erguidos em tom de comemoração com muitas pessoas e crianças ao fundo (vide figura 6).

Figura 6 - Comemoração na Assembleia Legislativa do Tocantins pela aprovação do

Plano Estadual de Educação sem o debate de gênero (repare a quantidade de crianças no recinto).

Fonte: Jornal do Tocantins/Assembleia Legislativa.

No dia 07 de junho de 2015, no caderno Tendências e Ideias, foi publicado um texto opinativo de Carlos Alberto di Franco com o título: “Educação sexual compulsória”. O contexto histórico é a aprovação dos planos municipais de educação pelo Brasil. Afirma o autor que a tentativa de aprovar a ideologia de gênero no PNE foi proposta do MEC, sendo assim, o MEC perdeu. (Olha que interessante: parece que a ideia foi somente de luta contra um partido político). Chama ideologia de gênero de “teoria autoritária”. Afirma que essa ideologia é uma “distorção completa do conceito de homem e mulher” (assume homem e mulher como conceito) porque proporia que devemos nos libertar do sexo biológico para irmos em busca “da composição livre e arbitrária da identidade de gênero”. “É uma ideologia que defende a absoluta irrelevância dos dados biológicos e psíquicos naturais na construção da identidade da pessoa humana, considerando o gênero de cada indivíduo como uma elaboração puramente pessoal”. (Mais uma vez confusão do conceito de gênero). Ele afirma que essa ideologia traria uma série de “inconvenientes para a educação”: 1) confusão na cabeça das crianças; 2) sexualização precoce; 3) legitimação da pedofilia, já que esta seria considerada um “gênero” (confusão do conceito de gênero com orientação/prática sexual); 4) banalização da sexualidade humana e aumento das violências sexuais e 5) usurpação da autoridade dos pais em materia de educação moral e sexual dos filhos. Ele disse que TRARIAM

problemas/inconvenientes para a escola, mas TODOS esses inconvenientes já são presentes nas escolas.

O Jornal do Tocantins tenta ser isento e trazer a pluralidade de vozes sobre o tema. Basta ver que dentre os autores e autoras desses etnotextos há pensadores/as de diversas áreas que concordam ou discordam do debate de gênero nas escolas. Entretanto, “o opinativo” não se reserva aos textos opinativos, mas antes está presente em textos considerados jornalísticos, que supostamente tentam ser isentos e apresentar diversos lados do mesmo fenômeno. Nos textos que tentaram definir ideologia de gênero ficou claro a confusão entre os conceitos de gênero, sexualidade, orientação sexual e prática sexual. Neste jornal, ideologia de gênero aparece como um conceito político-religioso que tenta “proteger” as crianças de um conteúdo “equivocado” da realidade. Conteúdo esse que só traria problemas ao desenvolvimento da criança tais como sexualização precoce, banalização da sexualidade, promoção da causa gay e da promiscuidade. Percebemos ai claramente um comportamento conservador e valorativo das práticas culturais da diversidade humana.