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2.1 A leitura dos etnotextos na mídia digital

2.1.2 A “ideologia de gênero” no T1 notícias

O T1 notícias desde sua inauguração é editado e apresentado em meio digital. Foi fundado em 28 de março de 2009 pela jornalista Roberta Tum, dai o nome do jornal, T um(1) na cidade de Palmas. Sua página na internet pode ser acessada em: http://www.t1noticias.com.br . A figura 7 traz um pouco do cenário da proibição da diversidade no cenário da educação no Tocantins.

Figura 7 - Captura da tela de etnotexto informando ser Palmas, a capital do Tocantins, a primeira

cidade do Estado a proibir livros que tratam de gênero e/ou sexualidade

Fonte: T1 Notícias

No dia 29 de maio de 2015 foi publicado um texto jornalístico com o título “Arcebispo defende retirada do tema da diversidade de plano estadual de educação”. O texto é de autoria

do próprio jornal, sem identificação de um/a jornalista específico/a. Esse texto se refere a um contexto histórico específico: fala da discussão que houve sobre “ideologia de gênero” no seminário para debate e construção do plano de direitos humanos do Estado do Tocantins. A matéria é uma reportagem que tenta apresentar os dois lados: um padre que defende “o pensamento da igreja” e faz questão de afirmar que não é “contra os homoafetivos” mas que quer retirar o debate de gênero das escolas; e o outro lado, de professores que afirmam ser necessário tal debate na escola. A matéria faz referência à carta da arquidiocese (nota explicativa sobre os planos de educação) da regional norte 3 da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Neste documento é afirmado que a “ideologia de gênero” tem tentado destruir a “família natural” (um homem, uma mulher e seus filhos). Chama de “ideologia de gênero” a “teoria ou perspectiva de gênero”. Desenvolve o argumento teológico de que existe homem e mulher, “uma natureza corpórea pré-constituída” e que as teorias de gênero “desfiguram a face do homem e da mulher, destruindo a criação”. O documento mistura o conceito de “gênero” com “orientações sexuais”. Variabilidade do discurso: o documento afirma num ponto que existe uma natureza preconcebida de homem e de mulher, mas logo na frente afirma que com a “ideologia de gênero” as crianças iriam “aprender que não são meninos ou meninas, e que precisam inventar um gênero para si mesmas. Para isso receberão materiais didáticos destinados a deformar sua identidade.” (CNBB, 2015, p. 2). Ao final da nota os pais são conclamados a irem contra a “ideologia de gênero”. E chama esta teoria de “perigosamente revolucionária”.

Figura 8 - Captura da tela de etnotexto sobre a retirada da temática da diversidade no PEE do

Tocantins.

Fonte: T1 Notícias.

No dia 03 de julho de 2015 foi publicado no Caderno Educação uma matéria sobre o voto da deputada estadual Valderez Castelo Branco para a retirada da temática de gênero do Plano Estadual de Educação do Tocantins. A matéria é intitulada: “Valderez vota a favor da

retirada de “ideologia de gênero” do plano estadual”. Tem a assinatura do próprio jornal sem definição de um/a jornalista específico/a. O texto traz o depoimento da deputada Valderez Castelo Branco. Ela afirma que as crianças “precisam de referenciais sólidos na infância e a ideologia de gênero é algo que vai contra isso. É algo que vai contra a família”. A deputada faz questão de afirmar que não é contra as pessoas homoafetivas.

No dia 18 de fevereiro de 2016 foram publicadas duas matérias que remetiam ao mesmo contexto histórico: um evento do movimento conservador na Assembleia do Tocantins denominado “Atualidades da política brasileira: ideologia de gênero, sexualidade e religião”. Esse evento teve a presença de Marco Feliciano (deputado federal) e Marisa Lobo (psicóloga cristã). Em ambas matérias há um informativo para apresentação de duas notas de repúdio da utilização da expressão “ideologia de gênero” pelo evento naquela casa pública de construção de leis: uma nota emitida pela OAB/TO e outra assinada coletivamente por doze organizações sociais. As duas notas afirma que a expressão “ideologia de gênero” não possui “legitimidade epistêmica nas ciências humanas e sociais”. A nota de repúdio da OAB/TO afirma que existem atributos sociais e oportunidades dadas a homens e mulheres, sendo isso gênero. E que gênero não é uma ideologia, ao contrário, é uma forma de desconstrução da ideologia “que imputa características supostamente inatas aos indivíduos”. Todos os 7 comentários de leitores/as ao texto são contra o argumento da OAB. Afirmam que a OAB deveria se preocupar com algo mais importante do que “terminologia”.

A última matéria estudada deste jornal que faz referência à expressão “ideologia de gênero” é a que foi publicada em 10 de março de 2016 no caderno Cidades. O texto é assinado por Rafael Rodrigues e foi intitulada “Amastha nega conteúdo de gênero no PME e diz que estão antecipando campanha”. O prefeito de Palmas não teria aceitado todas as emendas do relator (vereador João Campos) ao PME de Palmas. Então, líderes religiosos foram cobrar satisfação dele. Um vereador entrevistado (Iratã Abreu) afirma que há um radicalismo em cima de algumas palavras (o que parece que foi uma “caça às palavras”: gênero, diversidade e tolerância). O vereador Iratã Abreu afirmou que diversidade não é questão homoafetiva, é maior, abrange outros temas (religiosidade, raça-etnia, classes sociais). Na fala de Iratã parece que a maior crítica é contra os homoafetivos, sim! Quando a maioria dos que defendem a “ideologia de gênero” o fazem sempre afirmando que “não é contra os homoafetivos!”.

O T1 notícias tenta ser um jornal isento, ou ao menos liberal. Parece-me, na verdade, que ele é um jornal de crítica ao movimento conservador. Já que nenhuma notícia por ele veiculada defendeu diretamente a “ideologia de gênero”. Pelo contrário, em todas as cinco

matérias aqui estudadas foi possível perceber a atuação social na crítica e no descortinamento de um movimento que tenta chamar de ideologia um discurso que desmarcara espaços ditos naturais de homens e de mulheres, preconcebidos naturalmente por Deus ou pela “natureza” biológica dos seres.