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Foto 10 – Aniversário de 2 anos da agricultura familiar

2.3 A Igreja Católica em Correntina

Como mencionado, desde a chegada de Padre André no município, muitas obras foram construídas para atender, sobretudo, pessoas sem recursos financeiros e sem maiores acessos a serviços básicos. Na década de 1970, alguns “benfeitores” da Holanda44 contribuíram com recursos para a construção de casas populares no bairro de São Lázaro, além de 26 casas e dois salões exclusivos para o atendimentos a idosos que careciam de cuidados médicos e de assistência social. Ainda nesse período, Padre André busca, junto ao governo do Estado, apoio para a expansão do Centro Educacional de Correntina. Do início de sua atividade sacerdotal até esse momento, destacam-se esforços importantes nas áreas da saúde e da educação45. Esse conjunto de ações que serão realizados a partir da chegada de Padre André em Correntina, são definidas como “serviços” da Igreja Católica e estão de acordo com as já citadas encíclicas

43 Em 1962, o presidente João Goulart cria a partir da lei 11/1962 a Superintendência de Política Rural (SUPRA) que incentivava a criação de associações de agricultores e sindicatos rurais. Posteriormente, a portaria 335A irá reconhecer as entidades rurais e emitir “cartas sindicais”. Esse fato contribui para a proliferação da construção de STRs no país e também abre margem para que outros “mediadores” disputem esses espaços, a exemplo do Partido Comunista (Novaes, 1997).

44 Padre André nasceu no Suriname, antiga colônia Holandesa, e mantinha contato com organizações ligadas à Igreja da Holanda que prestavam alguns apoios financeiros em projetos sociais.

45 Em 1994 será criada a Escola Família Agrícola Padre André (EFAPA), que atende estudantes de diversas comunidades rurais.

sociais, que mais tarde serão reafirmadas pela quadragésima encíclica (Pio XI, 1931).

(NOVAES, 1997, p. 27).

É também nesse período que será criado um importante organismo pastoral da Igreja Católica no Brasil. A Comissão Pastoral da Terra é criada em 1975 pela CNBB para atuar exclusivamente nas questões agrárias. No que tange ao Oeste baiano, haverá um destacamento de voluntários em 1975 e 1976 para atuação pastoral e religiosa na Bacia do Rio Corrente (SOBRINHO, 2012, p.146).

Na década de 1970, a Igreja terá como um de seus principais objetivos a construção das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), colocando em prática a leitura do Evangelho sob a ótica dos mais pobres e “necessitados”, em última instância, uma interpretação social do Evangelho de Cristo. Já em Correntina, as CEBs irão acentuar seu trabalho mais fortemente na década de 1980. Sobre as CEBs, Novaes (1997) explicita a proposta formulada:

Oprimidos evangelizados que deveriam se tornar eles mesmos agentes de pastoral, ao lado do clero e de outros leigos oriundos de várias classes sociais. Isto é, esta proposta implicava em mudanças no universo religioso e em uma articulação constante entre ser cristão e participar da transformação tanto da Igreja, quanto da sociedade (NOVAES, 1997, p. 119).

Esse eixo de atuação da Igreja Católica será posto em prática em diversas localidades através da criação de pastorais e demais organismos que serão voltados exclusivamente para os “problemas sociais” presente no local de atuação cristã. Em 1979 e início da década de 1980, são delineados em Correntina espaços voltados para a juventude, assim ocorre a criação do Curso de Engajamento de Jovens (CEJ) e da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMJ),46 que visava a formação de jovens pobres do campo e da cidade. A PJMJ concebe a ideia de que a fé precisa necessariamente estar ligada à ação política para uma atuação cidadã, além de promover ao jovem a consciência acerca de seu lugar e de sua classe social, mostrando a esse que é necessário provocar mudanças e transformações para sua libertação em um sistema injusto e desigual, assim, funciona como um espaço de formação de lideranças não só religiosas, mas também políticas, concebendo a fé e a política de maneira indissociável. Diferente da análise discorrida de Novaes (1997) que aponta os primeiros círculos e núcleos de jovens católicos na Paraíba já na década de 1930, em Correntina essa organização será feita de forma mais estruturada a partir da década de 1980, período que também são acentuados os conflitos agrários na região em decorrência da ocupação por

46 Corrente cristã que surge logo após o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín, na Colômbia em finais da década de 1960.

reflorestadoras. É também nesse período que as pastorais serão criadas, como a da Saúde e a da Criança.

E eu integrei a equipe de pastoral, que era um projeto que tinha para atendimento às comunidades rurais e dentro desse trabalho era inúmeras atividades realizadas. Des’das pequenas reuniões de conscientização, de formação popular, educacional, política, como também as questões básicas né, de orientação, dos cuidados da alimentação, da saúde (Entrevista concedida durante trabalho de campo realizado em agosto de 2019).

A partir do depoimento de Dulce, que integrou equipes pastorais nesse período, as atividades das pastorais e a assistência às comunidades desempenhavam, também, o papel da conscientização e da formação popular. Aqui, observa-se que todas as “lacunas sociais” de dever do estado foram preenchidas pelo trabalho da Igreja Católica na cidade e no campo. Pereira (2008) ao analisar o papel de mediadores na região do Araguaia Paraense, aponta o trabalho de base desenvolvido pela Igreja como a orientação da organização de trabalhadores e da conscientização desses acerca de seus direitos, o que contribuiu de modo significativo para a resistência aos conflitos agrários e o encorajamento para a luta contra o latifúndio (PEREIRA, 2008, p. 131). No caso específico estudado pelo autor, a Igreja serviu mais como um problema a ser combatido pelo Estado do que, de fato, como mediadora dos conflitos agrários, acarretando inclusive em assassinatos de agentes pastorais e de torturas a seminaristas e párocos durante o regime militar (Ibid). No que tange ao período de repressão, não houve qualquer menção a torturas ou outra violência, especificamente, a agentes religiosos em Correntina e nem a Padre André.

O trabalho de formação política e de conscientização realizado através das pastorais e também das Comunidades Eclesiais de Base, contribuíram em algum grau para o desenvolvimento de uma consciência crítica e política acerca dos problemas locais que estavam presentes em Correntina. Sobre esse ponto em específico, Pereira (2008), ao relatar o caso da região do Araguaia Paraense, cita, inclusive, o papel que os padres através das CEBs tiveram no processo de resistência naquela localidade.

No início da década de 80, os padres Aristides Camio e Francisco, ambos francesas, desenvolviam os seus trabalhos nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) dessa região de São Geraldo do Araguaia. A presença desses padres fortaleceu a resistência de diversos grupos de posseiros (PEREIRA, 2008, p. 114).

Como já exposto por Novaes (1997), a atuação da Igreja Católica não se deu sem pretensões ou sem interesses. Os documentos oficiais da Igreja inspirados pelas encíclicas

sociais e as aproximações com os diferentes governos47, tornaram a Igreja uma forte autoridade moral e também uma aliada na luta contra a influência comunista, embora em algumas localidades a chamada “Igreja progressista” tenha se confrontado de forma direta com o Estado, como mostra Pereira (2008). No caso de Correntina, não foram recolhidos depoimentos que sinalizasse um confronto aberto da Igreja com o Estado durante o regime militar.