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O Meio Rural em “Efervescência” na Década de 1950 e 1960

Foto 10 – Aniversário de 2 anos da agricultura familiar

2.2 O Meio Rural em “Efervescência” na Década de 1950 e 1960

Nos anos de 1950, ocorre grande ebulição de movimentos sociais, sobretudo no campo. A superexploração da mão de obra camponesa, a falta de uma legislação trabalhista para os trabalhadores rurais e a expansão do cultivo de cana-de-açúcar38 por fazendeiros para

as terras de trabalho39, contribuíram para uma intensa movimentação e organização dos

trabalhadores rurais nesse período (MARTINS, 1994).

36 A encíclica Rerum Novarum foi redigida em 1891.

37 De acordo com Novaes (1997), o jornal da Igreja de nome A imprensa, não se diferenciava muito dos jornais hegemônicos da época, tinha como uma das marcas a campanha anti-soviética e o questionamento a greves de trabalhadores, além do alerta da presença de “comunistas” entre o operariado rural.

38 Na década de 1950 ocorre grande valorização do açúcar em âmbito internacional, o que ocasiona a expansão do cultivo e maior exploração da mão de obra rural.

Nesse cenário, a Igreja já havia se afirmado enquanto mediadora e apta a intervir em conflitos, tanto no campo quanto na cidade. Nesse momento, é exposto de maneira mais clara e objetiva o projeto da Igreja a ser desempenhado para a sociedade brasileira, com maior atenção à reforma agrária nesse período (CARVALHO apud Novaes, 1997, p. 32). A própria Confederação dos Bispos do Brasil é criada em 1952 e os encontros nacionais passam, então, a “ler” a realidade brasileira e fornecer elementos interpretativos da situação social do país.

As semanas rurais, as pastorais coletivas, as declarações da recém criada CNBB, os encontros dos bispos no Nordeste (1956 Campina Grande e 1959 em Natal) procuraram trazer elementos de “análise da realidade brasileira” e são ricos em propostas detalhadas, seja ao nível social e econômico operacional, seja em termos do papel a ser desempenhado pelos párocos, episcopados e leigos nesse processo (NOVAES, 1997, p. 33).

A “efervescência” a nível nacional também repercutiu em microescala, como bem aponta Novaes (1997) ao apresentar o caso da atuação da Igreja na Paraíba. Em âmbito local, na cidade de Correntina, ocorre em 1956 a chegada de Padre André Frans Berenos, que marca de modo significativo a história da cidade. A atuação da igreja sob sua direção, possibilita um grande trabalho de assistência pastoral às comunidades rurais e a criação de “benfeitorias” no município. Padre André foi designado por Dom Muniz, bispo de Barra do Rio Grande, para atuar em Correntina e também como Vigário em Santa Maria da Vitória, além de prestar assistência a municípios próximos como Coribe, Cocos, Feira da Mata, etc.40Ao se fixar em Correntina, Padre André inicia o trabalho de assistência à população em diversas áreas sociais. No campo da educação, por exemplo, são criadas as Escolas de Datilografia, de música e Paroquial para atender jovens do campo e da cidade; em 1958 foi criado o Internato que atendia, sobretudo, jovens da zona rural. Na área da saúde é responsável pela abertura da Casa de Saúde e do Abrigo de Idosos, além do oferecimento de cursos de enfermagem e de campanhas de vacinação com equipes de leigos em visitas domiciliares. Em 1962, contribui para a organização da Diocese do município de Bom Jesus da Lapa, tornando-se referência para a comunidade cristã da região.

Nacionalmente, a Igreja Católica expandia seu trabalho, sobretudo na zona rural. Será, nesse período também que outros mediadores passam a fazer parte do cenário nacional e atuar

40 Agradecimentos a Anailma de Oliveira responsável pela escrita da biografia de Padre André e pela disponibilização do documento para ser utilizado neste trabalho.

de modo mais organizado no campo junto a trabalhadores e disputar a consciência desses atores para a transformação social.

Assim, o Partido Comunista se constituirá como importante mediador no meio rural brasileiro. Em 1954, a partir de seu 4º congresso, o PC coloca como uma de suas bandeiras de luta a reforma agrária e a necessidade de enfrentamento ao latifúndio. Essa resolução não somente atendia a expansão do trabalho de massas do partido entre trabalhadores rurais, mas também estava ligada à concepção da “superação” de “resquícios feudais” presentes no Brasil para, então, dar início à luta pela implementação do socialismo (SOBRINHO, 2012, p. 141).

Há aqui maior disputa de influência ideológica entre a Igreja Católica e o Partido Comunista, sendo a primeira respaldada pelas encíclicas sociais voltadas para o “trabalho de base” – que visava “livrar” campesinato do “perigo vermelho” - e da atuação do Partido Comunista de modo mais sistemático no campo e com quadros presentes nas Ligas Camponesas.41 Em 1960, no seu V Congresso o Partido Comunista do Brasil aprova, mais uma vez, a necessidade da reforma agrária para seguir as “etapas da revolução” no país e expande sua influência no meio rural.

Durante o período da ditadura militar, as lutas tanto no campo quanto na cidade se intensificam contra o quadro de violação dos direitos humanos e da perseguição política daqueles que se contrapunham ao regime. Será nesse contexto que o Oeste Baiano receberá um importante quadro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O ferroviário Wilson Furtado, nascido em São Paulo e líder sindicalista nos anos de 1950 no estado, é deslocado para o Oeste Baiano para o “levantamento topográfico da região” e se inserir nas relações sociais locais. Wilson foi responsável, junto com um grupo de companheiros, pela organização de uma base de apoio instalada na região do Oeste baiano42 para prestar suporte à Guerrilha do Araguaia.

Em 1973, as tropas do Governo Militar liquidam a Guerrilha e ocorre uma dispersão dos militantes nesse período. Não há registros objetivos se Wilson foi pro Exílio ou não, mas na década de 1980 retorna ao Oeste Baiano, especificamente, para Correntina, onde terá uma destacada atuação enquanto sindicalista rural para todo o estado da Bahia.

Será ainda na década de 1960 que ocorrerá uma verdadeira “corrida” para a construção de Sindicatos de Trabalhadores Rurais no Brasil como aponta Novaes (1997), sobretudo por parte da Igreja Católica. De acordo com a autora, os primeiros STRs construídos na Paraíba,

41 No início, como demonstra Novaes (1997), alguns sacerdotes participaram da fundação das ligas em alguns munícipios, não sendo, portanto, um espaço homogêneo.

42 RUY, Marcos Aurélio. A luta pelo socialismo é a essência da classe trabalhadora. Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, 2014. Disponível em: <https://ctb.org.br/noticias/cultura-a-midia/a-luta-pelo-socialismo- e-a-essencia-da-classse-trabalhadora/>. Acesso em: 5/02/2020.

nesse período, foram frutos do trabalho e da atuação direta de padres e seminaristas que já exerciam algum grau de autoridade nesses locais. Na Paraíba houve, inclusive, a conformação de uma Equipe de Sindicalização Rural que coordenava todo o trabalho das paróquias da Arquidiocese do Estado43. Nas regiões de influência da Igreja, a construção dos STRs ocorria a “todo vapor” e os padres, em sua maioria, indicavam nomes que já estavam de algum modo ligados ao trabalho da Igreja para a composição dos cargos administrativos do sindicato. Apesar da disputa com as Ligas Camponesas, Novaes (1997) aponta que foi a Igreja Católica que saiu com o saldo positivo do trabalho de construção dos STRs nesse momento. É importante destacar, também, as diversas reações de padres frente aos conflitos colocados entre latifundiários e camponeses, não sendo posicionamentos homogêneos.

Segundo relatos, os padres reagiram diferentemente frente a situações em que se explicitavam conflitos entre grandes proprietários e trabalhadores. Numa dessas ocasiões, houve um padre que perguntou: “eu criei cobra para me morder?”. Retirou em seguida o apoio às lideranças sindicais que ele próprio havia escolhido e as reuniões nas dependências da igreja foram proibidas (NOVAES, 1997, p. 69).