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A impessoalidade como isonomia, finalidade e imputação

4.2. A impessoalidade mesclada: concepções dúplices ou múltiplas

4.2.8. A impessoalidade como isonomia, finalidade e imputação

Fernanda Marinela172, mencionando José dos Santos Carvalho Filho, ensina num primeiro momento que o princípio “estabelece que a atuação do agente público deve basear-se na ausência de subjetividade, ficando esse impedido de considerar quaisquer inclinações e interesses pessoais, próprios ou de terceiros. A impessoalidade objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve aplicar aos administrados que se encontrarem em idêntica situação jurídica, representando, nesse aspecto, uma faceta da isonomia”. Logo em seguida, contudo, acrescenta que o princípio “também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quando ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administrador a obrigação de agir de forma impessoal, abstrata, genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade e não ao próprio agente (...) pois a vontade do agente se confunde com a da pessoa jurídica, formando uma única vontade, o que se conclui na chamada teoria da imputação”.

Ao final, citando decisão do STF, esta professora acrescenta que “o dever de agir de forma impessoal também se configura hoje previsão do at. 37, §1º, do texto constitucional que estabelece o dever de publicidade dos atos e programas dos órgãos públicos de forma desvinculada da pessoa dos administradores públicos, impedindo que constem nomes, símbolos ou imagens que representem promoção pessoal de qualquer autoridade pública, tendo como objetivo o caráter educativo e orientação social”.

Neste sentido também parece ser a compreensão que Alexandre Santos Aragão173 tem do princípio. O autor inicia sua argumentação afirmando que “mencionado expressamente no art. 37, caput, da Constituição da República, o princípio da

171 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 93.

172 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª ed. Niterói: Impetus, 2013. p. 34. A autora faz menção

ao RE 191.668/RS – STF – Primeira Turma, Rel. Min. Menezes de Direito, julgamento: 15.04.2008, DJ: 30.05.2008. A título de registro, parte deste acórdão registra que “(...) O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos (...)”.

impessoalidade, que não deixa de ser uma especialização do princípio da igualdade no Direito Administrativo, costuma incidir de forma simultânea com os princípios da moralidade e da finalidade, havendo um fortalecimento recíproco”.

Logo adiante, ele conclui que “Há duas acepções para o princípio da impessoalidade, ambas igualmente corretas, apenas destacando ângulos diversos de um mesmo fenômeno.

Em primeiro lugar pode se considerar a impessoalidade à luz da organização administrativa; ela impõe que os atos da Administração Pública sejam imputados ao Estado, não ao agente/pessoa física que o praticou. O princípio da impessoalidade nessa linha seria fundamento da Teoria dos Órgãos (...) e, indiretamente da responsabilidade civil do estado por atos praticados por seus agentes.

Já Hely Lopes Meirelles vincula a impessoalidade pública, entendendo que o princípio da impessoalidade impõe que o administrador objetive, apenas, a satisfação do interesse público, jamais a obtenção de benefícios pessoais, para si ou para terceiros, ou os prejuízos de quem quer que seja (ex.: a perseguição de um inimigo político). A impessoalidade tem sido usada, na jurisprudência, para impedir a atribuição de cunho pessoal a ações estatais (art. 37, §1º, CF); para proibir que recursos públicos sejam instrumentalizados por interesses privados; para vedar a nomeação para cargos de confiança por afinidade pessoal ou familiar etc.

Repetimos, no entanto, que, em todos esses casos, há uma multiviolação de princípios do Direito Administrativos, porque, por exemplo, uma viagem privada paga pelo erário é, ao mesmo tempo, uma violação à finalidade de interesse público (Princípio da Finalidade), uma atuação imoral (Princípio da Moralidade), um desperdício de dinheiro público (Princípio da Eficiência e da Economicidade) e uma instrumentalização da coisa pública para interesses pessoais do agente público beneficiado (Princípio da Impessoalidade)”.

Flávia Cristina Moura de Andrade174, citando a Resolução do CNJ n. 07/2005 (atualizada pelas Resoluções n. 9/2005 e n. 21/2006), afirma que o princípio de impessoalidade “impõe tratamento igualitário aos administrados, bem como nos remete à ideia de que os agentes públicos devem ter uma atuação neutra”.

Especificamente sobre esta “atuação neutra”, ela exemplifica que “se um auditor público lavra um auto de infração contra uma empresa, na verdade quem o fez foi o

174 ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito Administrativo. 2ª ed.São Paulo: Premier Máxima, 2008.

poder público, e outro auditor poderá rever ou manter a cobrança; nas divulgações de realizações de obras públicas não deve constar o nome do Prefeito mas, sim, é necessário fazer menção à Administração Municipal”.

Ao discorrer sobre o princípio de finalidade, contudo, ela, após dar um exemplo, conclui que este princípio “é uma espécie da impessoalidade (...) (igualdade de tratamento aos administrados)”.

Esta compreensão do princípio parece ser também a de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves175, que, embora iniciem a exposição no sentido de que o princípio deve ser concebido em dupla perspectiva, ao final acrescentam o princípio da finalidade. Em síntese, argumentam da seguinte forma: “Esse princípio deve ser concebido em uma dupla perspectiva. Em um primeiro sentido, estatui que autor dos atos estatais é o órgão ou a entidade, e não a pessoa do agente (acepção ativa).

Sob outra ótica, torna cogente que a administração dispense igualdade de tratamento a todos aqueles que se encontrem em posição similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público”. Logo em seguida, acrescentam que “preserva-se o princípio da isonomia entre os administrados e o princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo vedada a atividade discriminatória que busque unicamente a implementação de um interesse particular”.

Embora à primeira vista fosse possível incluir Uadi Lammêgo Bulos176 entre aqueles que concebem o princípio como o princípio de finalidade, na verdade, este autor parece compreender o princípio como relacionado à noção de finalidade, igualdade e imputação. É, pois, o que se nota de sua argumentação: “O princípio de impessoalidade, consectário natural do princípio de finalidade, impõe que o ato administrativo seja praticado de acordo com os escopos da lei, precisamente para evitar a autopromoção de agentes públicos (...) A impessoalidade, visa, pois, coibir o desvio de finalidade de ato comissivo ou omissivo na Administração Pública, impedindo que o administrador pratique ação ou omissão para beneficiar a si próprio ou a terceiros. O vetor da impessoalidade recai, também, sobre a figura do administrado.

175 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 2ª ed. revista e ampliada.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 55-56.

176 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. revista e atualizada de acordo com a

Assim os atos e provimentos administrativos não são imputados unicamente aos órgãos ou entidades administrativas em nome dos quais os agentes públicos agem. Imputam-se, também, aos administrados, que devem ser tratados sem discriminação nem favoritismos.

Nesse aspecto, a impessoalidade constitui um desdobramento do pórtico geral da igualdade (art. 5º, caput) (...)”.