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Sua função ontem e nos dias atuais: três visões de mundo

Em se tratando deste tema, a doutrina122 se divide entre aqueles que são partidários de concepções objetivistas e subjetivistas da função do direito administrativo.

“As concepções objectivistas tradicionais têm raízes na própria origem do direito administrativo, que, tanto em França como na Alemanha, surgiu como estatuto de privilégio da administração pública, destinado a colocá-lo ao abrigo dos regimes igualitários do direito privado (...) Nessa medida acentuava-se a essência autoritária da actuação administrativa e o caráter exorbitante dos poderes que a ordem jurídica lhe conferia: a função do direito administrativo seria precisamente a de possibilitar o exercício de poderes de autoridade pela administração pública, de modo a permitir-lhe impor os interesses públicos que visasse prosseguir sobre os interesses privados que com ele concretamente se confrontassem. No Estado social de direito, tal concepção primeiro pré- democrática, depois antidemocrática e autoritária, deve considerar-se afastada pela configuração do estatuto constitucional da administração pública e pela consagração de inúmeros direitos fundamentais dos cidadãos oponíveis à administração, conducentes a uma inevitável relativização do interesse público”.

Marcelo Rebelo de Souza e André Salgado de Matos concluem que “Modernamente os defensores de teorias objectivistas afirmam que, embora naturalmente com respeito pelas posições jurídicas subjectivistas dos particulares, o direito administrativo visa primacialmente conferir à administração pública os meios necessários para que ela prossiga da melhor forma os interesses públicos que lhe são cometidos. Tais meios poderão ou não implicar o exercício de poderes de autoridade, bem como implicar limites específicos tendentes a manter a actuação da administração pública dentro das fronteiras tidas por desejáveis”.

Por sua vez, observando que a tese subjetiva nasce como uma reação à tese objetiva, os administrativistas portugueses afirmam que os defensores das teses subjetivistas “consideram que a função administrativa do direito administrativo é a de garantir a preservação das posições jurídicas dos particulares perante a actuação administrativa, à qual – para além da supremacia que lhe é prototipicamente reconhecida

122 Todas as transcrições deste subitem III.5 são extraídas de Direito Administrativo Geral – Introdução e

princípios fundamentais, SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo

por lei, em homenagem aos interesses públicos que prossegue – se associa, por vezes, uma tendência quase imanente para a adoção de comportamentos autoritários, limitadores das esferas individuais e nas franjas da juridicidade”.

Cremos, como na linha do pensamento destes autores portugueses, que a visão purista de quaisquer destas concepções administrativas de mundo não tem razão de ser, “devendo antes atribuir-se ao direito administrativo uma função verdadeiramente mista, objectiva e subjectiva”.

E a razão é simples. Se por um lado, a visão puramente objetiva “é insustentável perante a consagração de direitos fundamentais (...) e perante o estabelecimento da vinculação da administração pública aos direitos fundamentais em geral”; de outro, a visão puramente objetiva “deixa na sombra a ideia fundamental de prossecução do interesse público, inerente à função administrativa, e comete o erro de ver a administração pública democraticamente legitimada do Estado social de direito como um prolongamento da administração autoritária e antidemocrática do Estado Liberal”.

Fazendo, enfim um pequeno reparo à lição destes autores portugueses, o Direito Administrativo não é nem da Administração Pública, nem dos cidadãos. Ele é para ambos, “a sua função é a de permitir a prossecução do interesse público no respeito das posições jurídicas subjetivas dos particulares”.

IV – O PRINCÍPIO DE IMPESSOALIDADE NA DOUTRINA BRASILEIRA

A doutrina brasileira de fato não apresenta consenso sobre o que vem a ser o princípio de impessoalidade e o interpreta de maneiras diversas.

O conceito do princípio varia de acordo com a perspectiva adotada pelos doutrinadores. E em todas elas o princípio não tem autonomia ou conteúdo distintivo de outros princípios do ordenamento jurídico.

Muitos autores citam o art. 37, §1º, da Constituição da República, como exemplo da incidência do princípio de impessoalidade. Tal dispositivo estabelece que: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos”.

Por certo tal compreensão – ao que parece equivocada123 - está associada

à expressão “pessoal” contida no dispositivo constitucional.

Em síntese, existem aqueles que o compreendem como expressão única de um princípio já conhecido – como igualdade, como finalidade ou como imparcialidade – embora possam relacioná-lo a outras ideias como sendo seu corolário; e outros que mesclam noções destes princípios com as de outros também já conhecidos – v.g., moralidade e publicidade – ou ainda com alguma outra característica – imputação, neutralidade, objetividade etc. - deixando ainda maior a ambiguidade conceitual.

A classificação seguinte leva em conta aquilo que pareceu preponderar da exposição feita pelos autores pesquisados, não havendo a pretensão de uma sistematização mais criteriosa.

123 Diz-se equivocada porque se associou de forma acrítica a expressão “pessoal” com o termo

“impessoalidade”. Como se, por exemplo, pudéssemos dizer, mutatis mutandis, que a expressão “livre” do inc. II, do art. 37, da CR (‘... declarado em lei de livre nomeação e exoneração’) tivesse alguma relação com o direito de liberdade, reconhecido no art. 5º, caput, da CR. Ou ainda que a expressão “confiança” contida no inc. V, do art. 37, da CR (‘as funções de confiança’) tivesse alguma relação com o princípio de confiança legítima que a doutrina administrativista tem sustentado, por influência do direito alemão (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 86-87).