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Capítulo IV: A Região Amazônica: Uma Prioridade para as Forças Armadas do Brasil

4.1 A Importância da Amazônia no cenário internacional

Segundo Araújo (2010) nos debates geralmente disponíveis sobre a Amazônia, destacam-se três narrativas. A primeira retrata a Amazônia como um local inóspito, desconhecido, ainda selvagem, onde os meios naturais inexplorados ainda predominam e a natureza ainda exerce certo fascínio sobre as nações do globo.

De acordo com a segunda, a Amazônia representa uma região subdesenvolvida, cujas populações humanas residentes ainda possuem um tal envolvimento e contato com a natureza que os impedem de sair do estado “primitivo” de sobrevivência, fazendo as pessoas alheias à modernidade e aos benefícios que os meios urbanos trazem para a humanidade.

Por fim, temos ainda a visão apocalíptica, que determina que esta região como “o pulmão do mundo”, de acordo com a qual a total devastação da Amazônia traria um apocalipse, com grandes e graves mudanças climáticas a ocorrer em todo o globo. Esta visão é mais difundida entre os ambientalistas conservadores, e encontra-se muitas vezes nos argumentos a favor da defesa da soberania relativa do Estado brasileiro e dos países sul americanos sobre a região. Soberania esta questionada mesmo o Brasil sendo o maior detentor das terras Amazônicas entre os países que a compõem.

Diante dos diversos dados já explorados por Araújo (2010), torna-se mais claro que desenvolver sustentavelmente a região, de modo que as populações que ali habitam possam ter uma vida com um mínimo de condições básicas de sobrevivência (alimentação, sistema de saúde, saneamento básico, educação e habitação de qualidade) ainda é um desafio hercúleo.

Entre os temas que ainda necessitam ser explorados encontram-se os mecanismos a serem criados, sejam eles desenvolvimentistas ou não, a dar as condições básicas à população. Nesta última questão encontra-se o assunto da governança da região, incluindo quais países (ou outros atores) devem participar em fornecer apoio as nações soberanas na questão da segurança ambiental na região.

Independentemente da perspectiva em que a Amazônia é vista, o povoamento da região ainda é precário, e cada vez mais os OIs têm voltado suas atenções para os altos índices de desmatamento na região. Estes desmatamentos continuam em níveis acentuados,

e o Governo do Brasil é um dos principais responsáveis por isso. Em 2005, foi divulgado o relatório de Avaliação Global dos Recursos Florestais, divulgado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), de acordo com o qual o Brasil aparece no topo da lista dos países que mais desmatam a frente de países com densas florestas tropicais, como a Indonésia (Abdala, 2008).

Este relatório revelou que o país perde 3,1 milhões de hectares por ano, e a grande proporção destes hectares encontra-se na região amazônica. Estes números da degradação ambiental na região evidenciam a falta de controle do governo brasileiro sobre os recursos naturais. Porém, segundo Becker (2004), esta indefinição e falta de controle das faixas de fronteira na região, só se restringe as consequências ambientais e não causam risco a colonização do território por nações estrangeiras e a consequente perda de soberania dos Estados pertencentes a região.

Ainda segundo Becker (2004) as ameaças consistem no poder de influência das grandes potências (como os EUA e os países europeus) nos Estados detentores deste território, de modo que países sul americanos possam tomar medidas de uso destes recursos naturais que favoreçam aquelas potências. Na atualidade, uma importante estratégia das grandes potências na busca para influenciar os Estados detentores dos recursos naturais são os fluxos financeiros internacionais.

Os referidos países possuidores de aportes financeiros em grandes instituições internacionais (como o FMI, Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento BID), enviam recursos para o financiamento de grandes projetos de investimento em infraestrutura, muitos deles a ter como objetivo principal o desenvolvimento sustentável e preservação ambiental. Mas estes projetos na verdade tem por trás outros objetivos, que em parceria com Organizações Não Governamentais – (ONG) visa intensificar a influência não apenas no capital financeiro, mas sim na gestão dos recursos naturais (Becker, 2004).

Um exemplo disso é os interesses crescentes na Amazônia pelo o BID e o Banco Mundiais, que até o final dos anos 80, tinham os maiores projetos ambientais de obras de infraestrutura a ser financiados por estes órgãos internacionais.

Estas obras como recuperação de grandes rodovias e hidrelétricas, apesar de desenvolver a região, extraíram e desmataram grandes extensões de florestas. Além disso,

seus recursos naturais como madeira, minérios como ferro, ouro, bauxita entre outros tiveram como destino o exterior do país (Becker, 2004).

É importante ressaltar que este interesse de instituições, acima citadas, pela influência internacional da Amazônia é corroborado pela pressão dos mídias internacionais que, de tempos em tempos, de acordo com a conjuntura internacional favorável, faz uma pressão para a soberania relativa da região (Nobre & Mansur, 2008). Ao longo da década de 90, por exemplo, tivemos alguns Chefes de Estados de países desenvolvidos (como a França e os EUA) a declarar a importância de uma soberania relativa29 na Amazônia (Fregapani, 2000).

O então presidente francês, François Miterrande chegou a dizer que “o Brasil precisa aceitar uma soberania relativa na Amazônia” (Fregapani apud Mitterrande, 2000, p. 53). No mesmo período o último líder da URSS, Mikail Gorbachev chegou a afirmar que “O Brasil deve delegar parte de seus direitos (sobre a Amazônia) aos organismos internacionais competentes” (Nobre & Mansur, 2008, p.4).

Segundo alguns pesquisadores como Nobre & Mansur (2008), Diniz (2007) e Fregapani (2000), os Estados Unidos sempre tiveram um forte interesse na Amazônia. Pois, muito de seu domínio e interesse na América Sul-Americana é justificada pela vasta gama de recursos naturais da região, e do possível potencial energético ainda pouco explorado (petrolífero ou de energias alternativas).

Como vimos através das declarações do General Heleno (2008) (então Comandante Militar da Amazônia), as reservas indígenas podem ser um grande problema para o controle das fronteiras na região. O Estado pouco tem acesso ao fluxo de pessoas e extração natural nos terrenos demarcados pelas reservas indígenas.

Além do mais, o recente embate referente à reserva indígena da Raposa da Serra do Sol, no início da década de 90, e à demarcação da reserva Ianomâmi foram temas de profundos debates a respeito de sua legalização.

Segundo Fregapani, o governo americano através de recursos diplomáticos e de ONGs, procurou pressionar o governo brasileiro a aprovar a instalação da reserva

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Segundo Mendonça (2002) ao analisar o discurso do Senador brasileiro Jarbas Passarinho no Simpósio sobre a Amazônia a soberania relativa define-se por “Soberania relativa é soberania reduzida. E tal redução, na medida em que progredisse, caminharia inevitavelmente para extinguir a soberania”.

Ianomâmi (Fregapani, 2000). Esta reserva possui um vasto território na fronteira do Brasil com a Venezuela, região rica em reservas de ouro e bauxita30.

Ainda segundo este autor, o Governo de George H. Bush, chegou a enviar uma carta oriunda do Congresso Americano ao então presidente Collor (ver documento em anexo) a exigir a aprovação da reserva Ianomâmi. Os motivos seriam não apenas o bem-estar das tribos nativas, mas, principalmente os ainda incalculáveis recursos naturais da região, que teriam um fácil acesso através desta reserva indígena.

Com o objetivo de inibir a pressão internacional e mostrar controle e um comprometimento com o desenvolvimento da região, o Governo lançou o Projeto Calha Norte. Este projeto tem como objetivo principal manter o controle da vasta área de fronteira da região amazônica, além de manter a soberania do Estado na região.

A defesa e integridade nacional tornam-se a bandeira deste projeto31, que visa através de verbas públicas e privadas, desenvolver projetos civis e militares, que possam contribuir com a defesa e desenvolvimento, principalmente das faixas de fronteira da Amazônia, a promover o aproveitamento sustentável do meio-ambiente.

Segundo Nascimento (2005), os custos deste projeto ao longo dos anos foi integrado na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Governo Federal bem como no Plano Plurianual de Gastos Públicos. Apesar do apelo civil aos projetos de preservação ambiental implementado em parcerias com diversas empresas, este projeto ao longo do Governo de Fernando Henrique e no início do Governo Lula nunca perdeu a essência militar. Afinal, a defesa territorial associada à preservação ambiental foram temas sempre inerentes aos diversos projetos do PCN.

É importante salientar que criar condições para as melhorias da estrutura básica na região (sistemas eficientes de comunicações, hidrelétricas, estradas entre outras obras) é importante não apenas para os assuntos de segurança e defesa da região, mas também para os assuntos civis de desenvolvimento socioeconômico. Com isso, os gastos com este

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Importante metal da indústria siderúrgica.

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Este projeto, criado em 1985, no fim do regime militar no país, tinha o objetivo principal apenas a vigilância e defesa da região. Contudo, com o passar dos anos e a redemocratização do país, o projeto Calha Norte tornou -se mais abrangente. Não abarca apenas as estratégias militares mais também o desenvolvimento em infraestrutura na região, com uma estratégia atrelada a sustentabilidade dos recursos naturais, sejam eles para fins civis ou militares (Nascimento, 2005).

programa cresceram vertiginosamente, a chegar a números exorbitantes em termos de percentagem do Produto Interno Bruto - PIB.

Para Nascimento (2005) e Becker (2004), mais uma vez observam-se as influências de investimentos financeiros externos a conduzir as políticas de defesa do país. Afinal, muitos dos projetos do PCN, não seriam possíveis se não fossem o aporte financeiros do FMI ou mesmo do BID, que tem como principais acionistas os EUA, e no caso do FMI, a União Europeia.

Este aporte financeiro externo foi um dos motivos que fez com que a dívida externa do país só fosse completamente sanada apenas no Governo Lula, que aumentou os investimentos utilizando o próprio PIB do país ao invés de recursos externos.

Com o aumento das atenções externas à região, o governo brasileiro percebeu que tinha que tomar diversas medidas para garantir a sua soberania, agindo contra qualquer campanha a favor da internacionalização da Amazônia.

Para melhor ilustrar esta postura contra a internacionalização da Amazônia, temos o importante discurso dado pelo ex-governador do Distrito Federal e Ministro da Educação do país, Cristovão Buarque, a respeito do assunto:

“De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. (...) Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. (...)as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveriam pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos

todos os arsenais nucleares dos EUA.(...) Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."

Este discurso foi proferido em Novembro de 2000, numa Universidade Pública Americana, o que mostra a importância da região enquanto prioridade em termos de agenda política brasileira.

Conforme vimos na presente seção deste capítulo, a importância da Amazônia e a ênfase na posição de sua não internacionalização, atribui aos militares um papel especialmente importante na implementação da política dos governantes, que aposta na defesa da soberania contra qualquer estratégia de internacionalização da região. Na próxima seção analisaremos quais estratégias devem ser usadas pelas FAs do Brasil para melhor cumprir o seu papel.

4.2 O Combate as Ameaças Não Convencionais e a Estratégia Nacional de Defesa na