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A importância da argumentação no ensino de ciências

2. Argumentação e ensino de ciências

2.1. A importância da argumentação no ensino de ciências

Muitos trabalhos enfocam as interações discursivas na sala de aula na construção da argumentação (CAPECCHI, 2004A, 2004B; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, 2005, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE e BUSTAMANTE, 2003; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et. al., 2000; MORTIMER e SCOTT, 2002; NASCIMENTO e VIEIRA, 2009; SASSERON e CARVALHO, 2011A; SOUZA e SASSERON, 2012A, 2012B). Pontuamos alguns deles a seguir com o objetivo de enfatizar a relevância do tema para o ensino de ciências.

Para Nascimento e Vieira (2009), o discurso, ou seja, o meio no qual interlocutores se reconhecem e compartilham ideias entre si, é o espaço de desenvolvimento do processo de argumentação, em que surgirão ideias convergentes e divergentes sobre um argumento. Capecchi (2004b) enfatiza que a superação desse conflito é essencial para construção do conhecimento científico. Nessa situação, ressaltam ambos os autores, é possível vivenciar práticas e discursos da ciência, construir argumentos, desenvolver novas formas de pensar e interagir, além de produzir conhecimento sobre o mundo.

A partir das interações discursivas, o professor pode também estabelecer uma ponte entre a cultura dos alunos, a cultura escolar e a científica, enfatizando os argumentos baseados em justificativas e evidências, típicos da ciência (CAPECCHI, 2004a; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, 2005; SASSERON e CARVALHO, 2011a; SOUZA e SASSERON, 2012a).

32 Vieira e Nascimento (2009) destacam a argumentação como um dos elementos do discurso, que é essencial para a compreensão dos processos de ensino e aprendizagem nas salas de aulas:

[...] é bastante compartilhado no meio acadêmico que a participação de alunos em situações argumentativas de sala de aula se relaciona com os seguintes aspectos considerados positivos para a aprendizagem, dentre outros: 1) explicitações de diferentes pontos de vista; 2) crítica mútua de posicionamentos; 3) tomadas de consciência dos alunos sobre suas próprias ideias e suas lacunas e inconsistências; 4) tensões e negociações entre os domínios de conhecimento cotidiano e de conhecimento científico; 5) explicitação, construção e reconstrução do pensamento dos alunos (VIEIRA e NASCIMENTO, op. cit., p.83).

Os autores enfatizam que o pensamento está associado a um processo argumentativo, logo, o ato de aprender o pensamento científico relaciona-se às formas de argumentar dessa comunidade. E ainda, que o modelo de Toulmin permite comparar os argumentos científicos com os dos estudantes, que são construídos coletivamente.

Jiménez-Aleixandre et. al. (2000) destacam que a argumentação na sala de aula extrapola apenas a aprendizagem de conteúdos, propiciando raciocínio sobre problemas e questões, justificativas das afirmações científicas e um entendimento da natureza. Por isso, uma aprendizagem que envolve processos argumentativos leva ao conhecimento de como se faz ciência, o que é fundamental para a compreensão do seu papel na sociedade.

Jiménez-Aleixandre e Bustamante (2003) apresentam algumas questões teóricas e metodológicas sobre os discursos em sala de aula e como esses ajudam no entendimento dos processos de aprendizagem de ciências. Os autores definem o discurso introduzido pelo professor na sala de aula como um sistema de comunicação, no qual a linguagem – principalmente a oral – desempenha um papel fundamental para os processos de ensino e aprendizagem e seu entendimento. A comunicação deve possibilitar a construção de significados compartilhados em nível cognitivo e social, o que nem sempre ocorre, pois a linguagem científica pode ter diferentes significados para diferentes pessoas, o que destaca o seu papel interpretativo. A análise do discurso é importante para o estudo desse tipo de questão, na medida em que foca no processo de aprendizagem, e ainda, complementa os estudos sobre concepções prévias que observam o produto do ensino. A partir desse tipo de análise permitiu-se repensar os processos de ensino e aprendizagem em termos não só de conceitos e modelos, mas também incluindo atitudes e destrezas, o que envolve pensar na aprendizagem como participar de uma comunidade, e consequentemente, da cultura científica. Para tal fim, a

33 resolução de problemas autênticos, relacionados à vida dos estudantes, tem se mostrado importante.

Dessa forma, no contexto do processo de comunicação em sala de aula, é fundamental o raciocínio e a argumentação, que é entendida como “[...] a capacidade de relacionar dados e conclusões, de avaliar enunciados teóricos a luz de dados empíricos ou procedentes de outras fontes” (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE e BUSTAMANTE, op. cit., p. 361). Logo, o ensino de ciências deve promover a capacidade de desenvolver e justificar enunciados e ações com o objetivo de compreender a natureza, ou melhor, deve fazer o aluno raciocinar e argumentar. Essa é uma maneira de ter acesso à forma como o aluno pensa. Os autores destacam que a argumentação na sala de aula não segue um padrão idêntico ao da lógica formal, que foi idealizada para um conhecimento estabelecido, que é diferente de uma situação em que se produz um conhecimento novo. Isto está de acordo com o que discutimos sobre argumentação e abdução no capítulo 1, ou seja, naquela discussão destaca-se que um argumento “formatado” no contexto da lógica formal, como a dedução de uma equação de movimento de um objeto a partir das leis de Newton, justifica-se em termos de seus elementos desconsiderando o seu processo de construção, o qual a mesma lógica formal não consegue justificar – por exemplo, a escolha das condições de contorno que levam àquela equação de movimento específica.

No mesmo sentido, Sasseron e Carvalho (2011b) enfatizam o processo de construção do discurso (não só o oral, mas também, escrito, visual, gráfico etc.), para a compreensão dos processos aprendizagem de ciência, emergindo assim a essencialidade da argumentação, que é entendida como:

[...]todo e qualquer discurso em que aluno e professor apresentam suas opiniões em aula, descrevendo ideias, apresentando hipóteses e evidências, justificando suas ações ou conclusões a que tenham chegado, explicando os resultados alcançados (SASSERON e CAVALHO, op. cit. p.4).

Na sala de aula, as autoras destacam que as propostas investigativas envolvem resolução de problemas como uma forma de promoção da argumentação e da aprendizagem que envolva uma visão coerente do trabalho científico.

Sasseron (2008), no capítulo 2 de sua tese, intitulado Argumentação no Ensino de Ciências, apresenta uma revisão sobre os trabalhos que envolvem esse tema, pois essa habilidade se dá a partir dos diversos discursos (oral, escrito, visual, gestual etc.) utilizados no processo de Alfabetização Científica desenvolvido na sala de aula.

34 Inicialmente, a autora destaca características desses discursos na aprendizagem de ciências, que é facilitada por meio de processos de ensino investigativos.

A primeira característica marcante apresentada por ela, fundamentada nos estudos de Lemke (1997 e 1998), é que os diversos discursos não ocorrem isoladamente, mas se integram, muitas vezes de novas maneiras, para a construção de significados. Consequentemente, para se entender uma linguagem, não basta conhecer as palavras que a constituem, deve-se conhecer as suas relações (inclusive com outras linguagens). Ressalta-se ainda a fala como forma de expressar o raciocínio no ensino e sua aprendizagem, em um processo (que pode ser interpretativo ou transmissivo) que culmina na criação de um novo significado para uma palavra.

É importante destacar que as crianças já possuem uma estrutura de discurso com elementos do conhecimento científico, que para ser entendido, precisa da (re)significação de palavras por meio dos diálogos em sala de aula. Para isso, é fundamental que os alunos questionem, expliquem, construam hipóteses, testem-nas, relevem evidências e informações, deduzam, compartilhem e debatam ideias e tomem decisões, enfim, argumentem.

Neste ponto, Sasseron (op.cit.) volta sua atenção para o uso de imagens e escrita principalmente por meio do trabalho de Márquez, Izquierdo e Espinet (2003), ou melhor, a autora enfatiza importantes modos de comunicação, que se integram a linguagem oral na construção de significados nas aulas de ciência e podem ser ilustrados (cooperados) ou especializados, ou seja, respectivamente podem reforçar um significado ou trazer uma informação nova à fala ou à escrita.

É notável como a sucessiva variação dos modos de significação pode auxiliar o desenvolvimento de uma ponte entre o conhecimento prático/concreto e as representações abstratas, tal como observado em Bellucco e Carvalho (2009a e 2009b). Dentro desse contexto, é importante o entendimento e o uso dos processos argumentativos na sala de aula, para além da exploração simples dos fenômenos.

Finalmente, Sandoval e Millwood (2007) destacam que a argumentação está no cerne das práticas científicas e, por isso, deve ser considerada no ensino de ciências. Além disso, a compreensão de suas normas permite aos estudantes perceberem aspectos essenciais da epistemologia da ciência.

Em suma, a partir das ideias dos autores citados previamente, verificamos que a consideração da argumentação no ensino de ciências pode potencializar o processo de significação pessoal dos conceitos e o raciocínio científico, estimulando o

35 desenvolvimento da cognição e a alfabetização científica, além de promover uma melhor compreensão da natureza da ciência e suas linguagens, ao colocar os estudantes em situações de produção de conhecimento próximas às da ciência. Isso favorece também a vivência da cultura científica e suas práticas, tal como criar e justificar enunciados sobre os fenômenos físicos.

Na maioria dos trabalhos apresentados acima, é fundamental frisar que os autores ressaltam o papel das atividades investigativas como elemento para desencadear as situações argumentativas em sala de aula e, portanto, a aprendizagem.

2.2. Referenciais teóricos para análise do argumento na sala de aula e suas