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A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO

No documento O reverso da cura = erro médico (páginas 149-170)

4 ERROS MÉDICOS E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

4.1 A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO

Como vimos no capítulo anterior, no qual discutimos profissão, a identidade profissional é formada a partir da reivindicação de um saber específico, que justifica o espaço de atuação e a função social da profissão. Uma vez que o profissional, para ter o direito ao exercício de seu ofício, necessita da chancela legal concedida pelas universidades, consideramos importante analisar as características da formação profissional e sua influência na forma de atuação dos médicos. Assim, nosso objetivo neste capítulo é emoldurar os efeitos da educação superior e da especialização para, por meio de suas características, melhor compreender a reprodução de um modelo de atuação profissional. Compreendemos que a escola é uma importante influência na formação ética, bem como na capacidade do futuro profissional que terá de trabalhar em equipe, solicitar ajuda, recusar trabalhos de risco, entre outros fatores que podem levar ao erro médico, assim, a importância desse capítulo.

O conceito de qualificação profissional na medicina pode ser paradigmático, no sentido de que a especialização torna-se desqualificação ou não, dependendo da formação profissional anterior do médico. Explica-se: no caso de o médico obter uma formação básica sólida, a superespecialização, quando em área correlata à formação, pode ser uma grande aliada para tratar determinadas moléstias, caso consiga manter- se qualificado – por meio de educação continuada.

Por exemplo, pode ser útil combinar uma boa formação em pediatria (especialização mediante residência médica) com uma formação complementar em neonatalogia ou alergias. Mas no caso de o médico não ter uma formação em pediatria, apenas a especialização em alergia pode ser insatisfatória ao tratar de alergias na

152 infância sem a cooperação de um pediatra.

Assim, a especialização pode ser desejável se a moléstia a ser tratada exigir grande perícia ou conhecimento específico, como no caso de alguns tipos de cirurgias, ou transplantes, como de válvula cardíaca, tratamentos oncológicos, disfunções endócrinas, etc. Porém, a especialização, quando dissociada do acompanhamento por um médico de formação mais ampla, pode dificultar o diagnóstico do paciente. Ouvimos vários relatos de moléstias relativamente comuns que levaram muito tempo para serem diagnosticadas porque o médico era especialista.

Foi-nos reportado um caso que numa família com três médicos, nenhum deles conseguiu identificar um parasita ‘berne’, larva de mosquito depositada na pele, que havia infectado um membro da família. Esse tipo de dificuldade diagnóstica, que leva ao erro, deve-se, a nosso ver, em grande parte à especialização. A prática direcionada e a visão fragmentária introduzida pela especialização podem causar dificuldades na avaliação clínica e na formulação de hipóteses diagnósticas, ao orientar o olhar para moléstias que façam sentido num determinado quadro de referência. Isso faz com que as possibilidades aventadas pelo sujeito tornem-se restritas a seu universo cognitivo.

O modelo de medicina dominante no Brasil pressupõe o tratamento especializado, estimulado pelas residências em especialidades médicas e a ausência de tratamentos preventivos e generalistas. O modelo de atendimento centrado no especialista, além de dispendioso, requer uma formação profissional que estimule a cooperação entre profissionais, ou seja, a prática de intercâmbio de informação nem sempre ocorre entre os médicos visando à troca de informações sobre novas tecnologias de intervenção e novos protocolos terapêuticos que se incorporam às diferentes especialidades.

A proposta de atendimento do SUS é manter uma estrutura hierarquizada, passando do atendimento básico, centrado na unidade de saúde, ou no PSF que, nos últimos tempos, tem optado por formulações de política de atendimento humanizante. Isso significa que o atendimento do paciente deve ser visto em sua totalidade, observando suas condições socioculturais46. Historicamente, o cuidado médico no

46 No capítulo V apresentaremos brevemente algumas dessas políticas do SUS, como o PSF- Programa de Saúde

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Brasil privilegiou o atendimento centrado no hospital, e o atendimento dos planos de medicina suplementar ainda mantém, em sua grande maioria, o modelo de livre escolha do médico pelo paciente, o que induz o paciente muitas vezes, mesmo não sabendo o que se passa com ele, a procurar o especialista. Assim, uma primeira consulta já é com o especialista, a partir de uma hipótese diagnóstica formulada pelo próprio paciente. Devido a isso, grande parte da população usuária do SUS ainda desconfia do atendimento generalista, preferindo, caso possa optar, por atendimento especializado em hospitais. Essa escolha do paciente pelo SUS fica difícil com o processo de referenciamento implantado pelo Órgão, no qual o indivíduo deve ser atendido na unidade de saúde mais próxima a sua residência, mas é o mais utilizado nos casos de medicina suplementar.

Nas discussões curriculares dos cursos de saúde e nos frequentes debates, tanto acadêmicos quanto sociais sobre a saúde no Brasil, há um evidente apoio à política de democratização do atendimento a saúde, em termos de acesso e de participação e controle social da população. E, tendo em vista às novas diretrizes de humanização, a formação generalista aparece frequentemente sendo criticada, pois o modelo dualista corpo-mente baseado na mensuração científica, na qual são formados os médicos, é visto como entrave à abordagem de promoção da saúde. Luz e Tesser (2008), a partir de estudos sobre as racionalidades médicas, discutem que a ideia de integralidade tem diferentes significados para doentes e curadores e o saber biomédico, por ver o corpo de forma seccionada, tem dificuldades em promover um conhecimento, uma prática médica holística. Assim, os autores propõem novas abordagens à prática médica no SUS, integrando diferentes conhecimentos sobre a saúde, como a homeopatia e a medicina tradicional chinesa, que, além de sua função terapêutica, ajudariam a promover novas racionalidades na prática médica.

As críticas aos currículos tradicionais de ensino da medicina ressaltam a necessidade de conhecimento de técnicas de comunicação para a interação médico- paciente, em geral, e uma maior formação humanista, objetivando que o futuro profissional seja capaz de lidar com a população de forma a compreender sua demanda para além da queixa e respeitar o direito do cidadão e sua condição sociocultural. Isso implica em pensar o paciente como um indivíduo situado cultural e historicamente.

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Uma busca no scielo47 mostra uma grande quantidade de artigos que têm como foco a humanização no atendimento e o PSF. Em comum nesses artigos, encontramos a preocupação com a formação generalista e a necessidade de mudança na prática médica, enfocando a necessidade de adequação curricular, pois a atual formação centrada na excelência técnica acaba excluindo a preocupação com características culturais e socioeconômicas da população para um atendimento médico adequado.

Feuerwerker (1998) chama a atenção para o fato de que os problemas da formação médica estão sendo identificados desde os anos 1980. Apesar disso, houve uma dificuldade em estabelecer a distinção entre a formação geral de um médico e a formação do médico generalista. Segundo a autora, a crítica à introdução do ensino de especialidades já na graduação, ou a fragmentação dos conteúdos didáticos, fica perdida em meio a uma discussão ideológica a respeito do profissional a ser formado, ou melhor, sobre o papel social do médico.

A discussão a respeito dos conteúdos pedagógicos identifica o problema na formação médica, mas não estabelece estratégia de mudanças adequadas. Há aqui um problema epistemológico; uma desarticulação entre disciplinas básicas e clínicas. A capacitação metodológica-científica não interage com o raciocínio clínico. A introdução de disciplinas, como Sociologia ou Antropologia, fez-se dissociada das outras disciplinas curriculares e teve uma influência muito pequena no ensino médico. Marsiglia (1995) salienta que a introdução desses conteúdos das Ciências Humanas se deu separada do eixo epistemológico da medicina, pois a compreensão da causalidade social da doença não implica negar a necessidade de curá-las.

Almeida (1999), na reconstituição da história da medicina e da educação médica no Brasil, chama a atenção para os problemas focados pela formação médica brasileira (e da América Latina), a fim de enfrentar os problemas conjunturais da saúde em cada momento histórico. Assim, nos anos 196048, os cursos de medicina priorizavam o que ele chama de enfoque quantitativo, devido à enorme defasagem entre serviços de

47 ScIELO – Scientific Eletronic Library Online

48 O crescimento do número de vagas para o ensino médico no Brasil no final dos anos 1960 e início dos

anos 1970, foi na ordem de 130%, sendo que muitos dos formandos do início da década de 1970 foi resultado de novos cursos aprovados no final dos anos 1960, que teve seu resultado nos anos de 1970. No inicio dos anos 2000 haverá um novo grande crescimento de vagas para o curso de medicina, com a autorização de abertura de novos cursos (BUENO, 2004).

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saúde e demanda populacional. No Brasil, os anos 1970 e 1980 representaram o maior crescimento do acesso à saúde pela população e houve, também, uma importante articulação entre as empresas médicas e o setor público de saúde49. A demanda passa a ser então pela tecnologia no atendimento médico e um atendimento médico centrado em hospitais.

A partir dessas considerações, é possível observar que no momento em que a população começa a ter acesso à saúde no Brasil, esse acesso se dá por meio da medicina tecnificada, especialmente nos hospitais. Isso faz com que toda a parafernália tecnológica seja vista de maneira bastante positiva pela população, ao mesmo tempo em que as escolas médicas acentuam o ensino especializado e centrado nas habilidades técnicas.

Desse modo, é compreensível a visão acentuada, tanto para o conjunto da população quanto para os médicos, de que a profissão, para ter um desempenho desejável e adequado, deve estar imersa em laboratórios, equipamentos e especialistas. Foi nesse momento que ocorreu a ascensão da medicina como profissão de saúde por excelência, em detrimento dos práticos, hidropatas e outros praticantes de ofícios que reivindicavam o direito de cuidar do paciente que, juntamente com a influência do modelo flexneriano de educação médica, caminhou com a tecnologia e a medicina brasileira e passou a oferecer melhores resultados à população a partir da conjunção desses fatores e da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1967, pois foi o momento em que a população começou a ter acesso à saúde no Brasil50.

Uma importante crítica a esse modelo formativo diz respeito a sua característica centrada na busca de sofisticação que acentua a importância do atendimento médico para procedimentos de alta complexidade e desconsidera os aspectos de acessibilidade populacional à saúde, bem como a necessidade de adequação entre o atendimento médico e as reais características socioculturais da população atendida.

Assim, as críticas a esse modelo de atendimento formativo salientam a necessidade de que, tão importantes quanto às intervenções médicas que promovam a

49 A ser discutido no Capítulo V.

50 Veremos no próximo capítulo sobre condições de trabalho – sobre profissionalização – o acesso a

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cura, são as intervenções de promoção à saúde51. Nesse sentido, os críticos ao modelo acentuam a necessidade de adequação curricular, especialmente da visão da medicina, com a finalidade de formar profissionais de visão mais ampla, com maior compreensão da realidade epidemiológica e cultural da população a ser atendida de maneira a tornar o atendimento à saúde como constitutivo de práticas saudáveis.

O curso de graduação em medicina no Brasil tem duração de seis anos, o curso de maior extensão no Brasil, tanto em número de anos quanto em carga horária semanal, composta por uma média de 30 horas/aulas semanais. A organização da grade curricular da maioria dos cursos dedica os primeiros dois anos e meio à formação básica, os dois anos e meio seguintes à formação médica e o último ano à prática médica, o internato.

Uma visão superficial faz parecer um tempo significativo para a formação profissional, mas não o é quando observada a realidade epidemiológica e o sistema de saúde brasileiro em comparação com a prática médica especializada. A complexificação do trabalho médico, devido à superespecialização, faz com que as universidades tentem oferecer um pouco de conhecimento de todas, ou da maioria das especialidades médicas, enfatizando, não muito significativamente, as especialidades mais gerais.

As constantes críticas à ineficiência do modelo de ensino médico apontam saídas em modelos pedagógicos centrados na humanização do curso, através de maior interação do aluno com o paciente e sua realidade, a fim de vir a facilitar a relação médico - paciente e, consequentemente, o processo diagnóstico-terapêutico.

51 Há muitos estudos que criticam esse modelo de aprendizagem médica anátomo-fisiológica e seu

conseqüente modelo de atendimento à saúde. Em comum estes estudos reportam-se às bases epistemológicas que consideram o adestramento e impessoalidade do corpo, através de sua redução a um conjunto de órgãos, como mecanismos de controle que permitem o assujeitamento do indivíduo submetendo-o a objetivos políticos, através da exaltação de espaços institucionais. Esses espaços institucionais acabam por atender ao propósito ideológico de conformar o olhar do vigiado, através de seu discurso e de sua prática, criando concomitantemente, corpos médicos disciplinados para a sua reprodução. Assim, o modelo tradicional atinge o objetivo de ao impessoalizar o atendimento, através da técnica e da tecnologia, perpetuar modelos hierarquizados de relacionamento entre o médico e o paciente, além de limitar a prática médica a uma atividade mercantil ou técnica (ver FOUCAULT, 1977, 1977 e 1981; PEREIRA e ALMEIDA, 2004/2005; ALMEIDA, 1999; URTIAGA, 1989; DIAS DE SOUZA, 1998; DONNANGELO, 1975; entre outros).

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A Educação Baseada em Problemas (EBP), “na qual os alunos são responsáveis pela busca de respostas às questões que lhe são impostas, sendo o agente principal da dinâmica ensino-aprendizagem” (PEREIRA e ALMEIDA, 2004-2005, p.76), é apontada como um caminho possível para superar a dicotomia entre teoria e prática, ou sala de aula e processo de trabalho, pois nesse modelo os alunos são confrontados constantemente com a realidade epidemiológica da população e devem buscar soluções para os problemas vividos, tornando o aprendizado concomitante à pratica.

O modelo EBP, bem como a adoção de grupos tutorais e o ensino através da interdisciplinaridade, busca acentuar a participação de disciplinas formativas, como é o caso do grupo das humanidades, destacando a importância da superação da visão do doente e de seu corpo apenas como objeto de intervenção, e inserir o paciente, como sujeito, numa relação dialógica com o futuro médico. O objetivo é ampliar a ação do médico para promotor da saúde e não apenas como agente de cura.

As dificuldades enfrentadas para a implementação dessas mudanças nos cursos de medicina são de várias ordens, referindo-se a essas barreiras, Pereira e Almeida salientam que:

(...) pode-se citar as barreiras à inserção das reflexões oriundas das Ciências Humanas nos temas dos grupos tutorais, os quais facilmente caem reféns dos discursos tradicionais sobre o corpo e sobre a relação saúde/doença. Isso se deve, principalmente, á impregnação, pelos atores da educação médica, de um imaginário social que concede ao saber médico tradicional o lugar privilegiado de produção da verdade. Tal imaginário, impregnado e expresso na formação desses tutores/facilitadores médicos, encontra-se refletido tanto no seu comportamento diante dos alunos quanto no destes últimos, cuja motivação para a escolha da medicina é muitas vezes a atração por essa posição de poder/saber conferida pelo ofício da medicina.

Possivelmente, decorre ainda desse imaginário a refração encontrada entre os estudantes no que diz respeito às abordagens críticas que as Ciências Humanas aportam para a problemática da medicina, mostrando a relação do corpo com a cultura, com a sociedade e com trajetórias individuais. Tais conhecimentos, nomeados genericamente de ‘psicossociais’, são tratados como de menor importância, sendo vistos na condição de complementares aos ‘verdadeiros’ e ‘supervalorizados’ conhecimentos médicos de base exclusivamente biológica (grifos dos autores). (PEREIRA e ALMEIDA, 2004- 2005, p. 77).

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apresentados no período de 2000 a 2004 no Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Bitencourt et al. (2007) chegaram a conclusão da necessidade de promover alterações no ensino médico, a fim de reduzir, tanto os erros médicos quanto suas denúncias. Os autores atribuem o crescimento das denúncias por erro médico a vários fatores, que incluem maior conscientização da população, precarização das condições de trabalho e influência da mídia, mas acentuam que:

Dentre os fatores mais importantes na geração deste quadro estão a deterioração na qualidade da relação médico-paciente e a formação deficiente dos médicos durante a graduação e a pós-graduação. (...) Segundo relatório da Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico –Cinaem, as escolas médicas brasileiras, em geral, não estão formando profissionais que atendam às demandas da população. Os profissionais recém-formados saem das faculdades com uma formação ético e humanístico deficiente, uma concepção funcionalista do processo saúde-doença, especialização precoce e incapazes de se manter atualizados (BITENCOURT et al., 2007, p. 226)

A própria organização universitária aparece como entrave a uma formação mais integrada e generalista, isso acontece devido à organização das faculdades. Os departamentos têm práticas isoladas e, com frequência, departamentos ligados à formação generalista apresentam fraturas conceituais em relação aos departamentos especializados. Uma discussão constante nos congressos de Educação Médica diz respeito à dificuldade em promover uma visão mais globalizante ao estudante, quando o ensino de disciplinas específicas apresentam visões de prática médica tradicional (ABEM, 2010).

A dificuldade de comunicação entre os docentes médicos e a categoria médica de modo geral, com os professores ligados à área de medicina social e a formação generalista, são outros obstáculos importantes a serem enfrentados nas mudanças dos cursos na área da saúde, pois conflitos ligados à política departamental e aliados a visões diferentes de como ‘deve ser’ a formação nessa área acabam por interferir nas questões pedagógicas.

Além disso, os professores que defendem modelos biomédicos que considerem o sujeito e seu corpo, a partir da experiência do próprio indivíduo e não apenas como hospedeiro de doença, têm uma grande dificuldade em contrapor-se ao ideal liberal e tecnológico defendido por médicos especialistas que acreditam ser a defesa de uma

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formação holística, ou mais humanística, ineficiente para atender adequadamente as necessidades do paciente e preparar o estudante para o mercado de trabalho. O indicado e desejável em termo de qualificação profissional, que além da educação formal pressupõe uma prática de interação e troca de informações com colegas de profissão, encontra dificuldades estruturais inerentes às configurações sociais.

Dias de Souza (1998) executou um trabalho de pesquisa com estudantes de medicina do 6º e 7º períodos. Durante o semestre, essa pesquisadora acompanhou as dúvidas, críticas, a internalização de normas e o aprendizado prático desses estudantes. A transcrição da narrativa das discussões efetuadas com os alunos sobre suas experiências no hospital apresenta uma grande riqueza para a compreensão do que é o ‘fazer-se médico’. Se por um lado não surpreende os resultados obtidos, tendo em vista à discussão teórica sobre as peculiaridades da formação profissional do médico, por outro enriquece a discussão sobre a reprodução dessa categoria profissional e nos esclarece algumas características peculiares do médico que podem levar ao erro na prática profissional. O acompanhamento da formação dos estudantes mostra que a prática de ensino centrada na técnica, leva desde logo os estudantes a desconsiderarem a interação com o paciente como importante, devido à desvalorização dessa interação pelos docentes. Em sua pesquisa Dias de Souza nos demonstra isso:

Os alunos querem ser ouvidos, sobretudo, quanto a seus conflitos que expressam a ambivalência do medo e do desejo de apropriação do saber e poder médicos. No 1º tema,(Aqui a autora está se referindo, ao estudo conduzido com os estudantes) onde dois casos são apresentados exemplarmente, os alunos buscam argumentativamente explicitar a regra da desvalorização do sofrimento psíquico. Os alunos falam da incompatibilidade que descobrem no discurso de professores médicos, que enfatizam o escutar o paciente e, ao mesmo tempo, não se colocam disponíveis para ouvir os alunos sobre essa escuta. Minipsiquiatras, bobalhões da corte, os alunos se descobrem realizando uma função temporária prescrita pelo esquema, apesar de um discurso que é bonito. Falam, assim, de um ideal romântico enunciado no discurso médico e do exercício de uma prática normalizada sem romantismo. Os alunos arriscam-se, vivendo o conflito entre responder à demanda transferencial na relação com o paciente e serem reconhecidos pelos

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