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RESIDÊNCIA MÉDICA

No documento O reverso da cura = erro médico (páginas 170-174)

4 ERROS MÉDICOS E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

4.2 RESIDÊNCIA MÉDICA

É consenso entre os médicos pesquisados que a formação recebida na graduação, mesmo quando de boa qualidade, não é suficiente para o exercício adequado da profissão. Apesar de não encontrarmos nos órgãos e documentos pesquisados, CRMs, AMBs, Comissões Nacionais de Residências Médicas (CNRMs), Ministérios da Saúde e Conselhos de Especialidades Médicas, afirmações taxativas de que a graduação não é suficiente para o bom exercício profissional, observa-se, em todas as entidades, uma grande ênfase na necessidade de especialização, especialmente mediante a residência médica, como uma condição necessária para a boa prática profissional.

A prática médica apresenta assim um paradoxo: para o exercício profissional a única exigência legal colocada sobre o médico é o registro no CRM, concedido com a posse de um diploma válido em território nacional. Por outro lado, as associações médicas de especialidades, que mantém registros de especialistas em suas respectivas áreas, orientam sobre a prática inadequada de suas atividades por não especialistas. Essas entidades fazem campanhas tanto para o público em geral quanto para os hospitais e contratadores de médicos, prefeituras municipais, estados da federação, clínicas e planos de saúde, que exijam comprovação de especialidade válida para o exercício profissional. Orientação que nem sempre é seguida.

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A resolução que regulamenta o uso de título de especialista foi publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2002 (Resolução CFM nº 1634/2002), a partir de um intenso debate entre os médicos. E os principais argumentos a favor da especialização ou da necessidade de manutenção de uma educação continuada referiam-se aos avanços cada vez mais rápidos e frequentes na medicina. Essa medida, porém, não atinge o total de formandos anualmente no país, quanto mais os já formados que não possuem especialização.

Nas discussões sobre a importância da residência médica é comum atribuir a essa um duplo papel: como complementar para a formação oferecida pela graduação e, também, como forma de inserção no mercado de trabalho. É consenso entre os colégios de especialidades e no CNRM que essa é a forma mais adequada de qualificação profissional para o uso do título de especialista.

A residência tem papel fundamental na prestação de serviços de saúde, o que levou a institucionalização da residência médica nas políticas públicas de saúde. Mas segundo Fiszbeyn (2000), não há planejamento na formação de recursos humanos e as resoluções do CNRM permitem que as próprias instituições assumam o papel regulador. Assim, a lógica da residência atende mais a uma necessidade de prestação de serviços – público e privado – do que a de qualificação profissional, já que a forma como os estágios estão organizados mostram mais as necessidades das organizações de saúde do que as de aprendizagem.

Podemos dizer que, apesar de a residência médica estar institucionalizada e regulamentada pelos Ministérios da Saúde e da Educação, ela é organizada pelas instituições que mantêm os programas, em uma relação mediatizada pelos interesses da corporação médica; médicos-residentes, colégios de especialidades e outras entidades. O CNRM reconhece a atividade de residente como um processo pedagógico e de trabalho (mas trabalhador autônomo, sem vínculo empregatício) e determina um piso salarial na forma de bolsa de estudo, mas os residentes conseguiram, ao longo do tempo, alguns direitos trabalhistas como férias e licença maternidade.

Feuerwerker (1998) lista uma série de características que demonstra que os programas de residência atendem mais aos interesses dos serviços e da categoria profissional, do que ao sistema de saúde. A seguir algumas considerações da autora:

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1. as prioridades de ação, as especialidades que existem em cada um deles e as relações que estabelecem com a população de sua área de abrangência são definidos internamente, sem levar em conta os demais recursos existentes, a situação epidemiológica e as prioridades de intervenção definidas pelas autoridades regionais de saúde;

2. apesar de prestarem serviços ao SUS, não há relações sistemáticas entre os hospitais e as unidades de saúde, fazendo com que os mecanismos de referência e contrarreferência não funcionem.

3. O processo de treinamento em nível de residência médica, como visto, tem tido seus rumos definidos num processo relativamente independente do que está ocorrendo no terreno da educação médica e também das políticas de saúde. São necessidades das instituições que mantêm os programas e os interesses da corporação médica os principais elementos definidores de suas características.

Em entrevistas com membros dos CRMs e com tutores das comissões de residência médica em três hospitais universitários, todos se referiram a um mesmo fenômeno: o crescimento da procura por especialidades ‘tecnológicas’, ou que oferecem melhor remuneração no mercado de trabalho, como oftalmologia, otorringolaringologia, dermatologia, cirurgia plástica e a queda na procura por especialidades básicas ou cuja atuação é quase restrita à rede pública de saúde, como pediatria, clínica geral, hematologia, nefrologia.

Uma questão que pode ser colocada a partir dessa observação é se o ideário de atenção ou de cura encontrado no início da graduação, e referido em vários estudos sobre a profissão médica que falam de busca de realização profissional, vai perdendo espaço para a busca por melhores condições de vida. Se fosse assim, a especialização seria vista pelos médicos não apenas como necessidade formativa e de ingresso no mercado de trabalho, mas também como uma forma de adquirir prestígio profissional e financeiro dentro da categoria profissional e na sociedade.

A formação profissional, por mais crítica que pretenda ser, no sentido de estimular o aprendiz a pensar sua atividade continuamente, recebe forte influência da prática médica vigente, dos setores público e/ou privado; e o estudante de medicina construirá seu projeto profissional embasado nos modelos com os quais convive, visando as possibilidades de inclusão no mercado, por menos que esse lhe seja atrativo. A medicina, na medida em que passou a incorporar, sobretudo especialistas, tendeu por estender o curso médico mediante a residência médica, sistema altamente

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interessante para os hospitais que passaram a ter um corpo clínico permanente e extremamente dedicado, de baixo custo, ávido por praticar e aprender.

Nas discussões sobre a importância da residência médica, é comum atribuir a essa um duplo papel: como complementar à formação oferecida pela graduação e, também, como forma de inserção no mercado de trabalho. É consenso entre os colégios de especialidades e no CNRM que essa é a forma mais adequada de qualificação profissional para o uso do título de especialista.

Porém, ao considerarmos o número de vagas de residência médica, observamos não serem essas suficientes para atender a todos os formandos. Anualmente, é oferecida uma quantidade de vagas para residência médica, aproximadamente 40% menor que o necessário, a fim de atender apenas o total de formandos, além daqueles profissionais que pretendem uma especialização ou uma segunda residência médica a fim de complementar a primeira.

Frequentemente, os CRMs criticam o baixo número de vagas, afirmando serem essas absolutamente necessárias para a boa formação médica. Representando essa visão dos médicos, Gonçalves (2008), presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, afirma “Gostaria que fechasse 50% das 173 faculdades de medicina do Brasil. Metade delas não tem condições nem de dar formação generalista (...). Medicina não se aprende em livro, nem na Internet, é preciso práticaApesar dessa demanda, podemos observar que uma parte significativa das vagas de residência oferecidas no Brasil encontra-se ociosa55. Do total de vagas existentes para residentes no Brasil, em torno de 40% não estão ocupadas. Não tivemos meios de verificar os motivos da ociosidade dessas vagas. Em conversas com professores e tutores de medicina, alguns consideram a falta de bolsa um motivo importante para a desistência, enquanto outros

55 Estes dados foram coletados em 2007 referentes à taxa de ocupação de residentes no ano de 2006.

(fonte SeSU- Secretaria de Educação Superior - MEC). Até o ano de 2007 o site informava quais as instituições ofereciam vagas para residentes (por especialidade) e quantas estavam efetivamente ocupadas. Foi necessário verificar todas as instituições de saúde em cada estado brasileiro que oferecem vagas para residentes a fim de obtermos estes dados. Infelizmente, o site deixou de colocar informações sobre o número de vagas por instituição e quantas efetivamente estão ocupadas, oferecendo atualmente apenas os dados de vagas ocupadas. Os dados apesar de serem de 2006, não apresentaram grande mudança no número de residentes entre aquela data e a atual, porém o SeSU deixou de publicar o número de vagas existentes e de vagas ocupadas e apesar de já havermos solicitado estes dados, eles informam que estarão disponíveis e que a dificuldade de acesso deve-se a mudanças no sistema.

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atribuíram ao mercado de trabalho essa influência, considerando que esse mercado pode ofertar melhores condições econômicas. Outros motivos possíveis por não haver candidatos são de os mesmos não passarem nas provas para residência.

Os dados a seguir demonstram a relação entre vagas de residência e os residentes efetivamente em treinamento no ano de 2006.

No documento O reverso da cura = erro médico (páginas 170-174)