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Abreviaturas e Símbolos

2. Revisão da Literatura

2.2. Modelação do Jogo de Futebol

2.2.1. A importância da Modelação de uma forma de jogar

“ Operacionalizar uma filosofia é dar corpo à inteligência, à imaginação e à criatividade. É a responsabilidade de uma ligação umbilical entre o exercício, a referência ideológica e o seu inventor.”

(Faria citado por Oliveira, Amieiro, Resende & Barreto, 2006, p. 17)

Modelar o jogo de Futebol é articular um conjunto de ideias relativas a comportamentos individuais e colectivos e adaptá-las a um determinado contexto. Tendo em conta a essência táctica do jogo de Futebol, onde predominam múltiplas relações de cooperação e oposição, quer a atacar como a defender, é fundamental que o treinador seja capaz de sistematizar as suas ideias de jogo, no sentido de poder estabelecer uma linguagem comum no seio da equipa. Assim, ao criar um referencial (Modelo de Jogo) colectivo, que tem em conta aspectos gerais mas também aspectos mais particulares, vai levar a que os jogadores apropriem as suas acções às diversas situações de jogo com uma determinada intencionalidade. Este processo de sistematização das ideias de jogo, modelando-as face a uma dada realidade, conduzirá a uma forma de

jogar Específica2, que identifica a equipa de cada treinador.

Deste modo, reparamos que a Modelação assume um papel importante na regulação dos comportamentos podendo decifrar o presente de uma determinada situação, e à medida que o processo vai sendo ajustado podemos tentar prever o futuro dessa mesma situação (Perl, 2004). Ou seja, podemos ir regulando os comportamentos à medida que o processo vai avançando, com

vista a um determinado jogar3 que se pretende.

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Específica (com “E” maiúsculo) representa a particularidade do contexto e de uma forma de jogar relativa às ideias do treinador e ao entendimento pelos jogadores.

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Gréhaigne (citado por Garganta, 1997, p. 120) acrescenta que “ (…) a

Modelação do jogo permite fazer emergir problemas, determinar os objectivos de aprendizagem e de treino e constatar os progressos dos praticantes, em relação aos modelos de referência”. Desta forma, parece-nos importante que o

treinador saiba muito bem aquilo que pretende para equipa, para que possa gerir todo o processo num determinado sentido.

Na perspectiva de Alves (citado por Santos, 2006) a Modelação é uma tendência evolutiva dos processos de treino sendo que Bompa (1999) refere ainda que esta vai, progressivamente, constituir-se como um dos princípios mais importantes no treino, existindo um movimento de há alguns para cá que tem como objectivo ligar o processo de treino à Modelação.

A importância da Modelação na construção de uma forma de jogar Específica de uma equipa é corroborada por diversos autores (Parlebas; Deleplace; Dugrand; Gréhaigne; Godik & Popov; McGarry & Franks; Hughes; Smith et al. citados por Garganta,1997), visto que tem servido sobretudo para configurar a lógica interna dos JDC com base na organização das acções, dentro de uma dada intencionalidade comportamental.

Garganta (1997) refere ainda que esta pode ser utilizada para promover a identificação de relações entre os eventos de jogo e os factores que afluem para a efectividade das equipas, isto é, na configuração de padrões de jogo que estejam associados aos factores de sucesso e insucesso nas equipas.

Deste modo, a Modelação do jogo de Futebol de uma equipa vai condicionar e orientar o processo de planeamento e de periodização no sentido da construção de um jogar Específico para essa mesma equipa. Assim sendo, quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos utilizados e a forma de jogar Específica, melhores e mais eficazes serão os seus efeitos (Queiroz, 1986). Daí a clara necessidade de modelar o jogo, tornando-o único e específico, a partir da concepção de jogo do treinador inserida numa determinada realidade futebolística.

Sendo o jogo de Futebol caracterizado essencialmente pela imprevisibilidade, aleatoriedade e indeterminismo, em que as duas equipas nas diferentes fases (defesa e ataque) do jogo procuram atingir os seus objectivos,

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que neste caso são antagónicos, pode-se considerar o Futebol, e mais concretamente uma equipa e todo o contexto que a envolve, um sistema complexo (Garganta, 1996; Guilherme Oliveira, 2004; Gaiteiro, 2006; Silva, 2008).

Face a essa complexidade do jogo, é importante procurar um enquadramento e conceptualização condizentes com a sua real natureza e contexto específicos. Reforçando esta ideia, Le Moigne (1990) acrescenta que a construção da inteligibilidade de um sistema complexo é possível se procurarmos modelá-lo, no entanto, fazendo-o num contexto que permita uma adaptação à especificidade do jogo de Futebol, ou seja, num contexto táctico.

Aproveitando a ideia de Garganta (1996), podemos referir que entre a teoria e a prática encontramos as simplificações, sendo que o modelo é visto como uma simplificação da realidade complexa, uma interpretação e uma síntese, no fundo, uma representação dessa mesma realidade. Assim, o modelo adquire a forma com que se caracteriza o “conteúdo táctico”, em que o treinador como modelador de um determinado jogar, transporta para um universo teórico aquilo que a prática lhe mostra; sabendo, contudo, que a realidade é sempre mais complexa e mais completa do que o modelo, do que a sua representação. Facilmente depreendemos que o modelo é uma representação simplificada da realidade, uma criação pessoal que está ligada a concepções de conhecimento (Garganta, 1997) de determinado fenómeno ou realidade (neste caso o Futebol).

Corroborando esta ideia, Le Moigne (1990) acrescenta que os modelos são criações antecipativas que se fundamentam numa interpretação da realidade por parte de quem cria esses modelos (treinador em conjunto com os jogadores). Deste modo, Guilherme Oliveira (2004) refere que a criação de um modelo implica a organização de um conjunto de conhecimentos/imagens mentais que se tem de determinada realidade. Le Moigne (1990) confere o nome de “concepção” a essa mesma criação.

Ainda na perspectiva de Le Moigne (1990), a modelação de sistemas complexos permite a construção de interacções que vão direccionar as acções e permitir avaliar os processos e os respectivos resultados. Daí que Guilherme

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Oliveira (2004) conclua afirmando que a concepção está mais relacionada com o plano de organização das ideias, enquanto o modelo permite a operacionalização dessa concepção.

As interacções sobre as quais nos temos debruçado ocorrem entre o objecto (o jogar Específico) e o nosso organismo, de acordo com as características do organismo (Damásio, 2003), numa relação constante com o envolvimento tendo em vista uma determinada identidade colectiva. É fundamental que se perceba esta relação com todo o envolvimento, indo de

encontro a uma posição assumida por Capra (1996, p.25) ao afirmar que “a

percepção Ecológica Profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenómenos”, como um processo cíclico que determinamos e do qual

somos dependentes.

Desta forma, a criação de um Modelo de Jogo (modelação de um jogar) assente nesta perspectiva torna-se imprescindível, já que contraria as abordagens analíticas de Descartes e Newton, que procuram dissecar as partes de um conjunto isoladamente sem relação ou interacção, entendendo-o como uma simples soma dessas partes (Capra, 1996).

Por outro lado, a abordagem sistémica do Jogo de Futebol tem permitido reunir e organizar conhecimentos procurando a interacção dinâmica entre os elementos de um conjunto conferindo-lhe um carácter de totalidade (Garganta, 1996), um carácter táctico, para corresponder aos problemas que vão sendo levantados.

Portanto, reforçamos a ideia de que o Futebol deve ser entendido dentro dessa lógica sistémica para que a construção de uma equipa possa ser direccionada através de uma Modelação que permita a interacção permanente dos diferentes agentes.

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2.2.2. A emergência do Pensamento Sistémico – uma abordagem