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A imprescindibilidade de reconhecer o Futebol como um jogo táctico, um jogo de oposição

Abreviaturas e Símbolos

2. Revisão da Literatura

2.1. A imprescindibilidade de reconhecer o Futebol como um jogo táctico, um jogo de oposição

“ (…) Futebol é tudo (…) a táctica é importante, a verdadeira essência do desporto colectivo.”

(Mourinho, 2005)

É do senso comum ouvir-se com frequência que de “Futebol toda a gente percebe um pouco”, opina e critica, ora porque é “uma equipa mais táctica” ora porque é “uma equipa mais técnica”. Quando é “um jogo mais aberto” diz-se que é mais ofensivo, mais criativo. Quando é um “jogo mais fechado” diz-se que é mais defensivo, mais … táctico. Contudo, o Futebol é um jogo em que a base é táctica e pressupõe que seja pensado como equipa (Lobo, 2007), tanto em termos defensivos como ofensivos. Lobo (2009) elucida-nos acerca deste assunto com o exemplo da meia-final da Champions

de 2009, entre o Barça de Guardiola e o Chelsea de Hiddink, afirmando que “a

ideia de jogo táctico nasceu de ambos os lados (…) embora com princípios diferentes (…) A diferença está em que enquanto uma, o Chelsea, procura fechar espaços, a outra, o Barça, procura criar espaços”. Repare-se que o

Barça, uma equipa com um caudal ofensivo elevado, nem por isso deixa de ser

uma equipa eminentemente táctica. Todas as grandes equipas são “equipas

tácticas”, sendo que “cada ideologia pede um jogo táctico diferente” (Lobo,

2009). O mesmo autor conclui afirmando que o erro é pensarmos na definição de “equipa táctica” quando se observa um jogo mais de contenção. Assim sendo, torna-se fundamental perceber a natureza do jogo de Futebol, a sua lógica interna e sobretudo entender a sua verdadeira essência táctica.

O Futebol pertence a um grupo de modalidades, que pelo conjunto comum das suas características, são habitualmente designadas por jogos desportivos colectivos (JDC).

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Para além de todo um conjunto de características comuns e não menos

importantes, é unânime reconhecer “a relação de oposição entre os elementos

das duas equipas em confronto e a relação de cooperação entre os elementos da mesma equipa” (Garganta & Pinto, 1998, p. 98), desenvolvidas num

contexto imprevisível, que marcam a natureza dos JDC, sendo classificados como jogos de oposição (Gréhaigne & Guillon citados por Garganta & Pinto, 1998). Aliás, as relações de oposição e cooperação determinam-se entre si, isto é, a cooperação interactiva dentro de um colectivo só se concretiza tendo em conta as restrições impostas pelo adversário, tanto a nível defensivo como ofensivo. As interacções entre os companheiros de equipa são realizadas tendo em conta a obtenção dos objectivos de jogo, pela execução de comportamentos a fim de recuperar, conservar e fazer progredir a bola até à zona de concretização e marcar (Gréhaigne, Billard & Laroche, 1999).

Na perspectiva de Garganta (1997), oposição e cooperação são tarefas básicas reversíveis, tanto a atacar como a defender, sendo que as sucessivas configurações que o jogo vai apresentando resultam da forma como ambas as equipas gerem as relações, de cooperação e adversidade, em função do objectivo do jogo. De facto, esta permanente relação de sinal oposto no confronto entre as equipas (ataque e defesa), alicerçada à variabilidade, alternância e aleatoriedade inerentes às situações de jogo, conduzem a mudanças alternadas de comportamentos e atitudes, que devem ser conducentes com o objectivo do jogo (o golo) e com as finalidades de cada situação (ataque ou defesa) (Garganta, 1997; Garganta & Pinto, 1998).

Sendo o jogo um sistema dinâmico que varia não-linearmente com o tempo e no qual o resultado depende da forma como se vai jogando (Cunha e

Silva, 1995), torna-se imperioso adoptar uma “atitude táctica permanente”

(Garganta, 1995), um constante envolvimento e entendimento das situações de jogo, no sentido de ocorrerem comportamentos mais ou menos pertinentes em função das configurações que o próprio jogo vai apresentando.

A relação de forças que evolui constantemente ao longo do jogo neste desporto colectivo, procurando «prejudicar» o adversário, a todo o instante, assim como actuando de modo a evitar as artimanhas deste (Riera, 1995),

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desponta a essencial característica táctica existente entre equipas em competição.

Face à realidade do Futebol, actualmente a dimensão táctica é reconhecida como a geradora e condutora de todo o processo de jogo, de ensino e de treino, uma vez que o principal problema colocado às equipas e aos jogadores é sempre de natureza táctica (Teodorescu, 1984; Queiroz, 1986; Frade, 1989; Guilherme Oliveira, 1991; Gréhaigne, 1992; Castelo, 1994;

Garganta, 1997), ou seja, o praticante deve saber “o que fazer”, para poder

resolver o problema imediato, “o como fazer”, seleccionando e utilizando a

resposta motora mais adequada (Garganta & Pinto, 1998, p. 98). “É o grau de

adequação de cada uma das acções no seu seio da actividade colectiva global que caracteriza o nível táctico de um jogador e, em definitivo, da equipa”

(Castelo, 1999, p. 27).

Porém, a táctica deve ser entendida não apenas como uma das dimensões tradicionais do jogo, mas sim como a dimensão unificadora que dá sentido e lógica a todas as outras. Assim, a dimensão táctica funciona como a interacção das diferentes dimensões, dos diferentes jogadores, dos diferentes intervenientes no jogo (jogadores e treinadores) e dos respectivos conhecimentos que estes evidenciam (Guilherme Oliveira, 2004), devendo constituir-se como o princípio director da organização do jogo (Teodorescu, 1984).

O Futebol é predominantemente um jogo de julgamentos e decisões (C. Hughes, 1994), exigindo dos seus praticantes uma adequada capacidade de decisão, que é precedida de uma ajustada leitura do jogo. Esta leitura adequada é um aspecto imprescindível ao longo de uma partida de Futebol, já que no decorrer da mesma, em média um jogador não consegue ter a bola por mais de dois minutos, sendo que no restante tempo de jogo é obrigado a seleccionar, julgar e decidir.

Neste sentido, pode-se falar em pensamento táctico, ou seja, pensamento de jogo como sendo uma componente essencial da acção táctica (Mahlo, 1997). O autor acrescenta que o pensamento está presente na percepção e na análise da situação, isto é, na observação, assim como na

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solução mental do problema, sob a forma de análise e de síntese, de abstracção e generalização. Assim, um jogador com bom nível de processamento de informação poderá elaborar com sucesso um esquema mental de actuação motora (Tavares, 1998). Repare-se que esse pensamento táctico é fundamental para a correcta orientação dos jogadores, sua organização criativa e realização de acções tácticas individuais e colectivas, em função da complexidade com que se desenvolvem no jogo (Faria & Tavares, 1993).

Na perspectiva de Mahlo (1997), o processo táctico enquanto processo intelectual de uma solução, assume-se como uma componente indissociável da actividade em jogo. Tavares (1998) refere ainda que o pensamento táctico do jogador é afectado pela aquisição e elaboração das informações recolhidas e utilizadas na orientação adequada das acções motoras.

Desta forma, visto que o Futebol é uma actividade complexa, que se caracteriza e exprime mediante acções de jogo que não correspondem a uma sequência possível de códigos (Garganta, 1997), exige dos jogadores uma eficácia de desempenho que se relaciona sobretudo com a leitura de jogo (o tal processamento de informação) e as decisões. Os jogadores desenvolvem sequências de acções e tomadas de decisão encadeadas, de acordo com as fases de ataque e defesa. O domínio das técnicas específicas e a capacidade de tomada de decisão dependem da sua adequabilidade à situação de jogo. Um bom executante é, antes de mais, um indivíduo capaz de seleccionar as técnicas mais adequadas para responder às sucessivas configurações do jogo, sendo que essas mesmas técnicas são sempre determinadas por um contexto táctico (Garganta & Pinto, 1998). Ora, parece-nos de todo importante falar de

uma cultura táctica1, como um entendimento do jogo, uma capacidade de

perceber o jogo, adaptando convenientemente as respostas de acordo com as exigências inerentes à decisão, sendo para tal determinante seleccionar a informação concertante ao gesto/acção a executar (Faria & Tavares, 1993).

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Segundo Frade (1990) podemos definir a cultura táctica como um guia de escolhas de acção, referenciado ao conjunto de valores e percepções que decorrem do corpo de significações criado (princípios, regras e modelos de jogo).

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A tomada de decisão, que ao nível do mecanismo perceptivo pressupõe tarefas motoras de grande complexidade, desempenha um papel crucial nas acções do jogador dado que a realização de movimentos conscientes é precedida de uma decisão (Faria & Tavares, 1993). Costa, Garganta, Fonseca e Botelho (2002), sustentam igualmente a ideia de que a tomada de decisão precede a execução. Contudo, vão mais além referindo que a acção é sinónimo de tomada de decisão dado que cada situação solicita uma nova solução/resposta. É importante destacar que não se poderá confundir decisão com acção, já que uma coisa é acção e outra é decisão. A verdade é que uma acção pressupõe uma decisão (enquanto que o inverso já não se verifica). Porém, Faria e Tavares (1993) afirmam também que no momento da percepção da informação, pode-se considerar uma simultaneidade de decisão e de acção, visto que é necessário responder constantemente aos constrangimentos colocados pelo jogo. Logo, podemos acrescentar que percepção, decisão e acção estão intimamente ligadas.

“Qualquer acção de jogo é condicionada por uma interpretação que envolve uma decisão (dimensão táctica), uma acção ou habilidade motora (dimensão técnica) que exigiu determinado movimento (dimensão fisiológica) e que foi condicionada e direccionada por estádios volitivos e emocionais (dimensão psicológica)” (Guilherme Oliveira, 2004, p. 3). Vejamos que o jogo

se manifesta pela interacção das diferentes dimensões, sendo que a táctica solicita, de acordo com a especificidade do jogo, valências físicas, técnicas e psíquicas (Faria, 1999). Aliás, a dimensão táctica por si só não existe, apenas fazendo sentido quando se manifesta através da interacção das outras três, as dimensões técnica, física e psicológica (Guilherme Oliveira, 2004). No mesmo “comprimento de onda”, Frade (citado por Rocha, 2000) acrescenta que o táctico não é físico, técnico, psicológico, nem estratégico, mas precisa dos quatro para se manifestar. De acordo com o autor, e face aos constrangimentos que o jogo coloca a todo o momento, o “táctico” deverá ser a componente dominante.

Estando o Futebol incluído nos JDC, precisa de organização e, por isso, é essencialmente táctico. Contudo, táctica não significa somente uma

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organização em função do espaço de jogo e das missões específicas dos jogadores, esta pressupõe, em última análise, a existência de uma concepção unitária para o desenrolar do jogo, ou melhor, o tema geral sobre o qual os jogadores concordam e que lhes permite estabelecer uma linguagem comum (Castelo, 1994). E táctica para José Mourinho é algo de muito concreto, sendo o conjunto de comportamentos que deseja que a equipa manifeste em campo, o conjunto de princípios que dão corpo ao seu modelo de jogo; uma cultura comportamental específica, que requer tempo de aprendizagem; uma qualidade emergente (Oliveira, Amieiro, Resende & Barreto, 2006).

Portanto, reconhecendo o Futebol como um jogo táctico, percebe-se que este vai colocando permanentemente problemas à equipa e aos jogadores, existindo a imprescindibilidade de desenvolver o entendimento e a compreensão do jogo para se poder intervir sobre ele. Guilherme Oliveira (2004) adianta que face a estas características, tudo o que se vai construindo e trabalhando deve ter um sentido, uma intencionalidade, que passa ser educativa. O autor acrescenta que sendo o processo de treino uma construção, é necessário dar coerência e sentido a essa mesma construção, reclamando um conjunto de linhas orientadoras, tanto colectivas como individuais, capazes de conduzir o processo. Ou seja, a construção do Modelo de Jogo da equipa, alicerçada num conjunto de ideias bem definidas pelo treinador, vão constituir um referencial que irá promover a articulação de sentido de tudo aquilo que vai sendo desenvolvido.

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