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A emergência do Pensamento Sistémico – uma abordagem que vai condicionar a exponenciação do Modelo de Jogo

Abreviaturas e Símbolos

2. Revisão da Literatura

2.2. Modelação do Jogo de Futebol

2.2.2. A emergência do Pensamento Sistémico – uma abordagem que vai condicionar a exponenciação do Modelo de Jogo

“ Entender as coisas sistemicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um contexto, estabelecer a natureza das suas relações.”

(Gaiteiro, 2006, p. 20)

Antes de contextualizarmos a noção de pensamento sistémico ao nível da Modelação de uma forma de jogar Específica, importa entender o Futebol, e mais concretamente um determinado jogar, como um sistema de relações, um fenómeno complexo. Assim sendo, a palavra “sistémico” remete-nos para a palavra “sistema”, que deriva do grego synhistanai, significando “colocar junto” (Capra, 1996).

Na verdade, um sistema é um conjunto de elementos ou partes que estabelecem interacções entre si com o intuito de alcançar um objectivo concreto (Moriello, 2003). O autor acrescenta duas características essenciais dos sistemas: a primeira é que uma alteração em qualquer uma das partes influenciará as restantes partes do sistema; a segunda remete-nos para a obrigatoriedade da existência de um objectivo comum.

Neste sentido, estamos em condições de afirmar que uma equipa de Futebol é um sistema onde um conjunto de jogadores cria interacções entre si com o intento de alcançar um objectivo comum, ou seja, uma forma de jogar Específica para alcançar o sucesso na modalidade.

Porém, quando nos referimos a um sistema (equipa) devemos perceber que este se encontra envolvido num meio ambiente (um determinado contexto) que vai afectar tanto o seu funcionamento como o seu rendimento (Moriello, 2003). Em analogia com o Futebol, o autor faz referência a dois tipos de sistemas: os “sistemas abertos”, que apresentam muita interacção com o meio ambiente; os “sistemas adaptativos”, que reagem e adaptam-se ao envolvimento. Daí que uma equipa de Futebol e nomeadamente o jogar que apresenta em campo possam ser considerados “sistemas abertos e adaptativos”, na medida em que têm uma grande interacção com o meio ambiente (contexto) e uma boa capacidade de adaptação ao mesmo.

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Facilmente percebemos que tudo que envolve a equipa e a sua forma de jogar, como por exemplo a cultura e a filosofia do clube, acabam por influenciá-la de uma forma Específica.

Na mesma linha de pensamento, Moriello (2003) acrescenta ainda que uma equipa pode ser considerada um “sistema homeostático”, dado que a homeostasia define a tendência de um sistema para a sua sobrevivência dinâmica. Ou seja, estes sistemas predominantemente homeostáticos conseguem adaptar-se às transformações do contexto através de ajustes estruturais internos. Ora, como uma equipa de Futebol vive em constantes alterações entre ordem e desordem internas, tem que se auto-ajustar estruturalmente às necessidades do momento.

Partindo da ideia de que uma equipa de Futebol é um sistema definido por “complexos elementos em interacção” (Von Bertalanffy citado por Frade, 1990, p. 3), podemos afirmar que o jogo, ao expressar relações de cooperação entre colegas e de oposição com os adversários, definir-se-á como um sistema de “sistemas” – sistema complexo. Desta forma, como cada equipa tem a sua lógica de funcionamento, o jogo poderá representar um confronto entre dois sistemas na luta por um objectivo final (a vitória).

Pelo exposto nas linhas anteriores, estamos perante um fenómeno aparentemente complexo, pois um sistema complexo é um sistema que consiste num grande número de agentes que estabelecem interacções entre si de várias formas (Vriend citado por Phelan, 2001). Morin (1999) acrescenta que existe complexidade quando os diferentes elementos constituintes de um todo são inseparáveis, existindo tecido interdependente, interactivo entre as partes e o todo e o todo e as partes.

Os sistemas complexos, além de se caracterizarem pela interconexão e interacção das suas diferentes partes, também estão compostos por um conjunto de incertezas que lhe conferem ainda uma maior complexidade. Nesse sentido, Morin (1999) acrescenta que um sistema complexo relaciona-se

com os sistemas semi-aleatórios cuja ordem é inseparável das

indeterminações que o incluem. Assim, como já reportamos anteriormente, a complexidade está ligada a uma alternância permanente entre ordem e

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desordem que se desenrola ao longo do jogo de Futebol e dentro de uma equipa em particular.

Moriello (2003) dá o seu contributo afirmando que a interacção entre os elementos de um sistema complexo origina um comportamento emergente que não se pode explicar entendendo esses elementos de uma forma isolada, daí que Capra (1996) acrescente que o todo apresenta propriedades fruto das interacções e das relações entre as suas partes e na relação do todo com o contexto. O autor aponta ainda que essas propriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Ou seja, embora seja possível encontrar partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas, já que a natureza do todo é sempre diferente da mera soma das suas partes. O todo não é igual à soma das suas partes (Morin, 2001; Capra, 1996). Portanto, as propriedades das partes podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo (Capra, 1996).

Assim sendo, pelo que foi referido a partir da opinião de conceituados autores, podemos referir que o pensamento sistémico é sempre contextual, ambientalista, visto que para se conhecer algo é imprescindível estabelecermos uma contextualização com o ambiente cognitivo em que estamos inseridos, respeitando e caminhando numa linha de pensamento que integra noções de conexidade, de relações e de diferentes contextos.

A essencialidade táctica do jogo de Futebol implica precisamente a adopção de um pensamento adequado à sua natureza, sendo que a abordagem sistémica do jogo constitui uma importante referência a considerar no sentido da construção de uma equipa, dado que facilita a análise e a síntese das organizações complexas (Bertrand & Guillement, 1994). Os autores consideram que esta abordagem actuará sobre os sistemas como um todo, contrariando a abordagem analítica que isola e decompõe um sistema, analisando as suas partes de uma forma isolada.

Na perspectiva de Guilherme Oliveira (2004), esta abordagem visa analisar o fenómeno jogo na sua globalidade, procurando perceber as interacções que evidencia, os conhecimentos que promove, como organizá-los, direccioná-los e desenvolvê-los, percebendo a sua dinâmica e complexidade.

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A visão sistémica comporta uma expressão muito importante ao nível da sua abordagem perante as coisas, ou seja, a noção de “redes de relações”.

Gaiteiro (2006, p. 21) refere que esta visão compreende que “os objectos

estão, antes de tudo, imersos em redes de relações, as quais, por sua vez, se relacionam com outras redes”. Portanto, quem aborda as situações desta forma

deve considerar as relações entre objectos como fundamentais. Capra (1996,

p. 47) sustenta dizendo que “a percepção do mundo vivo como uma rede de

relações tornou o pensar em termos de redes uma característica chave do pensamento sistémico”. Nesse sentido, importa compreender o “conhecimento científico como uma rede de concepções e de modelos, na qual nenhuma parte é mais fundamental do que as outras” (Capra, 1996, p. 48). Nesta visão

sistémica, conseguimos compreender que os próprios objectos são redes de relações que se encaixam em redes maiores. Assim, de acordo com Gaiteiro (2006) podemos afirmar que aquilo a que chamamos “parte” é apenas um padrão numa teia inseparável de relações, não existindo portanto, partes em absoluto. Outra característica importante deste tipo de pensamento, e que não podemos deixar de referir, prende-se com o facto de dentro de um sistema se encontrarem outros sistemas aninhados, com igual ou diferente grau de complexidade.

Nesta perspectiva, em analogia com o processo de construção de um Modelo de Jogo, ou melhor, na Modelação de uma forma de jogar Específica, encontra-se igualmente uma vasta rede de relações em que as ideias do treinador não são mais fundamentais do que a cultura do clube, os princípios de jogo não são mais fundamentais do que os objectivos do clube e as organizações estruturais, entre outros agentes que se encontram em permanente inter-relação e que em conjunto são necessários para construir uma identidade colectiva.

Deste modo, fazendo a ponte com Garganta e Gréhaigne (1999), a modelação sistémica parece revelar-se extremamente proveitosa para defrontar fenómenos complexos como o jogo de Futebol, na medida em que nos encontramos na presença de um processo: (1) interactivo, visto que os jogadores que o constituem actuam numa relação de reciprocidade; (2) global

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ou total, porque o valor da equipa pode ser maior ou menor do que a soma dos valores individuais dos jogadores que a constituem; (3) complexo, já que existe uma abundância de relações entre os elementos em jogo; (4) organizado, porque a sua estrutura e funcionalidade se configuram tendo em conta as relações de cooperação e de oposição, estabelecidas no respeito por princípios e regras em função de finalidades e objectivos.

Por tudo que foi exposto anteriormente, concluímos que se uma equipa (e todo o seu processo de construção) é considerada um sistema, no qual existem redes de relações entre os vários agentes envolvidos, a abordagem sistémica aparenta ser a melhor solução para a modelar.

2.2.3. Modelo de Jogo – a noção de um fenómeno construído e