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A importância da Revolução Verde no “milagre econômico brasileiro”

No documento 2013Clovis Tadeu Alves (páginas 115-122)

4 OS IMPACTOS DA REVOLUÇÃO VERDE NA MESORREGIÃO NOROESTE DO

4.1 A importância da Revolução Verde no “milagre econômico brasileiro”

Após a saída de Juscelino Kubitschek do governo (janeiro de 1961), tem início uma grande crise econômica no país, principalmente em razão do constante aumento dos gastos públicos em razão do Plano de Metas. Após um período de intenso crescimento econômico, a economia brasileira entrou numa fase profunda de retração. A taxa de crescimento do produto real, que fora de 10,3% em 1961, baixou para 5,3% em 1962 e 1,5% em 1963. A taxa de inflação contida em 30,5% em 1960 passou a aumentar em ritmo acelerado: 47,7% em 1961, 51,3% em 1962 e 81,3% em 1963, chegando a 91,9% em 1964 (FURTADO, 2000). Seguindo a crise econômica, vê-se uma grande crise política e institucional, agravada pelo acirramento geopolítico internacional (Guerra Fria). Gremaud et al. (1997, p. 168-169) fornecem uma visão geral dos acontecimentos no país:

Além da crise econômica, no início dos anos 60, os governos populistas não conseguiam mais sufocar as manifestações e demandas sociais que eles próprios permitiram emergir. O conturbado quadro político-social que já deteriorava desde o segundo governo Vargas foi agravado depois da renuncia de Jânio Quadros. No período de governo de João Goulart, as posições se radicalizaram e os conflitos sociais se acirraram. Por um lado, as reivindicações pró-reformas de bases cresceram, buscando essencialmente medidas que alterassem o quadro da distribuição de renda e da propriedade no país e ampliassem os direitos de cidadania [...]. Por outro lado os setores conservadores da sociedade, insatisfeitos com o “descontrole social”, também se mobilizaram (a Marcha da Família por Deus e pela Liberdade) passaram a articular a trama golpista junto à cúpula militar (GREMAUD et al., 1997, p. 168-169).

Na análise de Gremaud et al. (1997), fica evidenciado o clima de instabilidade política, social e econômica vivido pelo país no período que antecede o golpe militar. Por um lado, a crescente demanda por mais direitos sociais e distribuição de renda contrastava com a exasperação dos setores conservadores, gerando o inevitável choque entre essas perspectivas.

A mobilização desses setores antagônicos no país, somados o acirramento da Guerra Fria como a crise dos mísseis em Cuba e o assassinato do presidente americano Kennedy, desencadeou o golpe militar e o consequente início de um longo período de ditadura militar no Brasil. O governo militar, tentando resolver os problemas econômicos, criou, ainda em 1964, o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg), visando acelerar o ritmo de crescimento do país e conter progressivamente a inflação (FURTADO, 2000). É interessante observar que João Goulart foi retirado do governo, dentre outras coisas, por defender as assim chamadas “Reformas de Base” (agrária, tributária, eleitoral e universitária), e foi dentro de certos limites ideológicos, políticos e econômicos que o governo militar fez ao assumir o governo ditatorial. Foram feitas as reformas fiscal, financeira, tributária, monetária, além da criação do Banco Nacional de Habitação e um esboço de reforma agrária com o Estatuto da Terra.

Apesar de o governo militar ser considerado um retrocesso, em termos sociais, pela falta de democracia e práticas democrática como um todo, em termos econômicos foi, sem dúvida, um dos mais marcantes na história econômica brasileira. Justamente no governo militar o país passou por um período de elevado crescimento econômico, conhecido como o “milagre econômico brasileiro”. Para Veloso et al. (2008, p. 222), embora o período tenha sido amplamente estudado, não existe um consenso na literatura sobre os determinantes do “milagre”.

[...] As interpretações encontradas na literatura podem ser agrupadas em três grandes linhas. A primeira linha de interpretação enfatiza a importância da política econômica do período, com destaque para as políticas monetária e creditícia expansionistas e os incentivos às exportações. Uma segunda vertente atribui grande parte do “milagre” ao ambiente externo favorável, devido à grande expansão da economia internacional, melhoria dos termos de troca e crédito externo farto e barato. Já uma terceira linha de interpretação credita grande parte do “milagre” às reformas institucionais do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) do Governo Castello Branco (1964-1967), em particular às reformas fiscais/tributárias e financeira, que teriam criado as condições para a aceleração subsequente do crescimento (VELOSO et al., 2008, p. 222).

As causas do milagre econômico não são o objetivo principal deste trabalho. Entretanto, sabendo que a agricultura é importante para o desenvolvimento econômico, fica evidente a importância da Revolução Verde para o período. Uma medida importante para o fortalecimento agrícola brasileiro foi a institucionalização do crédito rural, em 1965, com o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Este surgiu junto com a reforma, promovida pelo

governo militar no sistema financeiro nacional, e era entendido como um dos alicerces da política agrícola brasileira, consistindo num dos principais instrumentos de apoio ao setor (RAMOS; MARTHA JR, 2010). Para Bacha (2004, p. 62), a política de crédito rural pode ser definida como um “mecanismo de concessão de crédito à agropecuária a taxas de juros e condições de pagamentos diferentes das vigentes no mercado livre”. Tentando diferenciar as taxas cobradas dos produtores rurais com as demais taxas do mercado, o governo militar seguiu e aprofundou, nas décadas de 1960 e 1970, a tradição de intervenção governamental na agricultura brasileira, intervindo

[...] fortemente no setor agrícola, sobretudo com o objetivo de moderniza-lo e expandir a fronteira agrícola por meio do crescimento da produção de grãos. A oferta de crédito, a taxas de juros subsidiadas, fez com o

instrumento se transformasse no vetor da modernização da agricultura nacional, articulando toda uma cadeia de atividades. Em torno do crédito

rural, gravitavam as atividades de assistência técnica, pesquisa agropecuária, seguro, armazenagem e todo um conjunto de ações ligadas a agroindustrialização das matérias-primas do campo (BELIK; PAULILLO apud RAMOS; MARTHA JR, 2010, p. 10 - grifo nosso).

Realmente, como colaboram Belik e Paulillo, a oferta de crédito transformou-se em vetor da modernização agrícola, entendida posteriormente como a Revolução Verde. Esta possibilitou ao produtor rural adquirir a tecnologia ofertada desde a década 1950, essencial para o aumento da produção agrícola brasileira. O SNCR tinha a finalidade principal: “Financiar a produção agrícola, estimular a formação de capital, proporcionar a modernização da agropecuária pela aquisição de insumos modernos e beneficiar principalmente os pequenos e médios produtores” (RAMOS; MARTHA JR, 2010, p. 14). O crédito rural, agora fortalecido, contava com o orçamento da União como fonte oficial de recursos, permitindo a oferta de crédito sem o impacto inflacionário. Contava também com a inclusão de bancos privados no novo sistema de crédito (COELHO, 2001, p. 21). O crédito rural fechou um ciclo no desenvolvimento rural brasileiro. O país agora já possuía uma ampla estrutura de instituições voltadas para a modernização agrícola, que possibilitaria um acelerado desenvolvimento no setor. Outro fator importante foi a assistência rural através da extensão rural, formulada pelo governo com a participação da Fundação Rockefeller, que atuava em todo o país e auxiliava na obtenção de crédito pelo produtor rural.

A Figura 8 mostra a dimensão do dispêndio em crédito rural no Brasil com os dados do Banco Central em valores de 2009, podendo avaliar-se melhor a política de crédito rural do governo militar. Os dados atualizados indicam um dispêndio na casa dos bilhões de reais, iniciando em 1969 com um gasto de R$ 26.303.844.771, montante que sofre uma rápida expansão e atinge seu ápice em 1979, com R$ 132.610.010.328. O aumento no dispêndio de crédito agrícola no Brasil coincidiu com o período no milagre econômico, especialmente com a consolidação do modelo da Revolução Verde.

Fonte: Banco Central do Brasil.

Figura 8 - Crédito agrícola no Brasil

Com o rápido crescimento econômico, mais do que nunca a agricultura era exigida para o fornecimento de alimentos e matéria-prima para a indústria e para os centros urbanos. Para não se repetir a crise do abastecimento que o país sofrera em 1962, segundo Coelho (2001) foi um desdobramento da política negligente com a produção agrícola, principalmente na produção de grãos, emitindo “inclusive sinais contrários, como a fixação [durante a maior parte da década de 1950], de preços mínimos bem abaixo dos preços de mercado” (COELHO, 2001, p. 12). Esse fator consorciado com o processo de urbanização, desencadeado pela própria política desenvolvimentista, culminou com a crise de abastecimento de 1962, tentando a resolução e a não recorrência de uma crise de abastecimento que o fortalecimento macroeconômico da agricultura foi implementado no governo militar.

Para Nicholls e Paiva (1979, p. 162), no novo regime o desenrolar dos acontecimentos para o fortalecimento macroeconômico da agricultura brasileira era

[...] parte da estratégia geral no sentido de devolver ao sistema de preços e aos mercados um papel apropriado na alocação de recursos, as distorções e os desincentivos que flagelaram a agricultura no início da década de 60 foram em parte removidos. A modernização da agricultura foi enfatizada. Grandes somas de crédito subsidiados foram aplicadas na compra de insumos “modernos”, tais como sementes melhoradas, fertilizantes e máquinas. A produção de algumas culturas foi estimulada através de empréstimos com juros baixos para custos operacionais e despesas dos investimentos. O serviço de extensão agrícola tornou-se federal e sua rede foi ampliada; além disso, aumentou muito o número de estatísticas atualizadas sobre produção e preços agrícolas. A pesquisa agrícola foi sendo melhorada aos poucos. E, mais importante, a extensão das estradas asfaltadas no Brasil aumentou mais de três vezes durante a década de 60. Os programas de preços mínimos expandiram-se moderadamente, dentro das limitações impostas pelo objetivo parcialmente conflitante de controle da inflação (NICHOLLS; PAIVA, 1979, p. 162).

Percebe-se, pelo que colaboram Nicholls e Paiva (1979, p. 162), que no decorrer da década de 1960 houve uma tendência convergente das políticas do governo militar para com a modernização da agricultura brasileira, reforçando setores auxiliares importantes, como a pesquisa, a extensão e a infraestrutura. A estratégia adotada pelo governo militar era o fortalecimento da agricultura e do modelo agrícola da Revolução Verde, que vinha ao encontro dos objetivos do novo governo; por isso, apesar de não ser explicitamente citado por Nicholls e Paiva (1979), é visível o direcionamento do governo em fortalecer essas bases. Portanto, o governo militar considerava a Revolução Verde extremamente importante, justamente nesse momento que o modelo se consolidou e ganhou a forma do agronegócio existente no país, atualmente sendo extremamente importante para o milagre econômico brasileiro.

A partir do governo militar, o setor agrícola não seria mais visto como um mero coadjuvante no desenvolvimento econômico, tanto pela corrente estruturalista como pela corrente ortodoxa. Ambas agora viam a agricultura como um setor dinâmico que forneceria divisas e mão de obra necessária para a construção e o funcionamento do parque industrial brasileiro (COELHO, 2001). As políticas qualitativas (ver cap. 3) implementadas pelo governo, juntamente com as instituições filantrópicas americanas, abriram caminho para a Revolução Verde no Brasil. Assim, no início da década de 1960, com a forte política quantitativa do governo militar, representada pela expansão do crédito agrícola e por um novo sistema de preços mínimos, o país, munido com a nova tecnologia agrícola, abriu novas áreas

produtivas e estava se tornando um grande produtor de grãos, afastando definitivamente o medo de outra crise de abastecimento na agricultura brasileira.

Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/

Figura 9 - Evolução da produção de arroz, milho e trigo no Brasil

A Figura 9 mostra a melhora nos dados produtivos agrícolas brasileiros de três cereais essenciais para a alimentação humana, algo importante para sustentar o crescimento econômico e urbanístico do país nas décadas de 1960 e 1970. Observa-se que houve um aumento produtivo especialmente a partir da década de 1960, coincidindo com o período apontado, a Revolução Verde no Brasil. De 1960 a 1980 nota-se um impressionante aumento da taxa de crescimento da produção agrícola dos três cereais identificados na figura. O arroz teve uma taxa de crescimento na produção de 7,54% a.a.,66 em média; o milho, 5,48% a.a., em média; o trigo, a impressionante taxa de 14,98% a.a., em média. O avanço produtivo nas décadas de 1960 e 1970 foi consequência dos desdobramentos das políticas agrícolas da década de 1950, especialmente os acordos feitos pelo governo brasileiro com a Fundação Rockefeller. Esses possibilitaram a massiva entrada de tecnologia agrícola no país, junto com a criação de mecanismos de disseminação tecnológica, como a extensão rural, os Clubes 4-S e a distribuição de bolsas de pesquisas para acadêmicos brasileiros em instituições norte- americanas. Agora, no governo militar, nacionalizavam e ampliavam-se esses mecanismos, criando um sistema nacional de pesquisa e extensão rural, objetivando levar a modernização

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Calculada a média da taxa de crescimento da produção de arroz, milho e trigo, a partir da das taxas anuais do período de 1960 a 1980.

agrícola já iniciada na mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul para toda a agricultura brasileira.

De acordo com os dados referendados no parágrafo anterior, tem-se a dimensão do grande sucesso produtivo que a Revolução Verde trouxe para a agricultura brasileira. No entanto, analisando melhor o acentuado crescimento produtivo, verifica-se que se deu mais pelo aumento da área cultivada do que pelo aumento da produtividade, ou seja, a produtividade média no período da Revolução Verde ficou muito semelhante ao do período anterior, onde o pacote tecnológico ainda não estava disponível. A Tabela 5 mostra que a produtividade média das décadas anteriores à Revolução Verde no Brasil nas culturas de arroz, milho e trigo é muito similar à produtividade alcançada nas décadas posteriores.

Tabela 5 - Produtividade de arroz, milho e trigo no Brasil

Arroz Milho Trigo

Período Década Produtividade* Produtividade* Produtividade*

Anterior à Revolução Verde 1930 1,43 1,40 0,88 1940 1,58 1,27 0,72 Posterior à Revolução Verde 1950 1,52 1,24 0,73 1960 1,56 1,31 0,77 1970 1,46 1,44 0,84 Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/.

* Produtividade media da década, obtida através da divisão da Quantidade Produzida com a Área plantada

anualmente.

Observando a Figura 9 e a Tabela 5 conjuntamente, percebe-se que a Revolução Verde atuou no sentido de aumentar a área agrícola brasileira; contudo, se a produção aumentou significativamente no país (Figura 9), a produtividade nos cultivares analisados permaneceu igual no período (Tabela 5). Então, é obvio que o que aumentou foi a área cultivada, muito embora o aumento deva-se à adoção da tecnologia da Revolução Verde, como a adubação química e a mecanização agrícola. A adubação química possibilitou a utilização de terras antes impróprias para o cultivo, seja por estarem exauridas, seja por não terem um manejo adequado (como exemplo têm-se os solos ácidos da mesorregião Noroeste, que aumentaram a sua produtividade com um trabalho de correção de PH). A mecanização revolucionou praticamente a relação do produtor com a terra. A agricultura agora se apoiava no trator, que possibilitava a maximização dos fatores de produção. Exemplo nesse sentido é a potencialidade do trabalhador rural; onde antes eram necessários vários trabalhadores para preparar a terra durante dias seguidos, numa área relativamente pequena, agora, um

trabalhador mecanizado faz o mesmo trabalho num período menor, numa área muito maior, com a possibilidade de explorar áreas anteriormente ocupadas com pastagens e matas. Confirma-se, assim, o que os autores, como Brum (1983), Colby, Dennett (1998), Olinger (1996) e Oliveira (1999), disseram: a Revolução Verde foi, na realidade, uma forma de criar novos mercados para a tecnologia agrícola desenvolvida por empresas associadas à Fundação Rockefeller. Confirma-se também a hipótese levantada por Colby e Dennett (1998), no livro

Seja feita a vossa vontade. A conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade do petróleo, onde o projeto da Revolução Verde, pretendido pela Fundação Rockefeller

para o Brasil, é demonstrado como um plano de colonização de áreas do estado do Paraná (oeste paranaense), das regiões Centro-Oeste e Norte do país.

No documento 2013Clovis Tadeu Alves (páginas 115-122)