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A região, o governo e a Revolução Verde

No documento 2013Clovis Tadeu Alves (páginas 71-76)

O método empregado para a implantação da Revolução Verde em determinado país, de um modo geral, era um convênio assinado pelo país recebedor do pacote tecnológico, como as instituições filantrópicas americanas, em especial a Fundação Rockefeller, para a execução de um programa de filantropia de larga escala, ficando a instituição filantrópica responsável por todo o projeto e sua execução. No Brasil, em especial na agricultura gaúcha, apesar do apoio das instituições filantrópicas americanas, principalmente no que concerne à extensão rural e à distribuição de bolsas de graduação e pós-graduação em universidades norte-americanas, foi o governo que atuou como agente financiador e fiador da Revolução Verde. O governo brasileiro exerceu o papel normalmente desempenhado pelas fundações filantrópicas, mas, mesmo assim, verificou-se a presença de empresas ligadas, na época, ao grupo Rockefeller, atuando na agropecuária brasileira, como a Agroceres (semente), a Cargil (comercialização e fabricação de rações), a American Coffer (comercialização do café), a EMA (empreendimentos agrícolas). Todas tinham posição estratégica e dominavam os seus segmentos de mercado.

O processo de implantação da Revolução Verde no Brasil confunde-se com o de modernização agrícola do Rio Grande do Sul. Portanto, se a modernização agrícola no Brasil

foi um subproduto do processo desenvolvimentista de substituição das exportações, a modernização agrícola gaúcha foi o produto principal resultante desse processo. A Revolução Verde veio resolver uma complicada equação para o país, destravando o fornecimento de matéria-prima para a indústria em expansão, junto com o fornecimento de gêneros alimentícios para um país cada vez mais urbano. O país necessitava da produção em larga escala de variedades agrícolas normalmente relacionadas à agricultura de clima temperado, e a Revolução Verde necessitava de uma região onde sua tecnologia agrícola pudesse ser mais bem aproveitada. Tentando resolver essa equação, o governo brasileiro passou a incentivar a agricultura gaúcha, com isso levando o desenvolvimento da agricultura numa grande e importante região do estado.

Assim, o início da produção em larga escala de cultivares da agricultura de clima temperado no Rio Grande do Sul provocou a mudança na base produtiva da agricultura brasileira. Nesse sentido, autores, como Brum41 (1983), Rückert42 (2003), Albuquerque e Silva43 (2008), são unânimes em afirmar que a modernização da agricultura brasileira teve início no Planalto Médio gaúcho com o trigo (início da implantação do modelo Revolução Verde) e a soja (afirmação e consolidação do modelo da Revolução Verde). Observando as opiniões desses autores, e no intuito de especificar a região onde o processo ocorreu e melhor delimitar geograficamente a região estudada, definiu-se por utilizar a mesorregião Noroeste44 do Rio Grande do Sul. A necessidade de melhor definir o espaço geográfico em questão se deve em razão das características da alocação de recursos e da determinação de forma “oficial” para o levantamento e futura interpretação dos dados estatísticos utilizados nesta obra; pois os dados de órgãos governamentais (IBGE, IPEIA) sobre a produção, a população, a área ou do PIB são relativos à mesorregião Noroeste e não sobre o Planalto Médio gaúcho.

A grande mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul, em destaque na Figura 1, compreende, além do Planalto Médio, a região do Alto Uruguai, parte da região Centro-Serra, a região do Médio Alto Uruguai, as Missões e o Noroeste Colonial. É formada pelas

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O livro Modernização da agricultura no planalto gaúcho, de Argemiro Jacob Brum, trata da modernização agrícola na região.

42 O livro Metamorfoses do território: a agricultura de trigo/soja no Planalto Médio rio-grandense de 1930-

1990, de Aldomar A. Rückert, trata da modernização agrícola na região.

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O livro Agricultura tropical: quatro décadas de inovações tecnológicas, institucionais e políticas, de Ana Cristina Albuquerque e Aliomar Gabriel da Silva, trata da expansão da agricultura de clima temperado no Brasil, um país tropical.

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A divisão regional do Brasil em mesorregiões, partindo de determinações mais amplas em nível conjuntural, buscou identificar áreas individualizadas em cada uma das unidades federadas, tomadas como universo de análise e definiu as mesorregiões com base nas seguintes dimensões: o processo social como determinante, o quadro natural como condicionante e a rede de comunicação e de lugares como elemento da articulação espacial (IBGE, 2012).

microrregiões de Carazinho, Cerro Largo, Cruz Alta, Erechim, Frederico Westphalen, Ijuí, Passo Fundo, Sananduva, Santa Rosa, Santo Ângelo, Soledade e Três Passos. Segundo os dados do IBGE45 (2008), a mesorregião Noroeste possui uma área de 69.625,8 km2, representando 25,90% do território do estado. Possui uma população, segundo o IBGE (2008), de 2.030.612 pessoas, que representam 18,99% do contingente populacional do estado. Está dividida em 223 municípios, com um PIB de R$ 20.634.904.246,00 resultando num PIB per capita, em média, de R$ 8.592,25, abrangendo a principal região produtiva do estado e transformando-se, a partir da década de 1950, numa das principais regiões de produção agrícola do país.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:RioGrandedoSul_Meso_NoroesteRioGrandense.svg Figura 1 - Mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul

A mesorregião em questão passou de forma pioneira e de exemplo para a implantação do modelo em outras regiões do país por um processo de modernização agrícola que teve início na década de 1930, impulsionado pelo direcionamento forçado da economia brasileira para a industrialização.46 Sua localização climática, inserida na região Sul do Brasil, única do

45 Estimativa da população 2008 e PIB dos municípios de 2005. Publicados no Diário Oficial da União em

1º/7/2008.

46 A industrialização do país aumentou a concentração nas cidades e, consequentemente, a demanda por

alimentos, produtos em que a agricultura brasileira não conseguia produzir em larga escala até esse momento, em razão, sobretudo, de problemas tecnológicos e climáticos. Nesse ponto é que a agricultura da região Sul do

país com clima temperado,47 possibilitou o desenvolvimento agrícola em larga escala, baseado nas cultivares oriundas desse clima. Possui ainda uma grande área com relevo de planalto, com leves ondulações, ideais para a moderna prática agrícola, com o uso intensivo da mecanização como propunha a Revolução Verde. Nesse sentido, em razão dos condicionantes naturais,48 impossibilitada de produzir em larga escala café e cana-de-açúcar, como o restante da agricultura “tropical” brasileira, a mesorregião apoiou-se nas culturas do trigo, milho e, posteriormente, soja para, assim, desenvolver sua agricultura. Nota-se que a mesorregião Noroeste não possuía os condicionantes naturais para produzir as variedades da agricultura de clima tropical, mas possuía todos os condicionantes para produzir as cultivares da agricultura de clima temperado. Isso possibilitou o desenvolvimento agrícola de uma forma totalmente diferente do praticado no restante do país até então.

A importância da mesorregião Noroeste está no fato de a mesma vivenciar todo o processo de implantação da Revolução Verde, desde o início da “especialização” produtiva, nas décadas de 1930, 1940 e 1950, até a “explosão” produtiva, nas décadas de 1960 e 1970. Foi a região que sofreu as maiores transformações e uma das únicas que vivenciou o início do processo de transformação agrícola (décadas de 1930, 1940 e 1950), promovidas pela intervenção estatal na agricultura brasileira. O governo foi ao mesmo tempo financiador e fiador do modelo da Revolução Verde, foi um ator central, atuou como fomentador, e disso resultaram o desenvolvimento e a modernização da agricultura mesorregional. Assim, na opinião de Gonçalves e Teixeira (2009, p. 105), a intervenção do Estado nas políticas agrícolas

[...] aparece como ação de um agente salvador, ou mesmo amenizador de certas “dificuldades”, que alguns setores têm de participar do mercado, ou ainda como um regulador, que procura controlar as imperfeições que poderiam causar maiores danos. Um agente que aparece como “neutro” sem maiores vínculos com esses setores, realiza o discurso de que com esse apoio haverá um desenvolvimento econômico que será benéfico para todos.

país entrava com força, pois detinha os condicionantes agrícolas para a produção de larga escala de alimentos e uma população crescente com habilidade para isso.

47 Utilizando-se de critérios multidimensionais e de maior precisão, verifica-se que a área de clima temperado do

Brasil situa-se entre os paralelos 23º30’ Sul e 33º45’ Sul, envolvendo os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e centro-sul do Paraná (EMBRAPA CLIMA TEMPERADO, 2000).

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Geografia agrária denominada de fatores condicionantes para a agricultura, os fatores que condicionam a atividade agrícola numa determinada área. Existem dois tipos de condicionantes agrícolas: os naturais e os humanos. Os condicionantes naturais contribuem para facilitar ou dificultar a expansão da agricultura, sendo o clima, o relevo e os tipos de solo. Já o condicionante humano é essencial para a atividade agrícola, pois só o homem tem o poder de modificar os condicionantes naturais, desde que disponha de técnica e de capital para isso (ANDRADE, 1998). Os dois condicionantes juntos, apesar de parecerem simples, atuam de forma direta no desenvolvimento da agricultura.

A ação do “agente salvador” se deu pela intervenção nos mercados agrícolas, normalmente no mercado interno, criando regras e normas que direcionaram e estimularam a produção agrícola de um determinado produto. No que concerne à agricultura mesorregional, o governo atuou de forma ambígua, ora como “mão invisível” do mercado, direcionando para a produção de um determinado produto, ora tentando controlá-lo, com a determinação de preços mínimos. A intervenção governamental nos mercados agrícolas é conhecida como “política de subsídios”, mecanismo econômico pelo qual o governo acredita poder ajudar os agricultores, fornecendo um incentivo econômico maior do que aquele originário exclusivamente do mercado (MENDES, 1989). Para Delgado (2001, p. 22), de modo geral,

as razões a favor da intervenção do Estado na agricultura estão ligadas a particularidades existentes nesse setor que condicionam a atuação dos agentes econômicos e dos atores sociais, introduzindo imperfeições e falhas no funcionamento dos mercados gerando resultados que distorcem a distribuição intersetorial da renda e do emprego na economia, prejudicam o abastecimento alimentar doméstico e provocam consequências sociais e políticas indesejáveis do ponto de vista do bem-estar econômico e social [...].

A importância do governo no processo de modernização agrícola mesorregional e brasileira como um todo geralmente é relegada ao papel de sócio menor. Muitas vezes passa despercebido, sem se dar a devida importância e valor ao desempenho desse importante agente. Fazendo um exercício de “história contrafactual”,49 percebe-se que sem a presença do Estado dificilmente o desenvolvimento da agricultura se daria dessa forma na mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul. O trigo, produto que destacou, desenvolveu, capitalizou e modernizou a agricultura mesorregional, não teria o mesmo sucesso nas décadas de 1940 e 1950 se o governo brasileiro não tivesse criado um ferramental institucional para a sua promoção. Desse modo, o governo federal e estadual exerceram um importante papel na expansão e na modernização do setor agrícola mesorregional, atuando em todas as frentes como financiador com a política de crédito agrícola, como pesquisador com a criação de

49 A definição de contrafactual é a situação ou o evento que não aconteceu, mas que poderia ter acontecido. A

história contrafactual baseia seu pensamento numa situação possível, mas que não aconteceu. Por exemplo, “se alguém afirmar que a causa principal do declínio da ciência na França, em torno de 1830, foi a sua estrutura organizacional centralizada, então ele estará implicitamente afirmando que se tal estrutura tivesse sido transformada em uma estrutura mais descentralizada, como nos países germânicos, então a ciência francesa teria prosperado melhor” (PESSOA JR, 2010, p. 3). No caso da mesorregião Noroeste, a hipótese seria como aconteceria o desenvolvimento agrícola mesorregional sem a intervenção e os incentivos governamentais?

instituições de pesquisa e extensão rural, como incentivador com a política de subsídios. Sendo assim, o governo substituiu em parte o papel das fundações filantrópicas no desenvolvimento da Revolução Verde no Brasil e teve um papel determinante no início da especialização produtiva do trigo na mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul. Tendo este conceito em mente, pode-se dizer que o modelo da Revolução Verde, ou algo similar a ele, foi incentivado pelo governo brasileiro na mesorregião Noroeste a partir da década de 1930.

No documento 2013Clovis Tadeu Alves (páginas 71-76)