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4 UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL CONSTRUCIONISTA DA FANPAGE DA

4.1 A IMPORTÂNCIA DO ACESSO A BENS E INCLUSÃO DIGITAL PARA A

CLASSE

O conhecimento sobre as maneiras como as desigualdades de gênero se produzem e reproduzem é condição para que elas possam ser encaradas, através do vínculo entre os movimentos feministas e de mulheres, no Brasil, de organizações internacionais, acadêmicas e diversos atores sociais que vêm tentando construir a igualdade enquanto uma realidade.

No entanto, as vitórias obtidas no campo da igualdade de gênero, raça e classe, não podem velar os grandes desafios ainda estabelecidos. Assim, os indicadores sociais e os hábitos nacionais de mídia, disponibilizados através das pesquisas previamente mencionadas, permitem dimensionar as grandes distâncias que ainda separam determinados grupos em todas as esferas sociais.

A pesquisa sobre os hábitos nacionais de mídia “Pesquisa Brasileira de Mídia” – PBM (2016), da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, revela que o brasileiro passa de segunda-feira a sexta-feira, em média 4h44min por dia na internet. Nos fins de semana, o tempo médio é de 4h32min. Cumpre reparar que o tempo dedicado à rede mundial de computadores é maior que nas mídias eletrônicas tradicionais. O consumo médio diário da televisão, por exemplo, foi de 3h21min em dias de semana. Aos fins de semana, o tempo médio de consumo do meio foi maior do que o registrado de segunda a sexta-feira, com 3h39min.

A PBM (2016) confirma a importância da utilização da internet como recurso para obter informação, apesar de ainda buscarem nos meios tradicionais a validação

120 daquilo que veem. Dos entrevistados, 49% mencionaram em primeiro ou segundo lugar a rede mundial de computadores como meio para se informar mais sobre o que acontece no Brasil. É importante ressaltar que o percentual marca a ultrapassagem da internet sobre o rádio como segundo meio de informação preferencial, com 30%.

Outro aspecto importante é que o tempo médio dedicado à internet pode variar conforme a idade, a escolaridade e até a região. Nesse sentido, a PBM (2016) verifica que adolescentes e adultos jovens (16 a 24 anos) usam a rede durante a semana por 6h17min em média. O estrato que está na 5ª a 8ª série fica mais tempo conectado do que o estrato que estudou até a 4ª série, com 3h19min. Diferenças semelhantes foram observadas no fim de semana, sendo que na Região Centro-Oeste o tempo médio na rede é de 05h04min, significativamente superior ao tempo médio em todo Brasil, com 4h12min.

Observa-se que a concentração do acesso à internet no Brasil está entre os jovens com instrução e que, apesar de uma parcela representativa ainda não ter o acesso, os indivíduos que o têm utilizam de maneira constante e intensa. Logo, fatores sociais como escolaridade, faixa etária e classe social estão relacionados ao acesso à internet.

Apesar da PBM (2016) não apontar desproporcionalidades no acesso à internet entre gêneros, o “Dossiê de Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil” (IPEA, 2013), que usa também os dados obtidos na pesquisa “Retrato das Desigualdades de gênero e raça” (IPEA, 2011), detalham a estrutura dos domicílios no Brasil e permitem identificar diferenças de renda, facilidades de acesso a determinados bens e serviços e a relação entre distribuição de renda e capacidade de consumo.

Em termos de análise de gênero, a conquista de bens possui impacto sobre o progresso da chefia feminina nos lares e sobre a utilização do tempo das mulheres, ainda principais responsáveis pelos trabalhos domésticos. No que se refere à marginalização ligada ao gênero, o estudo da evolução do acesso a bens no panorama confrontado entre mulheres e homens possibilita encontrar o processo de manutenção ou de superação de tendências de hierarquia entre os gêneros, que surgem também nas dificuldades de acesso a bens pelas populações negras, sobretudo mulheres negras.

No ponto de vista racial, as dificuldades de acesso a bens e a exclusão digital repercutem nas desigualdades sociais que prejudicam a inclusão da população negra e sua participação como cidadã na sociedade brasileira contemporânea.

121 A análise dos dados em ambas as pesquisas realizadas pelo IPEA (2011, 2013) na perspectiva de gênero e raça corrobora com a abordagem interseccional, que se remete ao acúmulo, por um indivíduo, de diversas marcas de subordinação, a qual leva ao deterioramento de sua maneira de inclusão social. Dessa maneira, a inserção social perpassa três condicionantes que subordinam sua posição: ser mulher, ser negra e de baixa renda.

Os dados do “Retrato das Desigualdades de gênero e raça” (IPEA, 2011) evidenciam intensas divergência entre homens brancos e mulheres negras. A perseverança das desigualdades repercute no papel subordinado de mulheres negras e brancas e de homens negros na estrutura da sociedade nacional. No que concerne ao acesso a bens e à exclusão digital, é possível ratificar que o peso da raça, gênero e classe é decisivo no desenvolvimento ocupado pelos indivíduos.

Castells (1999) observa que, nas últimas décadas do século XX, a economia informacional, global e em rede se instituiu com uma nova ruptura de padrão nas sociedades capitalistas. Nessa economia, as habilidades dos sujeitos e das empresas de comunicar-se com pontos remotos e de produzir conteúdo informacional são as principais formas de gerar valor. O choque do valor da informação excede a questão econômica e influencia de modo direto as identidades culturais e a maneira de inserção social. O resultado do poder da comunicação em rede e do uso dos computadores da internet é a necessidade de proporcionar inclusão digital às populações, já que o acesso a informações e a produção de conteúdo digital por parte das pessoas estão diretamente associados às oportunidades de inserção social mais vasta. A rápida evolução desse formato de economia exige acelerados mecanismos para superar a exclusão digital, que se manifesta nas dificuldades de acesso ao computador e à internet; pelo analfabetismo digital, que normalmente coincide com a barreira do universo cultural dos sujeitos; e pela cristalização do status de consumidor ou produtor de conteúdo digital. No caso da população negra, a exclusão digital ressalta e perpetua as desigualdades encaradas e torna ainda mais difícil o acesso à educação de qualidade, a um emprego formal e às várias formas de sociabilidade disponibilizadas pela internet.

Sob a ótica do gênero, os dados de domicílios sem acesso a computador possuem a mesma tendência dos demais bens. O percentual de lares sem computador chefiados por mulheres é superior ao de domicílios chefiados por homens da mesma raça. Em 2001, 87,6% dos domicílios no Brasil não possuíam computador. Em 2009, esse número era de 65,4% (IPEA, 2011).

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Gráfico 2 – Domicílios sem acesso ao computador

Fonte: IPEA (2011).

Os domicílios sem computador chefiados por homens brancos eram de 81% em 2001. No mesmo ano, os lares sem computador chefiados por homens negros eram de 94,6%. Em 2009, os números avançaram para 54% e 75,1%, para chefias masculinas brancas e negras, concomitantemente (IPEA, 2011).

Entre os domicílios sem computador chefiados por mulheres, em 2001, 85% dos domicílios chefiados por mulheres brancas não possuíam computador. No mesmo ano, 95,3% dos lares chefiados por mulheres negras não tinham acesso a esse bem. Em 2009, a evolução da posse do bem para os lares chefiados por mulheres brancas foi de 23,7 p.p., o que implica 57,7% das casas sem computador. Para mulheres negras, a queda foi de 19 p.p. em relação a 2001, implicando um número de 76,3% de domicílios sem computador. Os lares chefiados por mulheres negras não só possuem uma maior dificuldade de acesso ao computador, mas também uma tendência mais devagar de mudança da situação de posse do bem (IPEA, 2011).

No confronto entre os dados de homens e mulheres, os números dos domicílios chefiados por mulheres brancas são inferiores que os de domicílios chefiados por

Homens brancos Homens brancos Homens negros Homens negros Mulheres brancas Mulheres brancas Mulheres negras Mulheres negras 2001 2009 2001 2009 2001 2009 2001 2009 81% 54% 94,60% 75,10% 85% 57,70% 95,30% 76,30%

Domicílios sem acesso ao computador

123 homens brancos. Porém, o número é superior quando se contrapõem os dados dos domicílios chefiados por mulheres brancas com os chefiados por mulheres e homens negros. No que se refere à exclusão digital, a gravidade das desigualdades fundamentadas na raça tem maior repercussão sobre o acesso. Consequentemente, mais uma vez, o acúmulo das desigualdades de raça e gênero torna ainda mais difícil o acesso a esses bens, remetendo à abordagem interseccional, que ajuda a identificar por meio de um modelo crítico as intersecções entre as diferenças e desigualdades, permitindo uma compreensão mais profunda sobre as relações de poder.

Assim, percebe-se que a estabilização da economia em meados da década 1990, e, nos anos 2000, que impulsionou o acesso aos bens duráveis, seja condição indispensável para o acesso à informação e ao conhecimento disponíveis, não acarreta obrigatoriamente na inclusão digital, uma vez que instrução e conhecimentos mínimos são essenciais para tanto. A diminuição das brechas digitais não será conseguida a partir do fornecimento do acesso se este não estiver assistido de um processo de formação de usuários, concentrado no sentido do seu preparo e motivação, tendo por pano de fundo a clareza e o dimensionamento da relação entre sujeito, informação e mediação tecnológica.

Apesar de a internet ter facilitado a criação de uma comunidade feminista na qual é possível propagar informações para um número maior de mulheres, é necessário desenvolver mecanismos para reduzir substancialmente a distância entre os estratos da população, principalmente no que de se refere a gênero, raça e classe.

4.2 UM OLHAR INTERSECCIONAL SOBRE RAÇA, CLASSE E IDENTIFICAÇÃO