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Os dados coletados no Capítulo 1 confirmam o avanço global em direção à igualdade de gênero nos campos da educação e da saúde, mas evidenciam a persistência de grandes hiatos quanto à participação das mulheres na economia e na política. A implementação dos compromissos humanitários, econômicos e ambientais que decorrem da Agenda 2030 demandam o fortalecimento de esforços estratégicos. No contexto traçado, o empoderamento econômico das mulheres insere-se como direito humano e pedra angular para a construção de economias dinâmicas, sustentáveis, inovadoras e centradas nas pessoas.122

A Comissão Econômica para a América Latina e o Carine das Nações Unidas relaciona quatro motivos pelos quais uma agenda de igualdade é inevitável. Primeiro, uma maior igualdade de direitos, oportunidades e bem-estar cria um maior sentimento de pertencimento à sociedade, aumentando, portanto, a coesão social. Segundo, uma sociedade deve se tornar mais integrada antes de se tornar mais produtiva e convergente em seus métodos de produção, criando condições para o florescimento de uma competitividade genuína. Terceiro, uma maior igualdade na esfera dos direitos sociais melhora a capacidade dos cidadãos de participação em organizações políticas e sindicais, de inserção no debate público e de defesa de seus direitos. Quarto, a experiência de crises anteriores na América Latina e no Caribe mostra que elas geralmente têm um impacto mais profundo e duradouro sobre a pobreza, bem-estar e inclusão social do que sobre o crescimento econômico dos países.123

A agenda de desenvolvimento da ONU reforça a necessidade de uma integração sistêmica da perspectiva de gênero em todas as políticas governamentais, o que naturalmente inclui a política comercial em todos os seus níveis (nacional, bilateral, regional e multilateral). A importância do comércio como meio de implementação de toda a Agenda 2030 é afirmada pelo ODS17, que atribui à Organização Mundial do Comércio (OMC) o mandato para atuar na promoção de um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo, (meta 17.10).

122 Organization for Economic Co-operation and Development. The Pursuit of Gender Equality: An Uphill Battle. 2017, p. 3. Disponível em: <dx.doi.org/10.1787/9789264281318-en>. Acesso em: 10 maio 2018.

123 Unites Nations Economic Commission for Latin America and the Caribbean. Time for equality: closing gaps, opening trails. 2010, p. 40-41. Disponível em: <https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/3066/ 1/S2010005_en.pdf>. Acesso em: 27 maio 2018.

O papel do comércio internacional como catalizador do crescimento econômico inclusivo e do desenvolvimento sustentável também é reconhecido pela Agenda de Ação de Adis Abeba. Com políticas de apoio adequadas, uma infraestrutura e uma força de trabalho instruída, o comércio pode contribuir para a promoção do emprego produtivo, do trabalho decente e para o empoderamento das mulheres.124

O comércio impacta o empoderamento econômico e o bem-estar das mulheres de diversas formas, alterando a distribuição de renda e de recursos, além de afetar os múltiplos papéis exercidos pelas mulheres como trabalhadoras, produtoras, consumidoras e contribuintes.125 As mudanças ocasionadas por uma nova política comercial ocorrem no contexto de estruturas econômicas e institucionais que são moldadas pelo viés do gênero. Dessa premissa resultam duas implicações: a primeira delas é que os resultados distributivos do comércio variam de acordo com o gênero, e a segunda é que as desigualdades de gênero tendem a afetar a competitividade e o desempenho comercial desejado pelos países.

A capacidade produtiva inadequada, o acesso restrito a informações e mercados, a disponibilidade limitada de recursos produtivos e de crédito, e a infraestrutura deficiente costumam ser apontados para justificar o fato de o desempenho comercial de um país não atingir os resultados pretendidos por sua política comercial. Todos esses fatores são influenciados pelas desigualdades de gênero.126

Reconhecendo a necessidade de equilibrar as relações entre comércio e gênero, os Membros da OMC, reunidos na XI Conferência Ministerial, realizada na cidade de Buenos Aires, em 2017, acordaram em incorporar uma perspectiva de gênero em suas políticas comerciais. Essa decisão conjunta ocorre em meio às negociações sobre a Agenda de Doha para o Desenvolvimento e expressa o consenso de que não é possível tratar o comércio de forma isolada, sem considerar os impactos relacionados ao desenvolvimento dos países e a realização dos direitos humanos de todas as pessoas.

124 No original: “International trade is an engine for inclusive economic growth and poverty reduction, and

contributes to the promotion of sustainable development. We will continue to promote a universal, rules-based, open, transparent, predictable, inclusive, non-discriminatory and equitable multilateral trading system under the World Trade Organization (WTO), as well as meaningful trade liberalization. Such a trading system encourages long-term investment in productive capacities. With appropriate supporting policies, infrastructure and an educated work force, trade can also help to promote productive employment and decent work, women’s empowerment and food security, as well as a reduction in inequality, and contribute to achieving the sustainable development goal” (Parágrafo 79).

125 United Nations Conference on Trade and Development. The trade and gender debate: Concepts, definitions and analytical frameworks. 2018, p. 22. Module 1 of the course on Trade and Gender.

A aproximação necessária entre direitos humanos e comércio internacional para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres exige uma maior integração e coerência entre as ações adotadas pelas Organizações Multilaterais. Por isso a opção de retratar algumas das iniciativas adotadas pela ONU e pela OMC para promover o empoderamento econômico das mulheres. O intuito é fornecer as bases necessárias para aprofundar a discussão em torno da elaboração de uma Agenda sobre Comércio e Gênero para o Brasil, considerando a influência exercida pelo direito internacional no processo de empoderamento econômico das mulheres.

Antes, porém, é necessário definir alguns termos que serão abordados nas próximas linhas. “Comércio” refere-se ao fluxo de bens e serviços, ou a troca de bens e serviços; “Política comercial” refere-se a leis, regulamentos e requisitos que afetam o comércio, incluindo mudanças nas tarifas e medidas não-tarifárias; “Liberalização comercial” indica a redução ou remoção das barreiras comerciais, na forma de medidas tarifárias e não tarifárias, sendo uma das opções disponíveis para a formulação de políticas comerciais, em oposição ao protecionismo comercial, podendo resultar de acordos bilaterais, regionais e multilaterais ou ainda de uma postura individual dos Países; “Desempenho comercial” é medido em termos de fluxos de exportação – um País melhora o seu desempenho comercial quando experimenta um aumento na quantidade de exportações, que pode resultar de uma redução das barreiras comerciais impostas por um parceiro comercial ou de uma estratégia de crescimento liderada pelo próprio País.127