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CAPÍTULO I – O Contexto da Rebelião Praieira

1.3. A imprensa praieira

A presença marcante da imprensa na divulgação dos ideais da Praia desde o seu nascimento é a razão de nosso interesse por esse movimento rebelde em particular. Os praieiros tinham seus próprios jornais, por meio dos quais difundiam suas idéias: eram antilusitanos, pregavam o voto livre, a liberdade de imprensa, o trabalho com garantia de vida para os brasileiros, o comércio a retalho para os brasileiros, a extinção do poder moderador etc. No entanto, não é exatamente a história do movimento que nos interessa, e sim os discursos gerados pela recente imprensa brasileira nesse ambiente de disputa política: suas práticas lingüístico- discursivas na construção das identidades sociais, suas manifestações ideológicas, enfim, sua constituição discursiva num período de extrema relevância na disseminação da escrita, com a consolidação da imprensa, e num suporte de gêneros textuais do século XIX ainda pouco investigado: o jornal.

Sobre a relação da imprensa do século XIX com as rebeliões da mesma época, especialmente com a Revolta Praieira, assinala Sodré (1999, p. 130) que:

O setor mais importante da imprensa da época viria a ser, com as rebeliões, o que estava ligado, nas províncias, aos movimentos que nelas surgiram. Guardando cada um características regionais ou locais, revelavam, como traço geral, a resistência ao regresso conservador que

modelaria o segundo Império. Se, em cada uma das províncias conflagradas, a imprensa local denunciou os aspectos fundamentais das lutas políticas e nelas influiu, parece inequívoco que a imprensa pernambucana, quando da revolução Praieira, foi aquela que melhor citou e refletiu os traços gerais da época. [...]. É surpreendente que a história desses movimentos de rebeldia não tenha aproveitado, até agora, e via de regra, esse material informativo extraordinariamente rico e esclarecedor – os dos jornais.

No mesmo sentido de Sodré (1999), informa Segismundo (1949, p. 61) que foi dos

mais importantes o papel da imprensa na preparação e no desenvolvimento do conflito. Expondo ao povo, a verdadeira situação da província – face ao comércio português a ao poderio dos Cavalcantis. [...].

Dentre os jornais responsáveis pela exposição da verdadeira situação da província está o Diario Novo4, considerado um ícone na representação dos ideais praieiros. Fundado em 1842, mesmo ano da fundação do Partido da praia, o jornal ganha esse nome em oposição ao Diario de Pernambuco, chamado pelos líderes da Praia de

diario velho por representar “a voz” dos conservadores, dos senhores de engenho,

dos barões, das poderosas famílias Cavalcanti e Rego Barros que concentravam o poder econômico em Pernambuco.

Muitos outros impressos foram lançados em defesa do movimento praieiro e em oposição a ele. O ambiente de acirrada disputa política entre os dois partidos em Pernambuco – o Partido da Ordem, representando os Cavalcanti-Rego Barros, e o Partido Liberal, os praieiros – favorecia a agitação da imprensa. O Diario de

Pernambuco, por exemplo, que já existia desde 1825, era um dos maiores opositores

dos liberais. Com perfil ideológico bastante conservador, foi apelidado de forma pejorativa pelo Diario Novo, seu maior opositor: O Rolha, Diário dos Portugueses e jornal luso-guabirú são algumas das denominações com que o principal órgão da Praia se dirigia ao Diario de Pernambuco. (Segismundo, 1949, p. 42). Além do

Diario de Pernambuco, Sodré (1999) cita os jornais O Lidador e A União, como dois

4 O Diario Novo, desde a sua fundação em 1842, contou com a colaboração do soldado, escritor,

importantes órgãos da imprensa baronista. Segundo Segismundo (1949), a imprensa gabiru contava ainda com a participação secundária de outras folhas, a exemplo de O

Artilheiro e O Correio da Tarde. De acordo com o autor, todos esses impressos

combatiam arduamente as idéias dos praieiros, denunciavam suas atitudes antilusitanas e chegaram a sugerir que as autoridades seqüestrassem as tipografias dos praieiros que, na sua visão, eram verdadeiros instrumentos de guerra civil. (Segismundo, 1949, p. 68)

Por outro lado, a imprensa praieira também não contava apenas com o Diario Novo. Outros periódicos surgiram em defesa das idéias da Praia. Dentre eles A Voz do

Brasil, dirigida pelo elevado praieiro Inácio Bento de Loiola, O Nazareno,

comandado por Borges da Fonseca, A Guarda Nacional, editada pelo deputado Jerônimo Vilela de Castro Tavares e ainda O Praieiro e O Foguete. Esses três últimos jornais (A Guarda Nacional, O Praieiro e O Foguete) eram impressos nas oficinas do Diario Novo, cujo proprietário era Luiz Inácio de Abreu e Lima, que ficou conhecido pela identidade de Luiz Inácio Ribeiro Roma. (Segismundo, 1949, p. 65). As oficinas do Diario Novo, instaladas na Rua da Praia, parecem mesmo ser responsáveis pelo fomento dos princípios praieiros, e o nome dado ao movimento é um atestado de reconhecimento do relevante papel que cumpria a imprensa junto aos rebeldes. Além disso, é preciso destacar a regularidade das publicações e a resistência do Diario Novo. Como diz Sodré (1999, p. 147),

a Terrível luta do Diário Novo contra a opressão e o cerceamento da liberdade de imprensa constitui dos mais significatvos e dignificantes exemplos que a história do periodismo brasileiro registra.

Diante do exposto, parece mesmo inegável que a imprensa da primeira metade do século XIX pode nos oferecer informações valiosas em diversas áreas: história, história da imprensa, filosofia etc. No que diz respeito ao campo da Lingüística, interessam-nos as práticas discursivas, que são aqui observadas como não-naturais, comprometidas ideologicamente e imbricadas com as estruturas sociopolíticas vigentes.

Para a investigação dessas práticas discursivas, adotamos alguns procedimentos metodológicos que são expostos no capítulo que se segue. Também esclarecemos a seguir as fontes de nossa pesquisa bem como a distribuição do corpus.