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Nas palavras finais deste trabalho, julgamos relevante voltar ao começo. E comecemos, pois, pelo que nos levou a esta pesquisa: a Rebelião Praieira, um movimento ocorrido em Pernambuco na primeira metade do século XIX e noticiado por toda imprensa nacional. Assim, incialmente, discorremos sobre o contexto em que surgiu esse movimento, a formação do Partido da Praia, com sua imprensa, e principalemte a disputa político-ideológica travada entre os praieiros e a oligarquia que governava Pernambuco, representada pelas famílias Rego Barros e Cavalcanti, cujos membros foram alcunhados de gabirus. Essa luta foi amplamente divulgada pelos jornais produzidos por ambos os grupos.

Influenciados pelo pensamento Iluminista que predominava na Europa, os praieiros pregavam, entre outros pontos, o voto livre e universal, a liberdade de imprensa e, especialmente, o comércio a retalho só para os brasileiros. Este último ponto foi certamente motivado pelo forte sentimento lusofóbico predominante na sociedade da época, chegando, inclusive, a influenciar a literatura romântica brasileira.

É nesse contexto que os jornais da época serviram de palco a essas reivindicações, bem como à disputa política pelo poder em Pernambuco. Ambos os grupos, praieiros e gabirus, tinham nas mãos o poder da imprensa, além de se revesarem no poder político. Desse fato, portanto, advêm muitas das características observadas nessa pesquisa, tais como as afirmações categóricas, o comentário jocoso e a ironia, que, como foi exposto, não particulariza nenhum dos grupos.

No tocante à fundamentação teórica, tomamos como principal fonte os postulados da Análise Crítica do Discurso (ACD), que compreende o discurso como língua em

ação, como prática social de sujeitos ativos nas escolhas discursivas

(FAIRCLOUGH, 2001; CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 2002). Acrescentamos, ainda, algumas constribuições de teóricos da corrente francesa de análise do discurso (AD), tais como Maingueneau e Benveniste.

Também expusemos em nosso trabalho um breve itinerário sobre as noções de ideologia, mas não adotamos aqui a perspectiva de falsa crença ou de que a ideologia aparece apenas em alguns domínios discursivos. Para nós, todo discurso é ideológico e é na ação das escolhas lingüístico-discursivas que os sujeitos dão materialidade às suas formações ideológicas. Fundamental em nossa pesquisa foi, também, a visão de Van Dijk (1997; 2003) ao postular que as ideologas são contextuais, variando em função dos interesses e objetivos dos sujeitos.

As escolhas, juntamente com o viés ideológico que elas materializam, são responsáveis pela construção do ethos, das identidades dos sujeitos e das imagens sobre as coisas do mundo. Sobre esse fenômeno, tomamos de empréstimo o que assinala Amossy (2005, p. 9), para quem todo ato de tomar a palavra implica a

construção de uma imagem de si, bem como a noção de quadro figurativo

apresentado por Benveniste, pois a construção das imagens sociais dos praieiros considera, indiscutivelmente, o que pensa e o que diz o outro. Ainda consideramos sobre esse tema as palavras de Eggs (2005), a abordagem pragma-retórica de Dascal (2005) e a compreensão discursiva do ethos, apresentada por Maingueneau (2005), com suas noções de tom e corporalidade.

Nessa mesma direção, a noção de dialogismo, apresentada por Bakhtin, foi fundamental na análise do nosso corpus. Afinal, é no diálogo, na sobreposição de discursos, ora convergentes ora divergentes, que o ethos se manifesta. Partindo, então, desse princípio ─ o da heterogeneidade discursiva ─ tecemos algumas considerações sobre as nuances que distinguem polifonia, intertextualidade e interdicursividade.

Os estudos da enunciação têm discutido o aspecto polifônico da língua nos seguintes termos: a) de que existe uma intertextualidade em sentido restrito ou manifesta, na qual é inserido um texto anterior, concreto, reconhecido pelo interlocutor, e b) um outro tipo de intertextualdade mais abrangente, em que vozes são encenadas, sugeridas, denominada intertextualidade constitutiva. Não há um texto real como intertexto, mas a percepção de formações discursivas. Esta posição foi acolhida nessa pesquisa, pois analisamos a sobreposição de vozes, a cadeia de locutores no discurso distinguindo esses dois tipos de manifestação polifônica.

Fairclough (2001), por sua vez, introduz o termo interdiscursividade para designar a intertextualidade constitutiva. Porém, em contextos que julga não ser necessário distinguir os fenômenos, o autor utiliza a expresssão intertextualiade para remeter, de modo geral, a toda manifestação polifônica. Em nossa pesquisa, utlizamos a interdiscursividade como o termo mais amplo para referir a sobreposição de vozes nos discursos, englobando, inclusive, a intertextualidade manifesta. Desse modo, analisamos alguns aspectos interdiscursivos que consideramos fundamentais na construção do ethos, a saber: a modalização, a categorização/recatgorização dos objetos da realidade, o metadiscurso, a ironia, as proposições negativas, o discurso representado e as variadas estratégias de materialização da multiplicidade de vozes no discurso, partindo do pressuposto de que cada um desses fenômenos desempenha papel importante na construção do “eu”, na projeção de identidades sociais que se dá no processamento discursivo.

A análise desses fenômenos do discurso foi realizada em textos do domínio discursivo jornalístico que noticiaram a Rebelião Praieira. Sendo assim, julgamos fundamental uma exposição do que consideramos notícia, afinal, os exemplos que analisamos são de diferentes gêneros dos jornais da época. Assim, pareceu-nos limitada a noção de notícia como gênero textual, já que, em sentido amplo, a notícia nem sequer é exclusidade do domínio jornalístico, pois ela pode se mainifestar em muitos gêneros, tais como cartas, recados, emails, editoriais, artigos de opinião, reportagens etc. Partindo dessa idéia, encontramos em Van Dijk (1996) o suporte teórico que sustentou nossa análise, justificando a escolha dos textos que compõem nosso corpus, nos quais ocorria a notícia, e nos ajundando a compreender o fenômeno.

Desse modo, sustentamos com Van Dijk (1996, p. 250) a noção de notícia como

discurso, como uma forma particular de prática social, institucional, bem como o

caráter cognitivo, de que fala o autor, na fabricação da notícia. Assim, não há nessa pesquisa uma separação entre o mental e o social, pois, com base no autor, assinalamos que a atividade cognitiva na representação do mundo pela linguagem é constituída nas interações sociais.

Após a exposição do que entendemos por notícia, discorremos brevemente sobre sua estrutura e funções. Assim, foram temas de nosso trabalho as estruturas temáticas, o estilo e a retórica do dicurso jornalístico. Sobre o estilo, seguindo as orientações de Van Dijk, nosso interesse voltou-se para sua dimensão social, ou seja, para o que o contexto pode alterar no processo discursivo de um dado sujeito.

A dimensão retórica da notícia também foi aqui discutida. A visão de Van Dijk (1996) de que o produtor não pretende apenas ser entendido, mas ser aceito foi bastante esclarecedora na observação das estratégias retóricas presentes na imprensa da primeira metade do século XIX.

Com base nesses postulados, empreendemos a análise de diversos jornais da época da Praieira, objetivando, inicialmente, evidenciar o que caracterizava o discurso dos rebeldes da Praia, por quais estratégias textual-discursivas eles representavam a realidade, construindo imagens para si e para o outro. No entanto, não foi possível caracterizá-los por suas estratégias textual-discursivas em função do que a análise nos mostrava: não é pela linguagem, pelos recursos lingüístico, estilísticos ou retóricos que paraieios e gabirus se caracterizam e se distinguem. Mas no objeto representado no discurso, pois embora utilizem estratégias semelhantes no processamento discursivo, a imagem, o ethos que se projeta das coisas do mundo é bem outro.

Esperamos com esse trabalho ter contribuído, de alguma forma, para a compreensão do processamento dicursivo da imprensa numa época muito importante para a história de Pernambuco e do Brasil: uma época de muitas rebeliões libertárias, na qual a imprensa exerceu papel fundamental, servindo de cenário às batalhas ideológicas, oferecendo-nos nuances da dimensão discursiva da linguagem, especialmente no que toca a construção do ethos.