• Nenhum resultado encontrado

A Imprevisão Constitucional da Supranacionalidade

CAPÍTULO VI – A BUSCA DA INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL

6.3.2 A Imprevisão Constitucional da Supranacionalidade

Na medida em que os Estados assumem compromissos mútuos por força de convenções internacionais, ocorre a diminuição paulatina do âmbito de competência discricionária de cada contratante385.

A supranacionalidade não é percebida no Mercosul386. Além disso, percebe-se que a constituição dos Estados Partes do bloco, tal como se encontram atualmente, dificultam a implementação da supranacionalidade em seu seio.

385 RANGEL, Vicente Marotta. Os sujeitos de Direito Internacional. In: Direito Internacional Público. Rio

de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 1974, p. 12.

386 “No caso do Mercosul (...) não se pretende que as partes se integrem em uma nova soberania ou unidade

autônoma de poder dentro do sistema internacional – ao menos não no atual estágio do respectivo processo nem num horizonte previsível. O panorama comum coexiste, portanto, com os diferentes panoramas nacionais, para o alcance de objetivos que são compartilhados. Todavia, diferente de uma união

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), por exemplo, não acolheu qualquer previsão quanto à supranacionalidade das normas do Mercosul. Além dessa omissão, há ainda certos entraves à sua instituição. Vale destacar e citar, no intuito de expor as dificuldades presentes na CF/88 à supranacionalidade, os art. 1º, I; art. 4º, I; art. 49, I; e art. 102, III, b, tal como seguem:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

(...)

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

Outro exemplo a ser destacado é o da Constituição da República Oriental do Uruguai que, em seu art. 6º387, refere-se apenas a uma integração social e econômica dos Estados latino-americanos relativos à defesa comum de seus produtos e matérias-primas ou para uma efetiva complementação de seus serviços públicos sem, destarte, fazer referência à supranacionalidade.

circunstancial perseguindo um objetivo comum, mas eventualmente transitório, a essência do fenômeno consiste em sua permanência, em sua vocação para ser uma parceria irreversível”. PEÑA. Op. cit., p. 92.

387“Artículo 6º.- En los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas

las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros medios pacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servicios públicos.” CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA. Disponível em: <http://www.parlamento.gub.uy/constituciones/const004.htm>. Acesso em: 25 nov. 2008.

O Mercosul tem a sua produção normativa calcada no tradicional direito internacional. Diferença existente entre os Estados Partes do Mercosul e que merece ser apontada nesse momento a referente à dualidade388 nas relações Direito Interno — Direito Externo. Apesar de tanto o Brasil quanto a Argentina (esta última adota a dualidade de modo atenuado), por exemplo, serem adeptos do dualismo (que implica total distinção e independência entre o direito interno e o direito internacional), diferem no que tange ao tratamento conferido aos acordos internacionais. Enquanto na Argentina, o alcance e características das regras do Mercosul tomam uma importância maior à luz da reforma constitucional de 1994389, sendo que estas prevalecem em relação à norma interna390, no

Brasil as normas internacionais têm vigência somente, após a devida processualística de nacionalização da norma, sendo então equiparadas, sob o aspecto da hierarquia das normas jurídicas, às leis internas391.

Frente ao que foi acima exposto, passa ao largo da atual realidade dos Estados Partes do Mercosul a possibilidade de implementação da supranacionalidade, no seio do bloco, tendo em vista as dificuldades jurídicas propiciadas pela imprevisão constitucional da supranacionalidade (tal como os exemplos citados transparecem) e mesmo de dispositivos implicitamente contrários a ela tal como exemplificado através de certos dispositivos da Constituição Federal do Brasil e da Constituição do Uruguai.

388

Para maior aprofundamento, com respeito a este assunto, inclusive a abordagem das teorias monista e dualista, veja-se YAMAMOTO, Toru. Direito Internacional e Direito Interno. São Paulo: Editora Sérgio Antônio Fabbris (SAFE), 2000.

389 “No plano jurídico, a reforma constitucional argentina de 1994, que positivou a supremacia do tratado em

relação ao ordenamento jurídico interno, nos termos do inovador artigo 75, incisos 22 e 24, constitui formidável exemplo de superação dogmática, em que a hegemonia das idéias e a necessidade de abertura e inserção internacionais prevaleceram diante do anacrônico e insustentável isolamento jurídico.” FONTOURA, Jorge. O Avanço Constitucional Argentino e o Mercosul. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 nº 146 abr./jun. 2000, p. 56. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_146/r146-04.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2008.

390 “Ao Congresso também é conferida competência para aprovar os tratados de integração que deleguem

competência e jurisdição a organizações supra-estatais em condições de reciprocidade e igualdade e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos (art. 75, 24). As normas destes tratados possuem hierarquia superior às leis. Assevere-se que a aprovação desses tratados de integração com países da América Latina necessita da maioria absoluta da totalidade dos membros de cada câmara legislativa; com as demais nações exige-se a maioria absoluta dos membros presentes de cada câmara para que, inicialmente, seja declarada a conveniência de aprovação do tratado e, depois de 120 dias, possa ser aprovado com o voto da maioria absoluta da totalidade de membros de cada câmara legislativa. A denúncia dos tratados objeto do citado art. 75, 24, também exige a maioria absoluta da totalidade dos membros de cada casa legislativa.” BARBOSA, Salomão Almeida. As Relações Internacionais na Constituição da Argentina, Revista de Doutrina TRF 4ª Região, agosto de 2004. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br >. Acesso em: 24 nov. 2008.